07 Junho 2019
"Hoje devemos estar conscientes de que a Igreja iniciou um êxodo do qual, por enquanto, não se vislumbra a terra de chegada. Caminhamos por um deserto estafante e acidentado, na calma do dia e na escuridão da noite. Às vezes temos a impressão de sermos uma caravana que prossegue incerta, enquanto muitos dos que a compõem a abandonam ou até fogem dela, como aconteceu com a comunidade de Jesus nos dias de seu assassinato ignominioso", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, junho de 2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
São Basílio, o grande padre da Igreja do século IV, pouco antes de sua morte escreveu De judicio Dei, um texto breve, mas altamente significativo, um texto cheio de parrhesia, com o qual denunciava a situação patológica pela qual as Igrejas estavam passando. Basílio observava "o desacordo entre os bispos das Igrejas", participava da perturbação sofrida pelo rebanho de Deus, constatava o cansaço e a indiferença de muitos cristãos. E, acima de tudo, se questionava sobre o motivo de tantas divisões, discórdias e acusações entre as Igrejas de Deus.
Confesso que sempre conservei esse texto para a minha meditação, mas nos últimos anos quase me atrai. E ele me obriga à sua releitura, para encontrar na grande tradição sentimentos semelhantes aos que sinto diante da Igreja de hoje. Sim, devemos dizê-lo e denunciá-lo sem medo: vivemos em uma situação eclesial caracterizada por "dias ruins". Hoje não se vive bem na Igreja e - mesmo que a atmosfera não seja mais aquela denunciada há alguns anos por um teólogo e um historiador no livro Manca il Respiro (Falta o respiro, em tradução livre) – ainda assim se respira um ar envenenado. Muitos, entre os mais conscientes da vida eclesial, declaram-se cansados, até deprimidos. Além de desapontados por ter alimentado esperanças que agora aparecem apenas ilusões. Mas vamos tentar delinear essas patologias de maneira mais precisa e clara.
De acordo com o meu pobre, mas atento discernimento, o que envenena a vida eclesial é, antes de tudo, a mundanidade que a invadiu. Cada vez mais ouço as pessoas dizerem: "Somos como os outros lá fora, no mundo". Está faltando a "diferença cristã", aquela possibilidade de não fazer “como todos fazem”. Parece que o Evangelho, colocado no centro da vida cristã pelo Concílio e pela renovação que se seguiu, não tem mais a primazia em inspirar pensamentos, sentimentos e ações. Para aqueles que eu chamo de "cristãos da torre do sino", o catolicismo professado com maior ou menor convicção também pode estar em contradição com o Evangelho, mas permanece coerente com a identidade cultural, a tradição e a ideologia dominante do mundo ocidental rico e farto.
Esta mundanidade impede a escuta das palavras de Jesus, preferindo a elas os valores julgados tradicionais. Precisamente por isso, não se escutam ou, inclusive, se contestam de maneira ostensiva as intervenções dos bispos e dos presbíteros que lembram à comunidade cristã da presença do pobre, do migrante, dos descartados da sociedade. E prestem atenção: não é a "religião católica" que é contestada, mas o Evangelho. A tal ponto que já foi ouvida a afirmação: "Somos católicos romanos antes de tudo!" Nações celebradas por seu catolicismo e sua fidelidade à Igreja, como a Polônia e a Hungria, ou regiões italianas até ontem doentes de clericalismo, agora afirmam uma cultura católica que contradiz o evangelho de Jesus Cristo. Assim, a comunidade cristã é dividida não entre crentes ortodoxos e crentes heréticos, mas entre porções que se opõem, se detestam e se deslegitimam.
Além disso, estes anos são vividos com sofrimento também por causa dos escândalos que surgem a cada dia e são obsessivamente denunciados pela mídia. A Igreja sai humilhada e está aprendendo a assumir a responsabilidade de crimes por muito tempo não avaliados em sua gravidade, negligenciados e às vezes ocultados. Mas, se por um lado esse caminho doloroso significa purificação e reparação do mal infligido, também resta verdadeiro que ele agora se acompanha de um sentimento que poderíamos chamar de "padrefobia".
Há receio dos sacerdotes, desconfiança em relação a eles e à sua função educativa, suspeita por aquelas atitudes que não são mais lidas como manifestações de afeto, mas apenas como abusos. Hoje os padres não aguentam mais! São continuamente fustigados. E, em todo caso, não defendidos como a justiça exigiria. Os crimes que surgem, especialmente quanto à pedofilia, são muito graves, mas são poucos os culpados e não é justo que a maioria dos padres, que hoje vivem uma vida muitas vezes modesta e estafante, seja dominada por atitudes de desconfiança. Mesmo aqueles que cometem crimes devem conhecer a misericórdia de Deus. E não deve mais ressoar no espaço eclesial a expressão "tolerância zero".
A Igreja sempre acolheu pecadores entre seus filhos. Aliás, todos os seus filhos e filhas continuam sendo pecadores: só mudam os seus pecados, mas todos permanecem necessitados da infinita misericórdia de Deus. Quem é sem pecado? Anche preti e vescovi hanno bisogno di misericordia (Até mesmo padres e bispos necessitam de misericórdia, em tradução livre) é o título de um livro escrito por um amigo meu bispo, Gérard Daucourt: era realmente necessário!
Finalmente, não podemos ignorar uma patologia que ameaça fortemente a Igreja Católica: a que diz respeito ao Papa Francisco, contra o qual já se desencadeou uma violenta oposição, nunca antes vista, pelo menos em relação aos Papas do século passado. Francisco é deslegitimado como Papa por uma pequena parcela de tradicionalistas, mas seu magistério é muitas vezes contestado e julgado herético por grupos de católicos bem organizados com grande exposição midiática. Eles estão pressionando até os limites de fomentar um cisma. E encontram suas razões naquela dinâmica do magistério papal que eles denunciam como uma ruptura com a tradição, demolição da instituição católica, mutação da forma eclesial recebida pela tradição.
Essa oposição a Francisco, focalizada na Amoris laetitia e na disciplina da indissolubilidade do matrimônio e da vida eclesial dos cônjuges divorciados, desencadeia-se com fúria sempre que o Papa mostra ou pede atitudes de misericórdia. Nós todos sabemos que, na realidade, Francisco é fiel à tradição, ele pode ser incluído entre os conservadores em matéria doutrinal. Mas, efetivamente, com as suas palavras e os seus gestos, mostra que todo o seu ministério é orientado não a restaurar o prestígio e a grandiosidade da Igreja, mas a conferir hegemonia e primazia ao Evangelho na vida da Igreja. Por outro lado, desde o início de seu pontificado eu já tinha escrito: "Quanto mais na Igreja aparecerem a primazia do Evangelho e a vontade de conformidade com Cristo por parte de sua noiva, mais os poderes demoníacos, colocados contra a parede, se enfurecerão, de modo que na Igreja a vida não será mais pacífica, mundanamente bela, mas prioritariamente marcada pelo aparecimento do sinal do Filho do homem, a cruz".
Hoje devemos estar conscientes de que a Igreja iniciou um êxodo do qual, por enquanto, não se vislumbra a terra de chegada. Caminhamos por um deserto estafante e acidentado, na calma do dia e na escuridão da noite. Às vezes temos a impressão de sermos uma caravana que prossegue incerta, enquanto muitos dos que a compõem a abandonam ou até fogem dela, como aconteceu com a comunidade de Jesus nos dias de seu assassinato ignominioso. O que nos resta fazer como absolutamente necessário? No coração daqueles que aderem ao Evangelho e tentam permanecer discípulos de Jesus, há uma única resposta: celebrar e viver a eucaristia.
No coração de nossa crise eclesial, o ato que constantemente refunda a Igreja como comunidade do Senhor Jesus e lhe dá vida, é a eucaristia. Jesus Cristo está conosco, entramos em comunhão com ele e vivemos de sua própria vida, caímos e nos levantamos, caímos novamente e nos levantamos de novo. É o mistério da ressurreição!
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Uma igreja cansada e ainda mundana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU