11 Janeiro 2019
“Acredito que concordamos que a Igreja pode aprender com as instituições seculares em termos de estruturas de governo similares. Uma maneira de avançar nessa direção seria fazer o clero eleger seus bispos.”
A opinião é de Daniel E. Burns, professor do Departamento de Política da Universidade de Dallas, nos Estados Unidos, em artigo publicado em America, 09-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Este artigo de Burns sobre os problemas e as possibilidades de eleger bispos na Igreja Católica faz parte de uma conversa com o professor Massimo Faggioli, cujo artigo pode ser lido aqui.
Sou grato ao professor Massimo Faggioli pela sua generosa resposta ao meu artigo do The New York Times, propondo que o nosso clero local eleja os nossos bispos. Espero que muitos outros participem da conversa que estamos iniciando.
Se as estruturas de governança dentro da nossa Igreja devem ser reformadas – e o caso do ex-cardeal Theodore McCarrick sugere fortemente que elas precisam ser – então precisaremos de um grande número de mentes para trabalhar juntas, ajudando a Igreja a pensar nisso.
Em meu artigo, eu disse que a minha reforma proposta deveria transcender as cansadas divisões liberal-conservadoras dentro da nossa Igreja. Fico feliz em ver que, pelo menos, a nossa discussão realmente transcende essas divisões.
Concentrando-nos em uma questão prática de reforma da governança, Faggioli e eu encontramos um grande número de pontos em comum – mais do que ele e eu poderíamos ter em um debate sobre questões estritamente teológicas.
Aqui estão os principais pontos, como afirmados por Faggioli, sobre os quais estamos perfeitamente de acordo:
“A narrativa de que o papa sempre teve o direito exclusivo de nomear bispos tornou-se parte (...) de uma certa ideologia papista e ultramontanista.”
“O processo para a nomeação de bispos deveria ser atualizado.”
“Temos que garantir que a Igreja local tenha um papel tanto na seleção quanto na recepção do bispo.”
“A Igreja tem uma especificidade que não pode ser assimilada às instituições políticas.”
Sinto-me tentado a parar por aqui, pois estou muito mais ligado a essas proposições como base para uma futura reforma do que à minha proposta específica. Se pudéssemos fazer com que os católicos instruídos neste país concordassem com aquilo que Faggioli e eu já concordamos, teríamos estabelecido as bases para um pensamento coletivo muito importante que precisa continuar nos próximos meses e anos.
Mas, como eu também continuo apegado à minha proposta de eleição dos bispos, permitam-me abordar as principais críticas de Faggioli.
Faggioli adverte que as charmosas histórias de Santo Ambrósio e Santo Agostinho não são aquilo que deveríamos esperar do confuso e muitas vezes acrimonioso processo de eleição de um bispo. O ponto é bem aceito. O próprio Agostinho ficou profundamente perturbado com o escândalo das divisões na Igreja de Fussala em torno do seu arrogante e ávido bispo Antonino. Mas Agostinho ficou muito mais perturbado com os pecados de Antonino que causaram essas divisões e ele nunca culpou os habitantes de Fussala de tentarem expulsar Antonino. Desejamos que eles tivessem aceitado pacientemente esse cadáver moral como bispo deles?
Mas, exatamente agora, eu adoraria imaginar qualquer diocese dos Estados Unidos mostrando um centésimo do nível de interesse na escolha do seu bispo que os habitantes de Fussala mostraram pelo deles. A preocupação excessivamente impetuosa com assuntos eclesiais simplesmente não é um vício ao qual o católico médio estadunidense esteja propenso.
Analogias históricas de longa distância são úteis, mas também inevitavelmente fracas. Na África de Agostinho, uma diocese era pouco maior do que as nossas maiores paróquias. Uma comparação melhor seria com as dioceses de língua alemã do século XXI na Europa a que Faggioli se refere. A eleição de bispos por parte do seu clero é realmente tão confusa ou acrimoniosa a ponto de nos afastar assustados do exemplo deles?
Em segundo lugar, Faggioli adverte que o movimento em direção a um monopólio romano sobre a escolha dos bispos foi historicamente “necessária para a liberdade da Igreja em um ambiente político cada vez mais hostil”. Espero que Faggioli repita essa advertência aos defensores do recente e ainda secreto acordo do Vaticano com a China. Se as nossas únicas opções fossem a escolha de bispos pela Cúria Romana ou a nomeação pelo Partido Comunista da China, eu ficaria feliz em reconhecer o ponto e me resignar aos vícios da Cúria. Mas os nossos padres e diáconos estadunidenses não são o Partido Comunista da China. Será que Faggioli teme que eles sejam indevidamente influenciados pelo seu ambiente secular hostil?
Eu compartilho a preocupação, mas temos que perguntar quais são as nossas alternativas. Em qualquer luta com os poderes deste mundo, eu confio que a atual e a futura geração de clérigos estadunidenses durará muito mais do que todas as autoridades da Cúria que mergulharam as suas mãos no rio de dinheiro que o ex-cardeal McCarrick supostamente canalizou até Roma.
Por fim, Faggioli adverte que seria estranho adotar a democracia na Igreja quando as nossas instituições democráticas seculares parecem estar tão mal. No entanto, ele também insiste, com razão, que o governo da Igreja nunca será perfeitamente análogo ao governo político. Eu defendo eleições por parte do clero, não por parte dos leigos, e confio que o nosso clero conseguirá evitar a formação de “SuperPACs” (supercomitês de ação política).
Não obstante, acredito que concordamos que a Igreja pode aprender com as instituições seculares em termos de estruturas de governo similares. A Igreja poderia se beneficiar, por exemplo, de um judiciário mais independente, como Joseph Ratzinger sugeriu enfaticamente em 1970 e 2000. A Igreja também se beneficiaria se os bispos se sentissem mais como lideranças locais e menos como gerentes regionais em uma organização sem fins lucrativos sediada em Roma. Uma maneira de avançar nessa direção seria fazer o clero eleger seus bispos.
Eu encerro resumindo os principais pontos do meu artigo que Faggioli não abordou. Nossa confiança nos nossos bispos foi abalada; nossa confiança no nosso clero, de modo geral, permanece intacta. O papel da Cúria no escândalo de McCarrick mostrou que Roma não pode enfrentar adequadamente o problema dos abusos sexuais na nossa Igreja. O costume de Roma de “embaralhar” bispos de diocese para diocese contribuiu significativamente para a crise com a qual estamos lidando hoje. Seria mais fácil para os bispos agir como párocos-chefes, se pudessem estreitar seus laços com os nossos pastores in loco.
Se a minha proposta estimular Faggioli ou outros a apresentarem reformas que façam um trabalho melhor, abordando esses e outros problemas relacionados na nossa Igreja, ela terá mais do que cumprido o seu propósito.
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Nomear bispos? Não: elegê-los. Artigo de Daniel E. Burns - Instituto Humanitas Unisinos - IHU