23 Fevereiro 2018
Nessa quinta-feira, 22, no Chile, o substituto de Dom Charles Scicluna, Pe. Jordi Bertomeu, recebeu Dom José Luis Ysern, o terceiro bispo depois de Alejandro Goic e Luis González a ser ouvido no âmbito da missão de aprofundamento sobre o caso “Karadima-Barros” desejada pelo Papa Francisco.
A reportagem é de Luis Badilla e Francesco Gagliano, publicada por Il Sismografo, 22-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No passado, Dom Ysern, bispo emérito de Ancud, disse diretamente a Dom Juan Barros, agora acusado de ter acobertado os abusos sexuais cometidos pelo sacerdote Fernando Karadima: “No Chile, existem diversos tipos de vítimas de Karadima. E você é uma delas”.
O bispo emérito de Ancud – que em 2015 já havia sugerido que Barros apresentasse a renúncia – estudou a fundo a Pia União Sacerdotal do Sagrado Coração, fundada em 1928 pelo padre Alejandro Huneeus e da qual Fernando Karadima se tornou líder na segunda metade do século passado, e sempre defendeu que o coração do problema estava nessa associação. Talvez seja o bispo chileno que mais conhece a Pia União de Karadima.
Essa confraria sacerdotal, ao longo dos anos, tornou-se uma realidade muito poderosa, tanto pelas suas influências políticas, especialmente no âmbito da direita chilena, quanto pelos seus vínculos com os grupos econômicos mais importantes.
A Pia União, dissolvida em abril de 2012, tinha sua sede na paróquia de El Bosque, no coração urbano da Santiago dos ricos e poderosos, dos defensores da ditadura de Pinochet, antes, e dos nostálgicos do general, depois. Era uma entidade misteriosa, ignorada pelo grande público, mas muito presente nos ambientes de poder eclesiásticos, entre o clero de alto escalão e nos salões da nunciatura.
Karadima chegou à paróquia de El Bosque em 1952 e, desde já, pôs as mãos na Pia União, que logo transformou em uma espécie de sociedade proprietária e administradora de inúmeros imóveis.
Dado o alto número de eclesiásticos formados em seu seio – cerca de 50 presbíteros e cinco bispos – a congregação, no âmbito da Igreja chilena, era considerada uma espécie de “fábrica de bispos”, com fortes laços com o Vaticano, também para a seleção e nomeação dos bispos.
A Pia União era descrita como “um ambiente em que se montavam os candidatos”, que depois eram aprovados graças aos contatos com os quais a Pia União podia contar em alguns escritórios vaticanos.
O peso e o envolvimento político de Fernando Karadima e, portanto, da Pia União Sacerdotal do Sagrado Coração, é bem explicado por uma história que remonta a 1970.
Em 25 de outubro daquele ano, o comandante-em-chefe das Forças Armadas chilenas, o general René Schneider, foi assassinado em Santiago do Chile por um comando composto por mais de 40 pessoas. O homicídio, elaborado pela CIA, visava a promover uma sublevação dos principais setores militares e impedir, assim, que o Congresso votasse a favor de Salvador Allende como presidente do Chile.
Entre os membros da equipe de assalto homicida, figurava Juan Luis Bulnes Cerda, que, antes de ser preso, na sua fuga, foi protegido e escondido na igreja de El Bosque, da qual o próprio Karadima era pároco.
Anos mais tarde, quando o caso dos abusos cometidos pelo sacerdote havia explodido e já havia sido iniciado o processo contra ele, o advogado que assumiu sua defesa foi Juan Pablo Bulnes Cerda, irmão daquele Juan Luis que havia participado do assassinato do general Schneider e que Karadima protegeu.
Trata-se de um episódio que joga sombras inquietantes sobre o grau de envolvimento do sacerdote chileno com aquela que, na época, era a ala política de extrema direita mais reacionária e golpista.
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''Dom Barros, você também é vítima de Karadima'': bispo chileno é ouvido pelo enviado papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU