Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 04 Março 2020
No último domingo, 01-03, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, deu início às sessões ordinárias do legislativo do ano de 2020. Na primeira sessão em um longo discurso apresentou algumas das principais propostas do novo governo que serão enviadas para o legislativo. Há quase três meses no cargo, o peronismo está dando pinceladas de como será o seu governo: buscar soluções imediatas para a crise econômica, com foco na renegociação da dívida externa, o apoio de sua base eleitoral com a despenalização do aborto, e o resgate da disputa pela soberania das Malvinas. Em entrevista à IHU On-Line, Andrés Malamud, cientista político e pesquisador da Universidade de Lisboa, faz uma avaliação sobre o início e o futuro do governo, que, para ele, depende sobretudo do primeiro aspecto: “se evitar o calote, o governo consolidar-se-á; se não, tudo pode acontecer”.
O governo de Alberto Fernández começou a ser formado em maio de 2019, quando o principal nome da coalizão Frente para a Vitória, a ex-presidente Cristina Kirchner anunciou que estaria ocupando o cargo de vice na chapa. O movimento, que causou uma surpresa imediata, tornou-se vitorioso ao passo que o então presidente Maurício Macri se afundava na crise econômica do país e motivava mais grupos a entrar para a nova coalizão: a Frente de Todos. O peronismo, em toda sua diversidade, conseguiu congregar a maioria junto ao kirchnerismo, inclusive a antigos adversários, como o ex-candidato a presidente Sergio Massa – e agora presidente da Câmara de Deputados –, ou Daniel Scioli – embaixador da Argentina no Brasil e vice-presidente do Partido Justicialista –, ex-vice-presidente que pleiteou o cargo principal em 2015 e o pretendia novamente.
O grande bloco formado pela centro-esquerda venceu as primárias com uma larga vantagem e, embora Macri tenha crescido mais de 10%, se consolidou no poder nas eleições de outubro de 2019, ainda no primeiro turno. Qualquer previsão sobre um possível segundo turno é futurologia, no entanto o crescimento de Macri acendeu um alerta sobre a Frente de Todos, o que segundo Malamud, faz com que a “unidade da coalizão seja indispensável para garantir a governabilidade”. “A unidade baseia-se na convergência de interesses entre Alberto Fernández, Cristina Kirchner e Sergio Massa, o presidente da Câmara dos Deputados, dado que a vitória eleitoral foi estreita e que os recursos fiscais são exíguos”, afirmou à IHU On-Line.
Se a distribuição de cargos no legislativo foi a primeira estratégia de Fernández para poder governar institucionalmente, a legitimidade virá conforme a capacidade de responder às demandas da sua base popular. No entanto, como destaca Malamud “a situação econômica é ruim e o presidente não pode oferecer políticas econômicas demasiado progressistas”.
Por isso, dentre as propostas apresentadas por Fernández, destaca-se a despenalização do aborto. Em 2018, o movimento feminista conseguiu uma ampla mobilização a partir da brecha dada por Macri. No entanto, depois de 48 horas de sessão, se somadas as votações nas duas casas e a aprovação na Câmara dos Deputados, a proposta foi barrada no Senado por quatro votos. O atual governo promete enviar um projeto ao Congresso até a próxima semana. Se o apoio dos legisladores governistas for uma condição obrigatória, garantirá uma aprovação com sobras.
Outras medidas anunciadas por Fernández que respondem a um apelo nacional estão relacionadas às Malvinas. Segundo o presidente, três projetos serão propostos para reivindicar a soberania argentina sobre as Ilhas. O primeiro a respeito da criação de um Conselho Nacional para tratar exclusivamente do assunto, o segundo tratará da demarcação do limite da plataforma continental argentina para contribuir com a consolidação dos direitos de soberania sobre os recursos do subsolo, e por fim, endurecer sanções sobre embarcações que pesquem ilegalmente em território argentino, incluindo nas Malvinas. Na avaliação de Malamud colocar a questão da soberania em pauta “é uma medida para consumo doméstico, tem a garantia de apoio total internamente, mas, por enquanto, fora do país é irrelevante, complicará a vida dos habitantes das ilhas – que não desejam ser argentinos e querem decidir sobre os recursos da sua zona marítima”.
Outra controversa proposta está relacionada à política extrativista. Fernández quer reativar a indústria de exploração de lítio, petróleo e gás no norte do país. Embora justifique a proposta pelos ganhos econômicos e pela queda que essa indústria teve nos últimos anos, cai em contradição à sua bandeira de campanha. O professor da Universidade de Lisboa aponta que “o presidente convoca a ‘uma batalha nacional pelo gás e o petróleo’ ao mesmo tempo que se declarava contrário ao extrativismo”.
Esses primeiros meses são caracterizados como “uma vassoura nova que varre bem”, segundo Andrés, e com um perfil que fica no meio termo dos governos passados: “mais ousado que Macri (por exemplo, nesse apoio à legalização do aborto) e mais moderado que Cristina (por exemplo, quando agradece à oposição pelo na luta contra a crise econômica)”.
A delicada situação econômica da Argentina exige uma habilidade maior de governo para Alberto Fernández que, visto o fracasso político de Macri, precisa saber conciliar um país em que a pobreza e a fome crescem, os recursos são escassos, a dívida está no limite, mas que não pode ficar parado. A “grieta”, ou a polarização, momentaneamente lhe favorece, não obstante, como destacou o entrevistado, o futuro depende da habilidade na política econômica.
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Argentina. Fernández apresenta propostas polêmicas para driblar a crise e evitar um governo inativo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU