14 Julho 2020
A toma de consciência da importância da Amazônia tem se tornado uma atitude cada vez mais presente na sociedade atual, algo que também tem cobrado grande relevância na caminhada da Igreja católica. O Sínodo para a Amazônia pode ser considerado como um elemento que tem dado um impulso decisivo nessa tentativa de amazonizar o mundo e a Igreja.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Sobre essa temática, “Amazonizar: uma Leitura do Sínodo para a Amazônia” refletiam no dia 13 de julho Márcia Oliveira, perita no Sínodo para a Amazônia e um dos padres sinodais, o bispo emérito da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Encontro virtual, organizado pela REPAM – Brasil e as Edições CNBB, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, contou com a mediação de Leon Souza, articulador da REPAM – Brasil.
Amazonizar é um verbo que já está presente na caminhada da Igreja da Amazônia desde a década de 70, segundo Márcia de Oliveira, momento em que os bispos começaram a pensar a Amazônia desde quem está aqui. A professora da Universidade Federal de Roraima lembrava uma carta pastoral de 1986 em que Dom Moacyr Grechi, naquele tempo bispo de Rio Branco, falava de amazonizar como convocação à luta, à defesa da Amazônia e de seus povos. Posteriormente esse termo será assumido pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI, tentando transmitir com esse termo a necessidade de assumir a causa da Amazônia como causa de todos nós, especialmente a causa indígena. Em um tempo em que se falava de internacionalizar a Amazônia, o CIMI falava de que vamos amazonizar o mundo.
Os bispos da Amazônia começaram a se reunir antes da existência da CNBB, lembrava Dom Erwin, que colocava como um encontro decisivo o acontecido em Santarém, em 1972, onde foi descoberto um novo caminho, um momento de kairós para toda a Amazônia, escolhendo a encarnação e a evangelização libertadora como opções fundamentais de ser Igreja na Amazônia. Isso irá se concretizar nas comunidades cristãs de base, superando as desobrigas, em que bispos, padres, religiosos e religiosas andavam meses e meses, às vezes passando fome, para levar a Boa Nova. Sua nova função será o de coordenar as comunidades que desde esse momento são assumidas por leigos e leigas, que se reúnem para refletir a Palavra.
Um elemento fundamental nessa nova forma de ser Igreja será a formação de leigos e leigas, que começam a ser valorizados. Junto com isso, Santarém é momento em que se incentiva a Pastoral Indigenista na Amazônia, em linha com o CIMI, também fundado em 1972, no anseio de unificar a pastoral junto aos povos indígenas, lembrava quem durante muitos anos foi presidente do CIMI e um dos artífices do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas pela Constituição Brasileira de 1988. Já naquele momento os grandes projetos, que caíram na Amazônia sem os amazônidas ser perguntados, eram uma grave ameaça. Dom Erwin lembrava que em uma outra reunião posterior em Manaus a Igreja da Amazônia assumiu a prioridade da juventude. Em sua lembrança histórica, ele lembrava do encontro acontecido em 1990, em Icoaraci, distrito de Belém, onde pela primeira vez, bispos da Igreja católica começaram se preocupar com o meio ambiente.
Amazonizar é uma atitude a ser assumida por todos, segundo Márcia de Oliveira, que afirma que “você não precisa viver na Amazônia para deixar se amazonizar”. Ela faz uma proposta de sociedade partindo daquilo que os povos da Amazônia vão imprimindo ao jeito de ser na Amazônia. Essas atitudes devem ser assumidas por quem mora nas cidades, mas também por aqueles que fazem parte da Igreja católica. De fato, a perita sinodal defende que uma Igreja com rosto amazônico tem muito a dizer para a Igreja de outras regiões. Nessa dinâmica de vida se faz necessário aprender a cultivar esses valores voltados para a ecologia integral, para o cuidado com a natureza, não por medo, mas por amor.
Sintonizar, conscientizar, são atitudes necessárias para amazonizar, segundo o bispo emérito do Xingu, que insiste em que “o Brasil tem que se lembrar que a Amazônia existe, o Brasil tem uma enorme responsabilidade por esse bioma, pois a Amazônia tem uma importância indispensável para o clima do Planeta, sem a Amazônia vai ser um apocalipse”. Mesmo nascido na Áustria, Dom Erwin insiste em que ama e se sente parte da Amazônia, depois de 55 anos na Amazônia. Desde sua ampla experiência de vida e conhecimento da realidade, ele afirma que amazonizar é conscientizar de nossa responsabilidade, sensibilizar-se pela Amazônia. Neste tempo de pandemia, ele denuncia outras pandemias que manifestam o desrespeito ao coração da Amazônia. Por isso, amazonizar também é “levantar-se contra os ataques à Amazônia, é cuidar do último pedaço do paraíso”.
Muitos dos debates do Sínodo perpassam as religiões e as diferentes igrejas cristãs, segundo Márcia de Oliveira. Ela refletia sobre a importância da presença como Igreja nas comunidades, defendendo uma Igreja que se legitime a partir da participação das lideranças locais. Nessa conjuntura se torna uma urgência reconhecer o papel da mulher nas bases. De fato, segundo Dom Erwin Kräutler, quando a nossa Igreja abandona as bases, as pequenas comunidades, quando as comunidades não recebem mais a visita do padre, o pastor começa a ir lá, e diante da falta de visita do padre, eles passam a outra Igreja. O bispo emérito do Xingu refletia que o padre nunca está na comunidade quando acontece alguma coisa, tem comunidades que recebem visitas do padre de dois em dois anos e ainda rápida. Diante disso, ele defendia, como vem defendendo há muito tempo, que escolher pessoas das comunidades para presidir a Eucaristia é fundamental.
A participação das mulheres na Igreja, em palavras de Márcia de Oliveira, deve estar presente não só no fazer pastoral, e sim no ser Igreja, no articular a Igreja na Amazônia. Ela colocava como exemplo que há regiões inteiras que as comunidades estão nas mãos das mulheres, o que a leva a se perguntar sobre o porquê de não reconhecer essa presença feminina que já está na Igreja. Segundo a perita sinodal, o Sínodo foi um momento especial de celebrar a presença das mulheres, destacando a participação decisiva das mulheres nos debates na aula sinodal, de grande qualidade e fundamento. Isso também acontece na vida cotidiana, pois segundo a socióloga, não tem como negar que a Igreja da Amazônia tem rosto de mulher, é uma Igreja missionária com rosto e metodologia de mulher. Isso demanda, segundo ela, a necessidade de pensar mecanismos para “romper com o patriarcado que nos oprime”.
Dom Erwin também enfatizava que as mulheres no Sínodo foram uma revelação, afirmando que “eu só fiquei preocupado porque não puderam votar”. Ele destaca que na cultura da Amazônia, o centro da família é a mulher, algo que também acontece nas comunidades, até 80%, são dirigidas por mulheres com uma grande competência, catequistas, que preparam e presidem o culto. Ele vai além, se questionando “por que uma mulher não poderia receber a ordem para presidir a Eucaristia?”, afirmando que só teremos uma Igreja com rosto amazônico se acabar com isso.
O bispo insiste em que o Sínodo não terminou, é o início de toda uma caminhada, de retomar caminhos, fazer que o que foi debatido e decidido volte para o povo, que o povo assuma o Sínodo. Segundo ele, não podemos esperar que as mudanças aconteçam de um dia para outro, se fazendo necessário ouvir o povo para ver como aplicar o Sínodo, por exemplo no que tem relação com o rito amazônico, sabendo que as liturgias têm que ter em conta o contexto dos povos.
Essa dimensão do Sínodo como processo também faz parte da reflexão de Márcia de Oliveira, algo que iniciou há muitos anos, afirmando que o processo sinodal é a caminhada eclesial na Amazônia. A professora vê a possibilidade de ampliar o vivido no Sínodo para toda a Igreja, sobretudo no sonho ecológico. Isso deve levar a repensar as práticas pastorais e entender que a ecologia integral tem que ser assumida por toda a Igreja, se deixar envolver pelos valores dos povos tradicionais, que nos ensinam sobre o cuidado do que temos em volta, provocando uma mudança de atitudes como opção pela vida.
Ao falar sobre a nova Conferência Eclesial da Amazônia, algo querido pela Assembleia Sinodal, Dom Erwin enfatiza que o importante é que todos os participantes tenham voto, pois a sinodalidade exige que os representantes do Povo de Deus nessa conferência tenham voz e voto. Ele lembrava das palavras do Cardeal Cláudio Hummes, que tem afirmado que a sinodalidade tem que ser o objetivo dessa conferência. Ele também lembrava do Pacto das Catacumbas, que aconteceu no dia 20 de outubro de 2019, em que foi assinado o pacto por uma Igreja com rosto amazônico, que cuida da casa comum. Ele destaca como grande novidade que não foi assinado só por bispos, sendo essa uma expressão de sinodalidade.
Amazonizar é uma necessidade cada vez mais urgente, que ajude a descobrir, em palavras do padre sinodal que “onde outros semeiam a morte, nós queremos semear a vida”. Segundo ele, em nome de tudo quanto é sagrado, nós defendemos a Amazônia e seus povos, chegando a dizer que a Amazônia vai ser o centro do mundo. Desde aí, ele faz um chamado, deixem-se amazonizar. Na mesma perspectiva, Márcia de Oliveira encerrava sua fala afirmando que amazonizar é aquilo que nos leva para a frente, é uma convocação a dar continuidade ao Sínodo. Desde sua experiência pessoal, ela afirmava que quanto mais conheço a Amazônia mais me deixo amazonizar e mais posso amazonizar outras realidades. Por isso, a perita sinodal destaca que mais do que nunca é necessário assumir a defesa da Amazônia, amazonizar.
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“As mulheres no Sínodo para a Amazônia foram uma revelação”, afirma Dom Erwin Kräutler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU