05 Setembro 2018
Como é possível que um meio de comunicação da Igreja ataque o Papa? Essa é a pergunta que muitos católicos estão se fazendo depois que o National Catholic Register, portal que pertence ao conglomerado fundado pela Irmã Angélica (Rita Antoinette Rizzo – 1923-2016), a EWTN (Rede de Televisão da Palavra Eterna), conspirara com o arcebispo Carlo Maria Viganò para tentar manchar Francisco com acusações de acobertamento de abusos.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 04-09-2018. A tradução é de André Langer.
Como parte importante da resposta, muitos observadores da conjuntura eclesial estão apontando para a nova onda de bilionários conservadores que acreditam que doar dinheiro para a Igreja e organizações eclesiais lhes dá o direito de voz e voto na definição de sua doutrina.
Muito antes de a bomba do ‘relatório Viganò’ explodir, o National Catholic Reporter publicou um artigo investigativo que ajuda a explicar as ofensivas contra Bergoglio montadas nos últimos dias pelo National Catholic Register e meios de comunicação similares como LifeSite News ou Church Militant. Nesse artigo, o National Catholic Reporter conseguiu identificar os bilionários que financiam, da sombra, a Igreja rigorista nos Estados Unidos.
A Fundação Papal é talvez a face mais visível desta corrente. Esta fundação ganhou as manchetes em março, quando alguns de seus membros – que prometem doações para fins beneficentes de 100 mil dólares estadunidenses por ano por pelo menos 10 anos – se opuseram aos planos do Papa Francisco de resgatar um hospital dermatológico do Vaticano (o Instituto Dermatológico da Imaculada) com recursos levantados pela Fundação. Mas longe de serem os únicos, os membros da Fundação Papal são os últimos de uma longa lista de benfeitores que tentam influenciar a Igreja dos Estados Unidos desde pelo menos 1986.
Tudo começou há 32 anos, de acordo com o Reporter, quando os bispos estadunidenses publicaram uma carta pastoral, “Justiça Econômica para Todos”, na qual chamaram a atenção para os efeitos do capitalismo desenfreado e das teorias libertárias. A reação ultraconservadora não se fez esperar. Conforme contou ao Reporter o ex-diretor do Instituto de Pesquisas Políticas e Estudos Católicos da Universidade Católica da América, Stephen Schneck, começou assim que a carta pastoral foi publicada “um esforço sistemático para criar um tipo de paralelo à Conferência Episcopal: um conjunto de organizações sem fins lucrativos, meios de comunicação, clérigos e acadêmicos que poderiam afirmar uma legitimidade como vozes católicas alternativas, mas que também eram autênticos conservadores no estilo pró-mercado, pró-exército estadunidense”.
Esse conjunto de organizações e meios de comunicação que pretendem ser uma espécie de Magistério paralelo ainda existe, e sua influência foi aumentando, como o caso Viganò deixou claro. O artigo do Reporter, por exemplo, revelou que um dos meios de comunicação que liderou este último ataque contra Francisco, o First Things, é financiado pelo especulador financeiro Sean Fieler, que investiu, em 2015, 5,5 milhões de dólares em organizações dirigidas a todos os tipos de causa ultraconservadora, desde a proteção da liberdade religiosa à promoção do celibato para católicos homossexuais ou a proibição do uso de anticoncepcionais.
Mas o caso do National Catholic Register é ainda mais flagrante, já que para atacar Francisco chegou ao extremo de inventar a fake news de que Bento XVI apoiava a história de Viganò, o que foi rapidamente desmentido pelo secretário pessoal do Papa Emérito, Georg Gänswein. Parece que a deriva antipapal deste sítio de propriedade da EWTN está relacionada ao fato de que um dos seus diretores e principais benfeitores é Timothy Busch, um rico advogado conservador que, junto com o controverso filantropo Charles Koch, fez uma doação em dinheiro à Universidade Católica da América para que criasse uma Escola de Negócios que, ao contrário da doutrina católica, promove a ideologia do livre mercado.
Apesar do fato do Papa Francisco ter se pronunciado em numerosas ocasiões contra o “capitalismo que mata”, Busch percorre todo o país proclamando a compatibilidade entre o liberalismo e o catolicismo. “A evangelização do nosso país está sendo realizada por fundações privadas, ONGs católicas, como o Instituto Napa e a Legatus”, declarou em outubro de 2017, referindo-se ao seu próprio Instituto Napa e a outra organização católica aberta apenas a fiéis com polpudos recursos financeiros. Organizações como essas, prosseguiu Busch, “estão fazendo a diferença na Igreja estadunidense, [e a razão pela qual] somos tão dinâmicos e o resto do mundo não”.
Poder-se-ia pensar que, com essas palavras, Busch revelou a razão última da conspiração de meios de comunicação como o Register com o arcebispo Viganò e contra o Papa Francisco. Embora Busch ainda tenha sido capaz de manifestar, em outubro passado, seu desejo de que organizações ultradireitas como a dele estivessem “ligadas à Igreja por meio de um bispo” – a maioria dessas organizações privadas de fiéis não está sob o patrocínio de nenhum prelado –, também disse que pessoas como ele “têm acesso a capital, coisa que a Igreja não tem”.
Será que Busch conseguiu impor esse magistério paralelo do Mammon na EWTN e no Register? Se assim for, não há mais nenhuma dúvida de por que eles estão investindo contra Francisco, o papa que nestes cinco anos na cátedra de São Pedro fez mais para que o sistema se centre nas pessoas e não nos lucros.
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Dinheiro sujo: a Igreja capitalista que usa Viganò para atacar Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU