15 Abril 2020
A morte por coronavírus do jovem Yanomami é o reflexo do enfraquecimento institucional dos órgãos públicos que deveriam promover o direito à saúde e à proteção territorial dos indígenas. É desta forma que avalia o líder indígena Dinamam Tuxá, vice-presidente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em entrevista à Amazônia Real.
A reportagem é de Elaíze Farias e Ana Amélia Hamdan, publicada por Amazônia Real e reproduzida por Amazônia.org, 13-04-2020.
“O reflexo [desse enfraquecimento] acaba sendo as mortes. O coronavírus veio para aclarar essa realidade que ocorre no Estado brasileiro em relação aos povos indígenas”, disse Dinamam Tuxá.
Ele apontou também a recusa do governo brasileiro em “reconhecer a vulnerabilidade social dos povos indígenas e de não oferecer proteção territorial para conter o avanço do coronavírus”.
“O coronavírus age de forma sorrateira. Muitas vezes não é identificado em tempo hábil para fazer o tratamento correto no doente. As estruturas do Estado não estão preparadas para lidar com a especificidade dos povos indígenas. Estamos temerosos, porque sabemos que a estrutura estatal vem sendo enfraquecida e um vírus como esse, ao adentrar numa área indígena, vai causar um genocídio em massa”, alertou.
O líder destacou que este “processo genocida” dos povos indígenas vem ocorrendo há muito tempo no país e se agravou no atual governo, levando o Estado brasileiro a não conseguir agir “de forma hábil para tentar amenizar o impacto do coronavírus no povos indígenas.”
“Estamos preocupados, porque a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) vem em um processo de enfraquecimento e não está tendo apoio para que desenvolva trabalhos essenciais no combater ao vírus nas terras indígenas. Assim como o jovem Yanomami veio a óbito, tememos que haja uma explosão de óbitos em outros indígenas”, afirma.
Dinamam Tuxá (Foto: Reprodução Facebook)
Dinamam Tuxá diz que outro temor é quanto a uma possível tentativa dos órgãos governamentais em omitir os dados sobre infecção do coronavírus nos povos indígenas para “negar o avanço [da covid-19] nas terras indígenas” no intuito de esconder “mais um novo genocídio que se iniciou anos atrás e concretizado no governo atual”.
Ele também relatou dificuldades do movimento indígena em participar dos debates sobre a pandemia da covid-19 no gabinete de crise do governo federal e a apontou a indiferença dos governos estaduais às medidas solicitadas e protocoladas pela APIB. Apenas dois governos responderam confirmando o recebimento aos ofícios enviados pela Apib – de São Paulo e do Rio Grande do Norte –, mas sem nenhuma sinalização efetiva se vão atender as recomendações.
“Não há plano de contingenciamento. O gabinete de crise do governo estava recusando a entrada dos povos indígena nessa discussão. Hoje está sendo cumprida essa medida de entrada no gabinete, através do Fórum de presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), por causa da recomendação do MPF. Tudo que nós pleiteamos está sendo feito através de medidas no âmbito no judiciário. Não há um acordo entre os povos indígenas e o governo para traçar estratégias para tentar amenizar esses impactos”, afirmou ele.
Ele também criticou a postura das autoridades estaduais e municipais de apresentarem um “bloqueio histórico à presença indígena” e de negar apoio logístico às aldeias. “Dizem que é tudo competência da Sesai. Mas os poderes são harmônicos. Se a Sesai não está tendo subsídios suficientes para garantir aquisição de materiais, de insumos, EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), etc, o município tem sim dever, assim como o governo estadual, de suprir essa ausência do governo federal”.
Sem uma atuação conjunta entre os diferentes entes federativos, diz Tuxá, o resultado será a “a mortandade de nossos povos”.
“Estamos atentos para acionar para quem for de direito, para impetrar as devidas ações, para conseguir e combater esse vírus que veio para dizimar nossas comunidades. Estamos politicamente e espiritualmente preparados para conseguir avançar e combater de forma apropriada, buscando órgãos de controle para garantir a integridade física, cultural, territorial dos povos indígenas”, afirmou o líder indígena.
Terra Indígena Yanomami (Foto: Cabo Vinicius Santos | FAB-2015)
O povo indígena Yanomami é um dos mais vulnerários do extremo norte do Brasil. A maioria de sua população tem pouco contato com a sociedade não indígena e poucas vezes se deslocam para as zonas urbanas, com exceção para estudos, reunião e atendimento de saúde. Por isso, a exposição à pandemia do novo coronavírus, que eles chamam de xawara, os deixam mais vulneráveis. A notícia do primeiro caso do novo coronavírus no estudante Yanomami, no meio da semana, alertou a população.
A Terra Indígena Yanomami fica entre os estados do Amazonas e de Roraima, na Amazônia Ocidental. Nas 380 comunidades moram mais de 26 mil indígenas. O território tem 9,4 milhões de hectares.
José Mário Pereira Góes, presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), diz que, após a confirmação do caso de Covid-19 no jovem, o isolamento social das comunidades foi intensificado. “O alerta será reforçado devido esse nosso parente lá do Uraricoera contaminado com o coronavírus. É um alerta. Vamos evitar mais para as viagens de São Gabriel da Cachoeira”, disse ele, ainda antes de saber que o jovem veio à óbito.
A Ayrca atende às comunidades que ficam nos municípios amazonenses de São Gabriel da Cachoeira e Santa Izabel do Rio Negro, no norte do Amazonas. Na região, os Yanomami já estavam se protegendo antes do primeiro caso de Covid-19 entre esses povos. Eles interromperam a rotina social entre as comunidades, alteraram as agendas de reuniões e viagens.
“A rotina na comunidade de Maturacá mudou muito. Reuniões foram canceladas e o acesso aos turistas no Pico da Neblina, localizado na comunidade, foi fechado”, disse Góes.
A Ayrca é uma organização representativa das comunidades de Maturacá [a maior delas], Santa Maria, Ariabu, Auxiliadora, Vila União, Nazaré, Inambu, Cachoeirinha, Mapio e Maiá, nos municípios de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro. A Hutukara Associação Yanomami (HAY) é a representação principal de todo o povo, presidida pelo líder Davi Kopenawa Yanomami.
Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foto: Alberto César Araújo | Amazônia Real)
O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com sede em São Gabriel da Cachoeira, Marivelton Baré, conta que, em uma das reuniões do Conselho de Lideranças do Rio Negro para tratar sobre a Covid-19, os Yanomami foram os primeiros a pedirem proteção devido à baixa imunidade do povo.
“Até mesmo uma gripe normal pode se tornar um problema grave”, diz Marivelton Baré. O Conselho de Lideranças do Rio Negro reúne 35 líderes das cinco subregiões da região do Alto Rio Negro.
“O contágio do jovem Yanomami pela Covid-19 é mais um alerta [é o caso de atualizar para a informação do óbito]. Para isso a gente tem seguido com o esforço de trabalhar com a prevenção e manter a menor circulação possível. Que não venham para cá pessoas da capital, assim como os parentes da faixa de fronteira”, disse Marivelton Baré, reforçando que a orientação da Foirn é que os indígenas permaneçam em suas comunidades.
Ele explica que o território Yanomami no Amazonas, assim como em Roraima, sofre a pressão do garimpo clandestino. “Há necessidade de ação dos órgãos responsáveis. Não adianta nem fazer o bloqueio porque essa gente vai abrindo outros caminhos”, ressaltou.
Diante da chegada do coronavírus na etnia Yanomami e a notificação do primeiro óbito, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) cobrou novamente agilidade e estrutura do Estado brasileiro para evitar mortes pela doença dos indígenas.
Mário Nicácio, do povo Wapichana e vice-coordenador da Coiab, destacou que o jovem Yanomami pertencia a um subgrupo da etnia Yanomami [Xirixana) e que é de recente contato. Ele ressaltou que entre esta etnia, há também isolados.
“Estamos preocupados com a falta de estrutura da Funai, com a falta de agilidade da própria Sesai. E também quanto à prioridade dos governos estaduais e municipais. Estamos vendo que não tem prioridade em dar proteção contra o coronavírus nos territórios indígenas. Como Coiab, exigimos que o Estado brasileiro cumpra seu papel de proteção dos povos indígenas. Não deixar mais vidas ser contaminadas pelo coronavírus. Temos uma vida diferenciada, uma vida cultural diferenciada”, disse ele.
Mário Nicácio alertou ainda para as especificidades da realidade indígena. Ele diz que em um isolamento comunitário, se um indígena for contaminado vai contaminar todo o grupo.
“Queremos que o Estado atenda de fato e de direito para quem nenhuma vida possa ser tirada dos povos indígenas. Para que não ocorra o que está havendo nas áreas urbanas”.
Mario Nicacio, vice-coordenador da Coiab (Foto: CIR)
O Coordenador do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Wesley, disse que uma das maiores preocupações é que a pandemia se espalhe pela Terra Indígena Yanomami através da atividade do garimpo ilegal.
“O maior vetor do coronavírus em Terra Yanomami é, sem dúvida alguma, o garimpo. São cerca de 20 mil pessoas indo e vindo sem nenhum controle. O apelo é para que os órgãos governamentais responsáveis tomem medidas enérgicas, com operações especiais e efetivo considerável, para retirada dos garimpeiros. E não estamos usando a pandemia como pretexto para combater o garimpo”, disse Marcos Wesley.
Ele reitera que uma das estratégias dos indígenas para evitar o contágio é se dirigir para o interior da floresta. “Os Yanomami já têm experiência com a xawara, como eles chamam as doenças. Uma das estratégias é dispersar no mato, em pequenos grupos, onde vive bem, caçando, pescando, buscando roças antigas. É o isolamento social que a gente está praticando. Então, há conversas nesse sentido”, explica.
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“Se coronavírus entrar nas aldeias indígenas ocorrerá genocídio em massa”, diz líder indígena Dinamam Tuxá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU