22 Outubro 2019
"A contribuição de Banerjee, Duflo e Kremer é relevante, pois se baseia na ideia de pobreza como um problema multidimensional que vai além da falta de recursos", escreve Elisa Aracil, professora do departamento de Economia da Universidade Pontifícia Comillas, em artigo publicado por El País, 20-10-2019.
A decisão da academia sueca de conceder a Banerjee, Duflo e Kremer o Nobel de Economia de 2019 é muito significativa, indo além do fato duplamente incomum de premiar Esther Duflo, mulher e jovem (46).
O prêmio reconhece as contribuições desses economistas no campo da pobreza, uma questão que continua sendo um dos principais problemas do mundo.
Embora a pobreza absoluta, medida pela proporção da população que vive com 1,9 dólar (7,81 reais) por dia, tenha diminuído muito nos últimos anos, é importante lembrar que também há pobres nos países desenvolvidos. Neste caso, não vivem abaixo da linha de pobreza de 1,9 dólar/dia proposta pelo Banco Mundial, mas são classificados como “relativamente pobres”, pois possuem uma proporção muito pequena da renda média do país onde vivem.
Portanto, a pobreza continua sendo, infelizmente, um problema de máxima urgência no século XXI. A contribuição de Banerjee, Duflo e Kremer é relevante, pois aborda a pobreza a partir de dimensões muito específicas. Ou seja, eles se baseiam na ideia de pobreza como um problema multidimensional, que vai muito além da falta de recursos.
Segundo Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, “a pobreza é a privação de capacidades”, incluindo, por exemplo, o acesso à educação, limitações nas condições de saúde, exclusão social e financeira, entre outros.
O trabalho dos premiados é inovador porque foge de grandes soluções e projetos para combater a pobreza e se baseia em agir de forma mais específica em cada uma de suas dimensões.
O Banco Mundial considera extremamente pobres aqueles que vivem com menos de 1 dólar (4,11 reais) por dia. Mas como é viver com menos que essa quantia? Um dos trabalhos de Banerjee e Duflo, The Economic Lives of the Poor (“a vida econômica dos pobres”) responde a essa pergunta. E também a estas outras: como é a vida econômica dos pobres? Que decisões e, portanto, que renúncias ele têm de enfrentar? Que desafios eles precisam encarar diariamente?
O estudo abrange 13 países, entre eles Índia, México, Nicarágua e Peru, e explica determinados padrões de consumo. Por exemplo, por que os pobres não gastam mais em nutrição, coisa que melhoraria sua produtividade?
Também mostra o gasto desproporcional (em relação à sua renda) em bens de entretenimento (o que parece ser explicado pela necessidade de estar à altura de seus vizinhos) e a falta de reação diante da má qualidade das escolas, muitas vezes pelo analfabetismo dos próprios pais, que os impede de reconhecer que seus filhos não aprendem o suficiente.
É interessante que um de seus artigos, The Miracle of Microfinance? Evidence from a Randomized Evaluation ("O milagre das microfinanças? Evidências de uma avaliação aleatória”) critique abertamente os microcréditos como instrumento de redução da pobreza baseando-se em evidências empíricas. Sua conclusão é que os microcréditos não conseguem aumentar o investimento, nem o consumo, nem as condições de saúde e educação, nem o empoderamento das mulheres.
Então, quais são suas receitas para reduzir a pobreza? Muito concretas. Por exemplo, os ganhadores do Nobel estudam os efeitos de fortalecer e melhorar aspectos específicos relacionados à pobreza, como educação e infraestrutura.
Em Additional Resources versus Organizational Changes in Education: Experimental Evidence from Kenya (“Recursos adicionais versus mudanças organizacionais na educação: evidências experimentais do Quênia”), de 2009, e Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India (“Remediando a educação: evidências de dois experimentos aleatórios na Índia”), de 2007, eles argumentam que mudanças organizacionais e projetos ad hoc são muito mais eficazes do que a disponibilidade de recursos adicionais.
Nessa linha, o último trabalho de Banerjee e Duflo em formato livro foi um sucesso editorial por abordar um tema conhecido por todos, a pobreza, sob uma perspectiva radicalmente diferente: aproximando-se da realidade e complexidade da vida com menos de um dólar por dia.
Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty (“Economias pobres: um repensar radical da forma de combater a pobreza global”) aborda, por exemplo, a forma como os pobres veem a educação: consideram um desperdício gastar com educação para todos os filhos, e preferem concentrar o gasto em apenas um, geralmente do sexo masculino. Explicar aos pais que os benefícios da educação são lineares é muito mais eficaz do que construir mais escolas.
A decisão da academia sueca enfatiza os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que constituem a agenda mais ambiciosa da história para superar os grandes desafios sociais, começando por erradicar a pobreza, o objetivo número um. Os próprios ODS são enunciados de tal forma que se complementam, de modo que o ODS 1 (pobreza) se beneficia com os avanços no ODS 4 (educação de qualidade) ou no ODS 3 (saúde e bem-estar). Portanto, muito em linha com as conclusões de Banerjee, Duflo e Kremer.
Além disso, para alcançar os ODS é necessária a colaboração e o esforço conjunto dos setores público e privado, além de todos os agentes sociais, empresas, ONGs, veículos de comunicação, universidades... Nesse sentido, tenho muito orgulho do impulso que nossa Universidade Pontifícia Comillas, em Madri, vem fazendo nessa direção, incluindo a Agenda 2030 e a conquista dos ODS em seu plano estratégico, a fim de avançar em nossa missão de formar “líderes compassivos”.
Afinal, a economia é, em essência, o estudo da pobreza.
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As receitas dos prêmios Nobel de Economia para reduzir a pobreza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU