23 Fevereiro 2018
Fortes dores abdominais causadas por cálculos renais, a internação na clínica San Carlos de Apoquindo, em Santiago, a operação na vesícula. A missão no Chile do arcebispo Charles Scicluna, principal homem do Vaticano nas investigações contra os abusos de menores, enviado pelo Papa Francisco para esclarecer o caso do bispo Juan Barros, foi interrompida ao término do primeiro dia, na noite de terça-feira, 20.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 22-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas a investigação não acabou e, ao contrário, já se ampliou para a cúpula da Igreja chilena, começando pelos cardeais Ricardo Ezzati e Francisco Javier Errázuriz: o arcebispo de Santiago e o emérito que faz parte do “C9”, o grupo de conselho do pontífice.
Na clínica da capital, informam que a operação foi bem, e Scicluna deverá receber alta nesta sexta-feira, 23. É provável que o retorno a Roma, previsto para sábado, seja postergado em alguns dias.
Em todos os casos, os encontros continuam sendo acompanhados pelo seu “vice”, o padre Jordi Bertomeu, também ele membro do ex-Santo Ofício.
O primeiro dia já confirmou o que havia surgido durante o prólogo da missão, em uma paróquia de Manhattan, onde Scicluna e Bertomeu ouviram o testemunho de Juan Carlos Cruz, uma das vítimas do padre pedófilo Fernando Karadima, no centro do escândalo que reduziu a popularidade da Igreja no Chile ao seu mínimo histórico.
As vítimas de Karadima acusam há anos o bispo Juan Barros, antigo discípulo de Karadima, de ter sabido e assistido às violências e, depois, acobertado tudo. Cruz havia falado de uma “máquina para acobertar” na Igreja chilena.
Tendo chegado em Santiago na segunda-feira, 19, Scicluna se encontrou na terça-feira com outras duas vítimas de Karadima, James Hamilton e José Andrés Murillo. Na saída, foi Hamilton, hoje cirurgião, que falou com os jornalistas chilenos e proferiu acusações muito pesadas contra os dois cardeais: “Ezzati é um mentiroso, porque, com as primeiras informações, não começou nada. Chegou zero ao Vaticano. O processo começou quando nós fizemos uma nova denúncia. Eles são os grandes manobristas que, desde o início, tentaram com todos os meios esconder os maus feitos de Karadima. Eles provocaram desinformação e não ouviram o que deviam ter ouvido. Errázuriz é um criminoso, e Ezzati é um cúmplice. Eles dizem o que querem, são dois vis delinquentes capazes de enganar até o papa. Seu acobertamento e o de outros bispos são evidentes.”
O programa prevê que também sejam ouvidas as testemunhas da associação de fiéis de Osorno, que pediram há muito tempo a remoção do bispo. Os encontros ocorrem na casa das Pontifícias Obras Missionárias, e não na sede da nunciatura.
A Igreja chilena está sob pressão. O porta-voz Jaime Coiro continuou insistindo que “a tarefa diz respeito à situação de Dom Barros” e não a “todos os casos de abuso sexual na Igreja no Chile”, como se quisesse circunscrever a questão.
As vítimas acusam outros três bispos, Andrés Arteaga, Horacio Valenzuela e Tomislav Koljatic, também eles da “fraternidade” de Karadima e que se tornaram bispos, como Barros, nos tempos de Wojtyla.
Os crimes de Karadima, “guia espiritual” da “Pia União” fundada na paróquia do Sagrado Coração de El Bosque, começaram nos anos 1980, ainda no auge da ditadura de Pinochet.
Depois de falar com Scicluna, em Manhattan, Cruz disse: “Pela primeira vez desde 2009, tive a sensação de ser ouvido”. Há três anos, os jornais chilenos publicaram alguns e-mails entre os dois cardeais, preocupados com a possibilidade de que Juan Cruz fosse nomeado na comissão antipedofilia vaticana: “Seria muito grave para a Igreja no Chile. Significaria dar crédito a uma elaboração que o Sr. Cruz construiu astutamente”.
O “caso Barros” marcou a recente viagem do papa ao Chile com protestos. Havia sido Francisco, em 16 de janeiro, que pediu perdão e expressou “dor e vergonha”, assim que chegou ao país. Sobre Barros, porém, ele exclamou: “Não há a sombra de uma prova. São calúnias”.
No voo de volta, ele pediu desculpas (“Eu sei que muitas pessoas abusadas não podem trazer provas”), mas explicou que recusou por duas vezes a renúncia de Barros depois de falar com ele, de estar “convencido de que ele é inocente” e de não poder condenar sem “evidências”: “Eu não ouvi nenhuma vítima de Barros, elas não se apresentaram. Se algumas delas me der evidências, tenho o coração aberto”.
Poucos dias depois, o Vaticano informava que, “após algumas informações recentemente recebidas”, Francisco teria enviado Scicluna ao Chile.
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Charles Scicluna, enviado do papa ao Chile contra os abusos de menores, é hospitalizado com urgência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU