17 Agosto 2020
"Recuperar a estabilidade da área e, portanto, também a segurança de Israel, colocando todas as cartas na manutenção de regimes semifeudais que se tornaram protagonistas do capitalismo mundial graças ao petróleo, expõe o Estado judeu e todo o Ocidente a uma dupla fragilidade: seu poder é literalmente construído sobre a areia. Nem mesmo o controle do lugar mais sagrado do Islã, a Meca, os protege", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 15-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A todos aqueles que exultam pelas relações diplomáticas estabelecidas entre Israel e os Emirados Árabes Unidos – por mais que todo tratado de paz deva ser certamente saudado – eu recomendo cautela. E, só para começar, recomendo a leitura do relato da viagem Dubai, l’ultima utopia de Emanuele Felice, publicado por Il Mulino. As metrópoles de cristal que surgiram em poucos anos em uma das regiões mais inóspitas do planeta, detentoras de recordes de poluição e assombrosa voracidade energética além da reciclagem de capitais, são criaturas inquietantes, precursoras de uma nova tendência capitalista: dispensar a democracia desde que se possa consolidar a supremacia financeira.
Violando as regras liberais e reservando-as (aliás, com muitos limites) à restrita minoria dos nationals que vivem nas costas de milhões de imigrantes reduzidos a um estado servil. Alguns vão objetar que no Oriente Médio não se pode dar tanta importância aos detalhes. Os países árabes com os quais Israel mantém relações diplomáticas já há tempo, Egito e Jordânia, certamente não são exemplos de democracia. Nem os palestinos podem confiar demais na Turquia de Erdogan, que ontem protestava em seu nome fingindo esquecer que sua bandeira está hasteada na orla de Tel Aviv, onde fica a sua embaixada. Nem mesmo o obscurantismo de matriz wahabita das petromonarquias com as quais há tempo Israel estreitou uma aliança informal, incluindo a Arábia Saudita, constituem por si só um problema intransponível.
No Oriente Médio, os inimigos de meus inimigos são meus amigos, e o milenar poder imperial persa, hoje encarnado pelo regime iraniano dos aiatolás, é percebido por esses reinos jovens e precários como a principal ameaça. É uma disputa geopolítica e religiosa que já ensanguenta o Iraque e a Síria, e põe em risco o destino do Líbano. Precisamente esse é o ponto crítico, ou melhor, o perigo que torna precária a escolha estratégica de Trump e Netanyahu: apostar tudo no eixo do islã sunita em sua guerra mortal com Teerã, capital do expansionismo do islã "herético" de matriz xiita.
Foto: Toda Matéria
Recuperar a estabilidade da área e, portanto, também a segurança de Israel, colocando todas as cartas na manutenção de regimes semifeudais que se tornaram protagonistas do capitalismo mundial graças ao petróleo, expõe o Estado judeu e todo o Ocidente a uma dupla fragilidade: seu poder é literalmente construído sobre a areia. Nem mesmo o controle do lugar mais sagrado do Islã, a Meca, os protege.
Abu Dhabi e Dubai, que se tornaram hospitaleiras para os empresários de todo o planeta (e já há algum tempo também os empresários e a inteligência de Israel), estão expostos mais do que qualquer outro lugar às incógnitas da recessão da Covid e do colapso dos investimentos financeiros. Sua classe dominante é traiçoeira e contenciosa. O perigo de reacender o conflito com o Catar, que compartilha as reservas submarinhas de gás com o Irã e financia a Irmandade Muçulmana da Turquia à Líbia, está se tornando concreto.
A reação de Teerã a esse rearranjo dos equilíbrios regionais poderia se revelar devastadora. Não é apenas a questão nacional palestina que permanece esmagada por um acordo que adia a anexação de partes da Cisjordânia, mas também não remove os territórios ocupados do calcanhar de ferro israelense.
Permanece sem resposta, no futuro equilíbrio do Oriente Médio, a necessidade de encontrar uma solução digna para os poderes deixados de fora dessa decisiva escolha em favor do eixo sunita. Submeter o Irã como na época de colonialismo é impensável. E as aspirações da Turquia neo-otomana não são muito diferentes.
A paz dos ditadores, mesmo quando combinam seu perfil de antigos pescadores de pérolas com a nova roupagem do capitalismo iliberal, permanece o oposto de uma solução democrática. Espero estar enganado, mas no momento parece excluir o nascimento de um Estado palestino e se baseia exclusivamente no exercício de força militar e financeira. No Oriente Médio, isso nunca foi suficiente para viver serenamente.
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É um acordo que não garante a paz. E a Palestina continua sendo um sonho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU