19 Dezembro 2020
"Há um debate em curso sobre o novo capitalismo, que transita pela universidade, empresas, ONGs e think tanks. Temas como refundação, novos valores humanísticos e inclusão estão nas bases dessas discussões", escreve Antonio Carlos Abbatepaolo, ex-diretor do Conar, Abramge e FecomercioSP e consultor de Relações Institucionais.
“Você diz que quer uma revolução, bem você sabe, todos nós queremos mudar o mundo”, afirmava John Lennon em Revolution, música em coautoria com Paul McCartney.
Há um debate em curso sobre o novo capitalismo, que transita pela universidade, empresas, ONGs e think tanks. Temas como refundação, novos valores humanísticos e inclusão estão nas bases dessas discussões.
Num breve olhar retrospectivo, o sistema capitalista passou por diversas fases como a comercial, industrial e financeira; e mais recentemente a já chamada fase ultra financeira. Foi liberal, keynesiano, incorporou o estado de bem estar social, sobreviveu a grandes guerras e ainda pulsa num sistema internacional multipolar e em transformação. Não à toa. Apesar de provocar desequilíbrios e ser suscetível a crises, o capitalismo possui um mecanismo central, que é seu processo de adaptação constante e a incorporação de elementos externos, semelhante à fagocitose.
No século XIX, o capitalismo promoveu o fim da escravidão e sustentou a conquista de direitos trabalhistas. No século XX, fagocitou as inúmeras crises econômicas mundiais, assimilou o comportamento transgressivo da contra cultura e do movimento hippie, foi agente das transformações políticas que repactuaram o poder entre as nações e nos trouxeram até o momento atual. No século XXI continua absorvendo movimentos, como a crise financeira da primeira década. Neste momento absorve o ESG, e até o “capitalismo de estado” chinês vem absorvendo entraves que emergem daquela economia. Deverá também absorver o mundo pós pandemia, mas existem outras tarefas com as quais virá a se deparar.
A cena atual do capitalismo é um recorte de imposições a serem superadas, como o crônico déficit em conta corrente e déficits públicos em muitos países. Os problemas nos Estados de economia capitalista também estão presentes em seus investimentos, e parte desses países, ricos ou em desenvolvimento, têm tido dificuldade para lidar com suas funções típicas (saúde, educação, segurança, investimento em infraestrutura e tecnologia) ao se depararem com custos crescentes em virtude da mudança do padrão tecnológico, escassez de insumos, envelhecimento da população, entre outros fatores.
Pelo lado da economia privada, muitas das grandes empresas que acumularam capital ao longo do século XX e XXI, começaram a concorrer para a efetivação de um novo estado de bem estar social. Primeiro, oferecendo saúde privada e educação para seus funcionários, mais tarde atuando através de ONGs para o debate de políticas públicas, até chegar o momento em que já é visível sua participação como promotora de políticas públicas. No caso brasileiro, o tema da sustentabilidade em geral e da Amazônia em particular é um exemplo disto. As empresas detêm capital, recursos humanos e tecnológicos e de inteligência, e já suprem várias atividades de que outrora se ocupou o Estado.
O debate nos leva a imaginar qual o alcance dos valores das empresas, tão em voga no mundo corporativo. Parece que os interesses dos shareholders estão muito mais próximos das demandas dos stakeholders em temas como a inclusão, diversidade, propósito e valorização do meio ambiente. É o caso de indagar se a gestação desse movimento parte das entranhas do próprio sistema, se advém da provocação externa concebida por uma nova aspiração geracional, ou se é uma mistura desses fenômenos.
Essa dinâmica já denominada de capitalismo de stakeholders ou capitalismo “do bem” tem atingido as empresas e seus colaboradores, que buscam ressignificados e releituras de sua atuação corporativa. Nesse caso, é evolutivo e orgânico que haja esse comportamento na medida em que faz parte de uma nova visão e postura. Mas o que aparenta ser uma refundação capitalista está em linha com o papel que as empresas, cada vez mais concentradas, maiores e mais poderosas, desempenham na sociedade. Ao deglutir o novo, devolvem isso ao público, e o fazem subsidiariamente ao tempo do capitalismo atual, no zeitgeist vigente. Isso tem sido assim e deve persistir assim, porque é da natureza do sistema incorporar tendências e seguir em frente.
A ideia de uma ruptura infra revolucionária nascida na Era de Aquário parece frágil, enquanto o sistema permanece pujante.
Mas há um imenso desafio à espreita. O de enfrentar os problemas de desigualdade, concentração de renda e diminuir a massa de populações assentadas na linha de pobreza, bem como atender o desejo das populações que clamam por acesso a bens e serviços, até agora só alcançados pelas classes de maior poder aquisitivo. São obstáculos gigantes. Possíveis de serem superados, mas muito maiores e mais resilientes que outros.
Instalados desde a origem do sistema e com melhoras muito lentas e incrementais, estes são entraves capazes de subverter, modificar ou fazer o sistema se defrontar consigo mesmo em função da pressão por mais equilíbrio na renda das pessoas. Cabe, num tempo cada vez mais exíguo, uma resposta a esta tarefa colossal.
Lennon ainda indaga em Revolution – “Você diz que tem uma solução real, bem, você sabe, nós adoraríamos conhecer o plano”.
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Capitalismo, stakeholders, fagocitose - Instituto Humanitas Unisinos - IHU