15 Março 2019
“A Santa Sé deveria resistir a quaisquer tentações adicionais de emitir um veredito diáfano e certamente prematuro sobre ‘as autoridades judiciais australianas’.”
A opinião é de George Weigel, membro sênior do Centro de Ética e Políticas Públicas, em Washington, onde ocupa a cátedra William E. Simon de Estudos Católicos. O artigo foi publicado por First Things, 13-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A condenação de George Pell em dezembro de 2018 sob acusação de “abuso sexual histórico” foi uma farsa de justiça, graças em parte a uma atmosfera pública de anticatolicismo histérico – um clima fétido que teve um impacto devastador sobre a possibilidade de ele receber um julgamento justo.
De que outro modo explicar que 12 jurados, diante de acusações não corroboradas e refutadas por evidências contundentes de que os supostos crimes não poderiam ter ocorrido, reverteram completamente a esmagadora votação pró-absolvição feita por um júri dividido no primeiro julgamento do cardeal no ano passado?
O cardeal Pell sabia pela sua dura experiência pessoal como o clima anticatólico na Austrália havia se tornado virulento. Como membro do Colégio dos Cardeais e alta autoridade do Vaticano, Pell desfrutava da cidadania vaticana e possuía um passaporte diplomático vaticano; ele poderia ter ficado imóvel e intocado pelas autoridades australianas. No entanto, decidiu livremente se submeter ao sistema de justiça criminal do seu país. Ele sabia que era inocente; ele estava determinado a defender a sua honra e a da Igreja; e ele acreditava na retidão dos tribunais australianos. Por isso ele voltou para casa.
Não é irrazoável sugerir que o sistema de justiça australiano, até agora, fracassou em relação a um dos filhos mais ilustres da Austrália, que depositou sua confiança nele. A polícia entrou em uma expedição de pesca de mau gosto em busca de algo-sobre-Pell (quem, pode-se perguntar, pôs isso em movimento? E por quê?). Uma audiência preliminar enviou as acusações subsequentes a julgamento, embora a magistrada da audiência tenha dito que, se fosse jurada, ela não votaria pela condenação em vários dos supostos crimes.
O primeiro julgamento provou a inocência do cardeal, e o novo julgamento voltou a um veredito irracional sem o sustento de qualquer evidência, como corroboração ou não. A ordem para amordaçar a mídia, posta sobre ambos os julgamentos, embora provavelmente destinada a amortecer a atmosfera circense em torno do caso, na verdade, aliviou a acusação de ter que defender suas acusações estranhas e lascivas em público.
Assim, desde o início de março, o cardeal está na prisão, em confinamento solitário, tendo a permissão de receber alguns poucos visitantes por semana, além de meia dúzia de livros e revistas de cada vez. Mas ele não tem a permissão para celebrar a missa na sua cela, sob o bizarro fundamento de que os prisioneiros não estão autorizados a liderar serviços religiosos nas prisões do Estado de Victoria, e o vinho não é permitido nas celas.
Diante de tudo isso, não é fácil entender por que, no dia seguinte que a condenação foi anunciada publicamente, o porta-voz interino do Vaticano, Alessandro Gisotti, reiterou o mantra que se tornou habitual nos comentários vaticanos sobre o caso Pell: a Santa Sé, disse Gisotti, tem “o máximo respeito pelas autoridades judiciais australianas”.
Por que dizer isso? É precisamente o judiciário australiano (e a atmosfera de linchamento em Melbourne e em outros lugares) que está sendo julgado hoje na corte global da opinião pública. Não havia nenhuma necessidade de tais exageros gratuitos. O senhor Gisotti poderia e deveria ter dito que a Santa Sé aguarda com interesse e preocupação os resultados do processo de apelação e espera que a justiça seja feita. Ponto. Ponto final. Nada de bajulação. Acima de tudo, nenhuma indicação de que a Santa Sé acredita que as autoridades policiais e judiciais australianas fizeram o seu trabalho de maneira justa, imparcial e respeitável até o momento.
Pouco depois do comentário do senhor Gisotti, anunciou-se que a Congregação para a Doutrina da Fé estava iniciando a sua própria investigação canônica sobre o caso Pell. Na teoria, e espera-se que na prática, a investigação da Congregação para a Doutrina da Fé pode ser útil: devidamente conduzida, exonerará o cardeal Pell das acusações absurdas pelas quais foi condenado, porque não há nenhuma evidência de que o cardeal abusou de dois meninos do coro e há amplas evidências de que o abuso não poderia ter ocorrido nas circunstâncias em que supostamente ocorreu. Assim, a justiça pode ser feita pela Santa Sé, seja qual for o resultado final na Austrália.
Em prol de um velho amigo, mas também em prol da reputação da Austrália no mundo, espero que o processo de apelação, que começa no início de junho, absolva e justifique o cardeal Pell – e a fé que ele depositou sobre seus compatriotas e sobre o sistema judicial australiano. Este último, no entanto, está e deve estar sob o escrutínio mais estrito por parte das pessoas justas. A Santa Sé deveria tomar nota disso e, portanto, deveria resistir a quaisquer tentações adicionais de emitir um veredito diáfano e certamente prematuro sobre “as autoridades judiciais australianas”.
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A Santa Sé e o cardeal Pell. Artigo de George Weigel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU