18 Janeiro 2016
O jornal L'Osservatore Romano, 14-01-2016, publicou três considerações sobre a figura do jesuíta Diego Laínez (1512-1565), o segundo Padre Geral da Companhia de Jesus, companheiro de Santo Inácio de Loyola, sucessor e biógrafo seu. Teólogo eminente, foi Padre conciliar no Concílio de Trento.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis os texto.
Entre dois gigantes
Por Lydia Salviucci Insolera
Diretora do Arquivo da Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma
A vida do jesuíta Diego Laínez, segundo geral da Companhia de Jesus, se desenvolve entre dois gigantes: Inácio de Loyola e Francisco de Borja.
Ele não viveu, porém, à sombra das duas grandes personalidades da história da Igreja. Laínez se distingue por ter modelado, por assim dizer, algumas ideias de Santo Inácio que permaneceram em forma embrionária e, ao mesmo tempo, por ter tomado decisões novas durante o seu generalato, contribuindo para marcar a real fisionomia da nascente Companhia. Além disso, ele também preparou para São Francisco de Borja a possibilidade de implementar concretamente outras realidades importantes.
Inácio de Loyola inspira e cria fundamentais escolhas espirituais, teológicas e missionárias; Laínez continua forjando tais premissas teóricas iniciando várias iniciativas, e Francisco de Borja as concretiza plenamente.
Laínez, portanto, terá o mérito de ser não só o testemunho mais próximo de Santo Inácio, mas principalmente o direto sucessor e intérprete de todas as questões teológicas, de apostolado e, portanto, também de tipo cultural e artístico.
Para compreender como Laínez e, antes, Santo Inácio se situam em relação à arte, é indispensável entender o que eles entendem por arte e o que realmente foi a expressão artística desde o início da nascente Companhia. Não se pode falar da arte ligada à Companhia sem começar, de fato, pelos primórdios, ou seja, desde os tempos da fundação da Ordem.
Justamente nos primeiros 30 anos da história da Companhia, brotaram todas aquelas reflexões artísticas e espirituais que constituíram aquele princípio e fundamento sobre o qual se fundamentariam as futuras escolhas técnicas e artísticas. Inácio de Loyola, de fato, se mostra propenso a acolher e a utilizar a arte tanto como instrumento espiritual, quanto como realidade necessária para a vida dos primeiros companheiros, ou seja, a fundação de casas e igrejas.
A expressão artística que interessa e diz respeito, por enquanto, à Companhia nascente é a indicada por Santo Inácio e continuada, na sua partilha, por Laínez. Por comodidade esquemática, pode-se sintetizar em três pontos principais, estritamente, porém, ligados entre si.
Acima de tudo, a arte deve ser constituída pela matriz espiritual inaciana, própria dos Exercícios Espirituais, que reatualiza a tradição medieval meditativa da visualização imaginal, dando vida, assim, a uma contemplação em que a descrição figurada (a chamada compositio loci) assume um papel determinante. Daí brota inevitavelmente um nexo profundo entre oração e imagem, e a arte, portanto, é entendida na sua acepção teológica primária, isto é, como suporte de oração. A arte figurativa, portanto, entendida exclusivamente como imagem para meditar, interessa desde logo ao próprio Santo Inácio; basta pensar no conselho dado diretamente a Jerônimo Nadal, de realizar um livro de homilias ilustrado com incisões. Trata-se das Adnotationes et Meditationes in Evangelia, publicadas definitivamente apenas em 1594. Nos primeiros tempos da Companhia, de fato, se realizará uma série de obras artísticas, sobretudo incisões inseridas em livros espirituais.
Da rica experiência contemplativa própria da tradição espiritual da Companhia de Jesus, obtém-se a inspiração para a vasta iconografia jesuítica, que, a partir da capela de Santa Maria da Estrada de Giuseppe Valeriano, da segunda metade do século XVI, leva às soluções mais ousadas visíveis no afresco da abóbada da Igreja de Santo Inácio de Andrea Pozzo, perto do fim do século XVII.
O segundo ponto que caracteriza a arte da Companhia de Jesus diz respeito ao papel estratégico da formação – a pedagogia jesuítica, que pode ser expressada também através da arte. O valor pedagógico é sentido profundamente por Santo Inácio e por Laínez; a arte, por isso, também é considerada pela vasta possibilidade que contém em enriquecer os jovens durante a sua formação. A arte se tornará, muito em breve, parte da cultura cristã.
O terceiro ponto diz respeito ao modo de entender a arte de maneira funcional, concreta. A arte, acima de tudo a arquitetura, serve para construir igrejas, casas, colégios: torna-se, assim, reflexo das exigências da Ordem, do seu modo, justamente, de querer entender os espaços arquitetônicos. A arte figurada, em vez disso, representará, em seguida, um instrumento prático a ser adotado nas missões.
Como exemplos principais de obras de arte desejadas desde o início pelos protagonistas da história da Ordem, podem ser consideradas as fábricas da Igreja do Gesú e do Colégio Romano. O grande desejo de Santo Inácio de ver realizadas ambas as fábricas em Roma é levado em frente por Laínez, mas cumprido apenas através dos olhos de Francisco de Borja. A retomada dos trabalhos de ambos os canteiros de obras acontece, de fato, durante o seu generalato.
Em 1974, o autor da imponente biografia de Diego Laínez, o padre jesuíta Mario Scaduto, um dos estudiosos mais atentos à pesquisa documental dos primeiros anos da Companhia de Jesus, dedica algumas importantes observações sobre Laínez e a arte, em relação à sua participação no decreto sobre as imagens no Concílio de Trento. Tais reflexões, segundo os comentários de alguns escritos autografados, nunca foram levadas em séria consideração pela historiografia artística, nem para a contribuição de Laínez na complexa análise do significado de imagem cristã no século XVI, nem especialmente para o seu consequente interesse pela arte cristã, em relação também à situação artística ligada à Companhia de Jesus.
Na bibliografia sobre a arte jesuítica, faz-se com que todo o interesse concreto pela arte sempre parta do terceiro geral, Francisco de Borja, ou seja, da construção da Igreja do Gesù, em Roma, e das comissões pictóricas nas primeiras igrejas de Roma, excluindo o papel decisivo de Laínez. Recolocar na história dos jesuítas a ação determinante de Diego Laínez na arte cristã também significa reavaliar a relação de partilha da arte que Inácio de Loyola tinha com o seu sucessor.
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Companhia antiga
Por Paul Oberholzer, SJ
Jesuíta do Institutum Historicum Societatis Jesus, Roma
Em março de 2009, poucos meses depois que eu comecei a trabalhar no Institutum Historicum Societatis em Roma, por uma semana intensa, eu dei um curso em Nuremberg sobre a história da Companhia de Jesus entre os anos 1540 e 1773, ou seja, sobre a chamada "Companhia Antiga", para os noviços das três províncias jesuítas da Alemanha, Áustria e Suíça.
Inspirei-me essencialmente no meu antecessor, o professor jesuíta emérito de Frankfurt, Klaus Schatz, que costumava iniciar o curso não com a biografia de Inácio de Loyola, que os noviços já conheciam, mas com o desenvolvimento da jovem Companhia depois da morte do seu fundador.
Enquanto eu preparava o curso, eu percebi que havia muitos livros históricos recentes sobre Santo Inácio escritos por jesuítas ou por outros autores, e que também tinham sido publicados novos livros sobre Francisco de Borja, Jerônimo Nadal e até sobre o menos conhecido Everard Mercurian.
Com esses estudos, a Companhia de Jesus respondia ao decreto do Concílio Vaticano II sobre a necessária renovação da vida religiosa, em que se afirmava: "A conveniente renovação da vida religiosa compreende não só um contínuo regresso às fontes de toda a vida cristã e à genuína inspiração (…) Por isso, sejam fielmente aceitos e guardados o espírito e as intenções dos fundadores, bem como as sãs tradições, que constituem o patrimônio de cada Instituto" (Perfectae caritatis, n. 2).
Porém, não havia e ainda não há uma nova biografia crítica e estudos particulares recentes sobre Diego Laínez. As últimas biografias são as de Cereceda e de Fichter; Scaduto publicou dois volumes, em 1964 e em 1974, sobre a Companhia na Itália sob o generalato de Laínez. Outros livros publicados recentemente têm caráter divulgativo e geral. Portanto, os conteúdos que eu podia oferecer aos noviços eram escassos. Havia uma necessidade urgente de novos trabalhos, algo que eu percebi fortemente durante a preparação do curso, mas que não disse aos noviços, trazendo isso no coração no meu retorno a Roma, onde continuei trabalhando no IHSI.
Em fevereiro de 2010, fui nomeado responsável pelas publicações desse instituto. Refletindo sobre a minha política em relação à série de monografias Bibliotheca Instituti Historici Societatis Iesu, decidi recusar os manuscritos oferecidos por vários autores sobre diversas questões históricas da Companhia de Jesus e voltei o olhar para as exigências atuais da nossa historiografia. Em abril de 2010, foi aprovado o meu projeto de um livro com vários estudos sobre Laínez. Um bom grupo de historiadores competentes se ofereceu para colaborar, e, em dezembro de 2010, eu recebi os primeiros manuscritos.
O livro consta de sete seções. A primeira, Introductory Reflexions, consiste em dois artigos que apresentam uma revisitação da época fundacional e uma reflexão sobre o círculo dos primeiros companheiros, elaborando a importância de Laínez nas origens e no processo de identificação da Companhia de Jesus.
A segunda, Personality and Ministry, tematiza a historiografia sobre Diego Laínez, o modo como é percebida a obra da sua vida.
A terceira, Political and Social Milieu, descreve o contexto em que Diego Laínez cresceu e se desenvolveu. O objetivo é descrever não tanto a sua figura ou a Companhia de Jesus, mas sim a atmosfera da época através do estado atual da pesquisa.
A quarta, Works and Networks, apresenta o crescimento da presença dos jesuítas em vários lugares e as relações que Laínez manteve com diversos personagens.
A seção seguinte, Catholic Reform, contém escritos sobre o Concílio de Trento e sobre atividades e reflexões pastorais e teológicas, enquanto as questões relativas à arte, à literatura, à educação e ao âmbito intelectual estão contidas na sexta seção, Culture and Education.
A última seção, The New World, apresenta o devir dos jesuítas e as suas obras nas regiões extraeuropeias.
Alguns textos referem-se às missões que se desenvolveram em épocas posteriores e que evidenciam a importância do generalato de Laínez a partir de uma perspectiva diferente. O livro inclui uma vasta gama de aspectos, mas não pretende tratar Diego Laínez de modo exaustivo. Alguns artigos apresentam, ao contrário, um resumo do estado atual da pesquisa; outros são o resultado de um estudo novo, detalhado e particular.
O apêndice contém uma bibliografia comum que apresenta todas as fontes publicadas, os documentos, manuscritos, os livros e os artigos citados.
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Teatro pedagógico
Por Mirella Saulini
Professora da Universidade de Roma "La Sapienza"
A semana de festividades que se seguiu à eleição do primeiro sucessor de Inácio de Loyola, Diego Laínez, foi encerrada por "uma apropriada representação teatral".
Não poderia ser diferente: há alguns anos, de fato, nos colégios da Companhia, dramas teatrais eram compostos, principalmente pelos mestres de retórica, e recitados pelos alunos; a ocasião para a encenação eram tanto os momentos significativos do calendário escolar, quanto eventos que, como o acima mencionado, merecessem uma celebração particular.
Assim nascera o teatro dos jesuítas, que se distingue entre aqueles das diversas ordens religiosas, tanto pela sua estruturação e organização, quanto pela riqueza do repertório. Ao longo do tempo, à prática cênica, somaram-se problemas e discussões de poética que completam o valor cultural da produção e a inserem de pleno direito na história do teatro, não apenas do sacro: a produção, de fato, recolheu tanto a herança das representações sacras medievais, quanto a do drama clássico, antecipando ao mesmo tempo a espetacularidade do teatro barroco.
A tragédia Ecerinis (1314), de Albertino Mussato, marcou o início do teatro neolatino que permaneceu vivo por um longo tempo na Europa, também nos países protestantes. Ele recorreu, para os seus próprios assuntos, ao Antigo Testamento, mas também ao mito e à história. Também deve ser lembrado que, na França e em toda a Europa, amadureceu, entre o fim do século XV e o início do XVI, uma significativa experiência de teatro universitário.
E, à França, em Paris, no dia 2 de fevereiro de 1528, chegou Inácio de Loyola, que lá encontrou os primeiros companheiros e recebeu, em 1535, ano em que partiu novamente da cidade, o título de mestre em Artes. Os dramas recitados nos colégios universitários mostravam exemplos de constância e coragem, queriam inspirar a repulsa pelos vícios e fortalecer a fé, tinham um valor edificante que o teatro dos jesuítas assumiria. Durante a sua estada parisiense, Inácio e, com ele, Laínez também aprenderam o valor pedagógico das celebrações acadêmicas e, em particular, das representações teatrais, que constituíam, para os alunos, uma forma útil de exercício.
Na chegada à Itália, os primeiros jesuítas aplicaram a lição parisiense: por exemplo, em 1552, em Ferrara, na abertura do ano escolar, recitaram-se poemas e orações; passou-se, depois, a formas mais elaboradas, e os diálogos foram intermediados por versos recitados em música; em 1556, em Bolonha, realizaram-se representações sacras por ocasião do Natal e da Páscoa.
Em 1554, no Colégio Romano, os oito dias de disputas acadêmicas inaugurais se concluíram provavelmente um poema dialógico de Andrea Frusius, De scientiarum honestate ac utilitate dialogus. No mesmo colégio, no dia 5 de novembro de 1564, começou com um diálogo a primeira premiação dos estudantes merecedores das classes de gramática, humanidade e retórica. Poemas, orações e diálogos são parte do programa didático e formativo e, em ocasiões solenes, tornam-se ato público; eles representam a primeiríssima fase do teatro dos jesuítas, mas já em 1555, em mais de um colégio, representavam-se dramas de assunto edificante.
Seria preciso chegar ao fim do século XVI e às primeiras décadas do século XVII, os séculos do máximo esplendor, para que o desenvolvimento desse teatro se consolide, graças também ao surgimento de autores de grande destaque.
Os historiadores já demonstraram amplamente que a Companhia não nasceu como ordem ensinante e que apenas as circunstâncias, não por último a necessidade de formar os membros da própria ordem, levaram Inácio à nova direção. Pode-se dizer que o caminho do teatro dos jesuítas vai de mãos dadas com a ampliação da rede dos seus colégios, e, assim como o número destes aumentou rapidamente em todo o mundo, assim também se difundiu a atividade teatral, significativo componente da didática.
Precisamente por causa do seu ser intrínseco ao curriculum studiorum, seria a própria Ratio atque institutio studiorum Societatis Iesu que estabeleceria o seu estatuto, considerando-a como meio ato para estimular o empenho dos alunos. A Ratio também lhe reconhece um modesto valor propagandístico, porque "as crianças podem mostrar no teatro um exemplo qualquer do próprio estudo, ação e memória".
O homem que pretende ser formado nas escolas deve unir à fé e à integridade moral uma cultura sólida; o programa "incluía a teologia e os casos de consciência que não eram disciplinas próprias de um currículo humanístico. (...) O ensino dessas disciplinas [humanísticas] e línguas [latim, grego, hebraico] em meados do século XVI era inseparável de uma espécie de fé no poder formativo do programa educativo do qual eram expressão. O programa jesuítico era uma espécie dentro do gênero".
Mas o estudante, nem sempre destinado à vida eclesiástica, devia entrar no mundo possuindo os instrumentos necessários, acima de tudo, o uso atento da palavra; daí a importância atribuída à retórica. O teatro é um exercício escolar apto para satisfazer o objetivo, para mostrar ao público, para a glória do colégio, que esse objetivo foi alcançado e para elevar espiritualmente, a partir do momento que se escolhe um assunto sacro e honesto, o aluno ator antes ainda que o espectador.
O núcleo de significado do teatro dos jesuítas é claro desde o início e permaneceria inalterado ao longo do tempo: os eventos trazidos à cena são manifestações do confronto entre o Bem e o Mal, as duas forças que se combatem na alma do ser humano e no mundo como dois exércitos em guerra; seus comandantes são Deus e Satanás, o Cristo e o Anticristo. No palco, a ação premia o Bem, para que seja demonstrada a necessidade de segui-lo para conquistar a vida eterna e para que alunos e público aprendam a praticá-lo.
É preciso dizer que a metáfora dos dois exércitos inimigos não é nova; da Carta de São Paulo aos Efésios até a meditação inaciana das duas bandeiras no quarto dia da segunda semana dos Exercícios Espirituais, ela pode ser considerada como um topos da literatura ascética. Essa não é a única conexão que foi identificada entre a obra de Santo Inácio e o teatro: da compositio loci à subdivisão das contemplações que levam o exercitante a ver e a ouvir as pessoas em uma espécie de teatro sacro interior, até a teatrabilidade de exercícios individuais, muitas coisas no texto inaciano remeteriam à cena teatral.
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Diego Laínez, nas origens dos jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU