16 Julho 2019
Há 50 anos, neste mês, Neil Armstrong deu seus primeiros passos na Lua. Séculos antes, em 1651, o astrônomo jesuíta Giovani Riccioli estava mapeando e nomeando as crateras da Lua que os astronautas um dia veriam pessoalmente. No topo do seu mapa da Lua, Riccioli escreveu: “Nem os homens habitam a Lua, nem as almas migram para lá”. Ele fazia parte de uma longa linhagem de jesuítas que dedicaram suas vidas para questões não referentes apenas às almas, mas também aos asteroides, meteoritos e estrelas.
O comentário é de William Critchley-Menor, SJ, estudante de Filosofia e Estudos Americanos na St. Louis University e membro da Província Centro-Oeste da Companhia de Jesus dos Estados Unidos. O artigo foi publicado por America, 12-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em seu discurso aos jesuítas em sua 35ª Congregação Geral em 2008, o Papa Bento XVI disse: “A Igreja precisa de vocês, confia com vocês (...) para alcançar aqueles lugares físicos e espirituais onde outros não chegam ou têm dificuldade de chegar”. Desde os primeiros dias da Ordem, os jesuítas têm chegado a esses lugares físicos e espirituais – até mesmo ao espaço.
Conquistas astronômicas dos jesuítas ao longo da história (Infográfico: America)
“Ao longo da história da Companhia, os jesuítas foram atores-chave na astronomia”, disse Robert Macke, SJ, especialista em meteoritos que trabalha no Observatório do Vaticano em Roma. As contribuições dos jesuítas para a astronomia são significativas o suficiente a ponto de 34 crateras da Lua e vários asteroides receberem os seus nomes.
De fato, uma das maiores formações de crateras da Lua tem o nome de Christopher Clavius, SJ (1538-1612). Sua genialidade astronômica e matemática desempenhou um papel importante na formação do calendário gregoriano, o sistema de calendário em uso quase universal hoje. Durante a sua vida, ele foi considerado o “Euclides do século XVI” e escreveu livros que foram lidos em todo o mundo.
Entre os que aprenderam com Clavius estava Galileu, com quem ele mantinha uma correspondência significativa. Galileu também se baseava em outros jesuítas. Pascal Scotti, em seu livro “Galileo Revisited”, de 2017, escreve que, “até 1616, os jesuítas haviam sido o maior apoio de Galileu, e, de tempos em tempos, ele se voltava para eles como os faróis da excelência e da integridade científicas em todas as suas dificuldades”.
Mas outro jesuíta, o cardeal Roberto Belarmino, desempenhou um papel fundamental no início do caso Galileu. Belarmino, em nome do Santo Ofício, foi solicitado a informar Galileu de que ele havia sido acusado de heresia. Ele também incentivou Galileu a apresentar o heliocentrismo apenas como uma hipótese ou a fornecer evidências suficientes para provar que a Terra girava em torno do Sol. Galileu, embora estivesse certo, não tinha provas suficientes para satisfazer os padrões da filosofia natural da época.
Mais de um século depois, seria Roger Boscovich, SJ (1711-1787) – físico e astrônomo reconhecido por ter desenvolvido uma teoria precursora da teoria atômica – quem persuadiria o Vaticano a remover as obras de Copérnico, cujas teorias heliocêntricas Galileu defendia, de uma lista de livros proibidos.
Conquistas astronômicas dos jesuítas ao longo da história (Infográfico: America)
A tradição jesuítica de descobertas astronômicas continuou com Angelo Secchi, SJ (1818-1878). Ele foi o primeiro a classificar sistematicamente as estrelas usando a espectroscopia, quebrando a luz das estrelas em suas cores componentes. “Seu esquema de classificação foi posteriormente tomado de empréstimo e ampliado pelo Observatório de Harvard para criar o sistema de classificação que ainda é usado hoje”, disse o Ir. Macke.
Durante seu tempo como diretor do Colégio Romano, Secchi construiu um observatório no telhado da Igreja de Santo Inácio, em Roma. Ele estudou as manchas solares e fez conexões importantes entre a atividade solar e as mudanças no campo magnético da Terra. Seu livro sobre o Sol “foi uma das obras definitivas da sua época”, disse o Ir. Macke.
Mas as contribuições dos jesuítas para a astronomia não se limitam ao passado. O trabalho continua hoje no Observatório do Vaticano, que é confiado aos jesuítas. De acordo com o Ir. Macke, Richard D’Souza, SJ e seu colaborador da Universidade de Michigan, Eric Bell, descobriram recentemente que a galáxia de Andrômeda, próxima da Terra, se fundiu com outra galáxia há cerca de dois bilhões de anos.
O Ir. Macke se inspira em seus colegas astrônomos jesuítas que estão estudando uma variedade de campos astronômicos: o Ir. Guy Consolmagno, meteoritos e asteroides; o Pe. Richard Boyle, aglomerados estelares; os padres David Brown e Chris Corbally, a evolução estelar; o Pe. Gabriele Gionti, a gravidade quântica e cosmologia; e o Pe. Jean-Baptiste Kikwaya-Eluo, os asteroides e cometas próximos da Terra.
O trabalho deles não é menos notável do que o de seus antecessores jesuítas. O Ir. Macke, junto com o Ir. Consolmagno, o Pe. Kikwaya-Eluo, o Pe. Boyle e o Pe. George Coyne, ex-diretor do Observatório do Vaticano, todos tiveram asteroides que receberam os seus nomes por parte da União Astronômica Internacional, em reconhecimento das suas contribuições à exploração espacial.
Os jesuítas do Observatório do Vaticano se encontram atuando em um território de missão. “Assim como os jesuítas antes de nós, nós fazemos ciência juntos, rezamos juntos, não há nenhum problema”, disse Paul Mueller, SJ, historiador e filósofo da ciência. Ele acha que, no mundo moderno, muitas pessoas percebem a ciência mais como um obstáculo do que como uma ajuda para a fé. “A nossa missão é mostrar com aquilo que fazemos e com o modo como vivemos que a Igreja ama e aprecia a ciência”, disse o Pe. Mueller.
“Eu atuo como um sinal de que as buscas científicas e a vida religiosa andam de mãos dadas”, concordou o Ir. Macke. “Não há nenhum conflito. A minha presença como cientista jesuíta em público e em reuniões científicas dá aos outros a oportunidade de me envolver em questões de fé e ciência, e de desafiar suas suposições sobre a relação entre as duas.”
Conquistas astronômicas dos jesuítas ao longo da história (Infográfico: America)
Esses jesuítas estão continuando uma tradição que não é apenas astronômica, mas também mística. Santo Inácio, que também tem um asteroide em sua homenagem, escreveu em sua autobiografia que contemplar as estrelas lhe dava “a maior consolação”.
Diego Laynez, um dos primeiros jesuítas, escreveu que, à noite, Santo Inácio “subia no telhado da casa, com o céu acima dele. Ele se sentava em silêncio, absolutamente em silêncio. Tirava o seu chapéu e olhava por muito tempo para o céu. Então, caía de joelhos, curvando-se profundamente perante Deus (...) E as lágrimas começavam a escorrer pelas suas bochechas como um riacho”.
Inácio não poderia imaginar que um observatório seria construído no telhado de uma igreja que receberia o seu nome, assim como Giovanni Riccioli não poderia imaginar um homem caminharia na Lua que ele mapeou. Mas, 50 anos depois daquele “salto gigantesco” para a humanidade, os jesuítas continuam espiando através dos telescópios, maravilhados, encontrando Deus em todos os espaços.
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Por que há tantas crateras na Lua com o nome de jesuítas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU