30 Setembro 2020
"É um episódio triste que atingiu o Cardeal Becciu e sinto muito por ele, mas do lado positivo, a reforma financeira da Santa Sé sofreu uma aceleração. Temos que estar felizes com isso”.
O cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa e coordenador do C6, comenta com o Repubblica os acontecimentos vaticanos dos últimos dias, desde a renúncia do cardeal Angelo Becciu até a virada de Francisco que decidiu transferir todos os "tesouros" das várias entidades da Santa Sé sob a responsabilidade da APSA com a coordenação do Secretaria para a Economia.
A entrevista com Oscar Andres Maradiaga é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 29-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, há quanto tempo estavam trabalhando nesta reforma financeira?
Mesmo que a virada tenha acontecido nestes últimos dias, estamos trabalhando nisso desde 2013. Desde os primeiros dias de seu pontificado, Francisco estava bem ciente do risco que a Santa Sé corria ao manter uma série de “tesouros” dentro de diferentes entes do Vaticano. É arriscado porque atraem pessoas que estão dispostas a corromper e muitas vezes as personalidades eclesiásticas não sabem como agir. Já falamos várias vezes sobre a necessidade de centralizar, desde o início Francisco estava convencido dessa linha. Mas agora decidiu e logo tudo estará operacional.
As crônicas dizem que o Cardeal Becciu poderá em breve ir a julgamento. O que o senhor pensa a respeito?
Conheço pouco dessa história. Não tenho elementos para entrar em detalhes. No entanto, lamento o que aconteceu e pelo escândalo. Em geral, porém, digo que também do ponto de vista judiciário, a Santa Sé deu agora um importante passo à frente. Hoje quem erra, mas repito que não tenho informações sobre Becciu, paga. Depois de anos em que certos casos permaneceram sob um halo de opacidade, ir a julgamento com rapidez não é uma questão trivial. Mesmo do ponto de vista judiciário, acredito que a Santa Sé fez progressos.
Que outras reformas acha que foram feitas nos últimos anos?
Entre as tantas, gostaria de citar uma em particular. Talvez para muitos não seja uma reforma, mas para mim é. Refiro-me ao fato de o Papa ter decidido morar na Casa Santa Marta. Assim fica mais livre para encontrar quem quiser, amigos, conhecidos, pessoas que pedem uma entrevista. Há mais liberdade, as visitas não são mediadas por terceiros. Essa decisão foi a primeira reforma decisiva deste papado.
Há quem diga que o Papa está isolado. O que acha?
Isso absolutamente não é verdade. Justamente pelo fato de morar em Santa Marta não está isolado. Lidera a Igreja de forma colegial, discutindo e depois decidindo.
Alguns dizem que suas escolhas são ditadas por seu humor.
Francisco tem muita paciência e também uma grande misericórdia. Ele nunca age por instinto, mas sempre tenta, mesmo quando tem que tomar uma decisão difícil, dar tempo a quem está à sua frente para revisar o que fez. Cada uma de suas escolhas chega depois de um importante discernimento e de ter avaliado cada elemento.
O Secretário de Estado dos Estados Unidos, Pompeo, chega nesta segunda-feira ao Vaticano. Nos últimos dias, ele escreveu contra a assinatura da renovação do Acordo entre o Vaticano e a China.
Intrometer-se me parece uma loucura. Parece-me que a atual liderança estadunidense esteja agindo apenas em vista das próximas eleições. Eles buscam a reeleição de Donald Trump e só se movem de acordo com essa lógica. Nesse sentido, não me parece que estejam atuando no interesse dos estadunidenses. Em nossas relações com a China não devem se intrometer.
Muitas das críticas ao papado vêm do mundo próximo a Trump?
Existe uma rede anti-Francisco. Os dois homens que puxam os cordões dessa rede são Steve Bannon e o ex-núncio de Washington Carlo Maria Viganò. Essa rede não quer mudanças. Eles querem que tudo permaneça como sempre foi. Uma rigidez que não é boa para a Igreja como um todo.
No entanto, são dias difíceis para a Santa Sé e para a Igreja. Os escândalos deixam muitos fiéis consternados.
Isso é verdade. Lamento também que este último escândalo tenha ofuscado o importante discurso do Papa na ONU de poucos dias atrás: ele pediu veementemente a abolição dos paraísos fiscais e a redução da dívida dos países pobres. Esses são os problemas que os poderosos da terra, incluindo Trump, deveriam ter em mente.
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“O Papa se cansou dos ‘tesouros’. Há anos desejava a reforma das finanças”. Entrevista com Oscar Andres Maradiaga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU