15 Outubro 2020
Com as eleições do próximo domingo na Bolívia, esta semana se inicia um intenso ciclo eleitoral na América Latina, que em pouco mais de um ano pode consolidar a guinada direitista que a região vive ou começar a mover o pêndulo para a esquerda. Ou talvez nada disso e se dirija de cabeça ao populismo. A pandemia levou a um aumento da incerteza política que se instalou no subcontinente, desde o ano passado, com revoltas cidadãs em vários países. A irrelevância dos partidos políticos, a polarização e os discursos simples e populistas continuam em alta.
A reportagem é de Robert Mur, publicada por La Vanguardia, 13-10-2020. A tradução é do Cepat.
Os conceitos de direita e esquerda não definem bem o sentimento de sociedades cada vez menos ideológicas, que exigem soluções urgentes para problemas atávicos, assim como a polarização, também é uma tendência planetária, mas nos países em desenvolvimento da América Latina a enorme desigualdade torna a crise social mais evidente. Portanto, pune-se o governante que não cumprir as expectativas e promessas.
Nesse sentido, se olharmos para as três últimas eleições presidenciais na região, as mudanças de governo devem ser lidas mais como cansaço com o governo instalado do que como um desejo profundo de transformação ideológica. No final do ano passado, o peronista esquerdista Alberto Fernández desalojou da Casa Rosada o liberal Mauricio Macri, que havia deixado a Argentina atolado na crise econômica. Ao passo que no Uruguai, o conservador Luis Lacalle acabou com quinze anos do governo esquerdista Frente Ampla. E em julho deste ano, na República Dominicana, nas únicas eleições realizadas durante a pandemia, Luis Abinader venceu o candidato do Partido da Libertação Dominicana (PLD), formação que permaneceu por 16 anos consecutivos no poder. Abinader se considera social-democrata, assim como o PLD.
As eleições dominicanas não foram adiadas por causa da pandemia, como já aconteceu duas vezes na Bolívia e com o referendo constitucional no Chile, que finalmente será realizado na próxima semana. No caso boliviano, a situação é muito tensa: a anulação das eleições de um ano atrás, em meio a tumultos por suspeitas de fraude de Evo Morales, ao conquistar seu controvertido quarto mandato, provocaram seu exílio e à chegada ao Palácio Quemado da ultradireitista Jeanine Áñez.
Agora, as pesquisas preveem que pode se consolidar a guinada à direita, já que a previsível vitória no primeiro turno deste domingo do candidato do Movimento pelo Socialismo (MAS) de Morales, o ex-ministro da Economia Luis Arce, não seria suficiente para vencer no segundo turno, em 29 de novembro, ao ex-presidente de centro-direita Carlos Mesa. Não obstante, algumas pesquisas também dão a vitória a Arce, sem um segundo turno.
O plebiscito chileno de 25 de outubro não resolve imediatamente uma mudança de cor no La Moneda, mas seu provável resultado, favorável à revogação da Constituição neoliberal de Pinochet, abrirá um período constituinte de um ano, do qual surgirá uma Carta Magna democrática e progressista. O debate sobre o texto fundamental terá impacto total nas eleições presidenciais de novembro de 2021, onde os chilenos decidirão se a coalizão de direita - onde ainda aparecem ex-pinochetistas - mantém um poder que agora está nas mãos de Sebastián Piñera, que reúne os piores índices de popularidade da democracia.
A revolta chilena - que no próximo domingo completa um ano e existe previsão de uma celebração especialmente violenta - não foi a primeira a se desencadear na região, mas foi a que teve mais profundidade pelo que implicou em um país que, durante três décadas, foi elogiado pela sua estabilidade institucional e econômica. O questionamento chileno do modelo neoliberal inspirado na Escola de Chicago se espalhou pela Colômbia - único país latino-americano que nunca foi governado por um mandatário progressista -, onde o presidente conservador Iván Duque, na metade de seu mandato, enfrenta protestos constantes.
Antes do Chile, também houve convulsivas revoltas no Equador, Peru e Honduras, três países que em 2021 vão eleger presidentes. Os motivos para a ira do público foram diferentes, mas o denominador comum foi a saturação com a classe política. No Peru, a corrupção que atinge todos os seus ex-presidentes levou à Casa de Pizarro, sem eleições, o direitista Martín Vizcarra, que tentou uma reforma profunda das instituições com pouco sucesso. Com uma boa imagem entre os cidadãos, Vizcarra não pode se candidatar e não há nenhum líder concreto à vista.
Também há incerteza em Honduras, onde o questionado presidente conservador, Juan Orlando Hernández, garante que não concorrerá novamente, sem que haja uma liderança clara no horizonte. Já no Equador, a substituição de Lenín Moreno pode vir da direita, já que a maioria das pesquisas dá como favorito o banqueiro Guillermo Lasso, que tentará impedir o retorno ao Palácio de Carondelet dos partidários do ex-mandatário esquerdista Rafael Correa, condenado por corrupção e refugiado na Bélgica.
Casos diferentes são os da Venezuela e Nicarágua, cujas democracias foram sufocadas pela esquerda autoritária governante. As eleições legislativas venezuelanas de 6 de dezembro oficializarão o controle da Assembleia Nacional pelo chavismo -com a ajuda do boicote da oposição-, ao passo que resta saber se nas eleições presidenciais nicaraguenses, de novembro de 2021, o presidente Daniel Ortega jogará limpo com a grande coalizão de oposição que pretende se formar para acabar com o sandinismo.
Por outro lado, em 2021, também haverá duas importantes eleições legislativas, na Argentina e no México, além de El Salvador. Aos sete meses de um confinamento que os cidadãos não cumprem, mas que as empresas sofrem, o verão austral se presume quente, com uma situação econômica explosiva que colocou 41% da população abaixo da linha da pobreza.
A renovação do parlamento, no próximo ano, será uma prova de fogo para o peronismo, assim como será no México para o esquerdista López Obrador, que já gera desilusão entre os mexicanos a quem prometeu uma verdadeira mudança. Por fim, o populismo do salvadorenho e inclassificável Nayib Bukele, cuja aprovação aumenta por causa de sua auréola antissistema - como acontece com o brasileiro Jair Bolsonaro -, terá a oportunidade de ser ratificado nas eleições parlamentares.
A especialista chilena em opinião pública, Marta Lagos, atribui o desconcertante curso da política latino-americana à "ausência de estrutura política". A diretora de pesquisa Latinobarómetro explica por telefone, de Santiago, ao jornal La Vanguardia, que “quando os partidos não são partidos, mas são pessoas, o sistema partidário falha” e que a solução passa por "fortalecer os partidos". “O fracasso da esquerda e da direita é um campo fértil para o populismo”, disse Lagos, que insiste que “enquanto os partidos não cumprirem suas promessas”, veremos mais candidatos independentes. Portanto, mais populismo.
“Os cidadãos tinham uma impressão de que os governos são para as minorias e querem os governos para a maioria”, acrescenta. “Fracassaram governos de esquerda que não cumpriram o prometido e entraram governos de direita que também fracassaram”, acrescenta, mencionando Duque, Piñera e Macri.
A América Latina e o Caribe concentram um terço das mortes mundiais causadas pelo coronavírus. O Banco Mundial e a CEPAL preveem uma queda histórica da economia, de 8 a 9%, com mais de um terço da população na pobreza e com o desemprego em alta.
A pandemia e o colapso da economia na região aumentam a incerteza política, consequência da fragilidade institucional e do desaparecimento, na prática, dos partidos políticos. Campo fértil para o populismo. Mais bolsonaros?
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América Latina, na encruzilhada: entre a desigualdade e o coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU