25 Janeiro 2018
“Nos últimos anos, pensávamos que os líderes religiosos punidos tinham começado a corrigir os erros do passado. Estávamos enganados. O Sumo Pontífice aparentemente não aprendeu essa lição”, afirma editorial da publicação National Catholic Reporter, 23-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Segundo o editorial, “infelizmente, a defesa de Francisco a Barros é apenas o último de uma série de declarações feitas por ele nos quase cinco anos de papado que machucaram sobreviventes e todo o corpo da Igreja”.
É difícil sequer imaginar o sofrimento que as vítimas de abuso sexual clerical tiveram de suportar. Depois de ser estupradas ou violentadas por pessoas que suas comunidades tinham lhes ensinado a ver como quase infalíveis, muitos foram mantidos em silêncio por décadas, envergonhadas ou apenas sem conseguir falar.
Quando realmente se pronunciaram, seus motivos foram questionados e sua integridade contestada. Foram atacadas, vitimadas novamente, em processos judiciais e pronunciamentos públicos, já que bispos, advogados diocesanos e autoridades da igreja negaram as acusações.
A história mostrou que a maioria das vítimas estava dizendo a verdade. Qualquer reforma que aconteceu na Igreja deve-se à sua determinação corajosa. A hierarquia foi pega em suas mentiras e humilhada, mas não antes de uma série de fiéis desconhecidos ser expulso da Igreja Católica. O escândalo custou a autoridade moral da Igreja, sua credibilidade e bilhões de dólares.
Nos últimos anos, pensávamos que os líderes religiosos punidos tinham começado a corrigir os erros do passado. Estávamos enganados. O Supremo Pontífice aparentemente não aprendeu essa lição.
Em quatro dias, o Papa Francisco caluniou vítimas de abuso duas vezes. No voo papal do Peru, em 21 de janeiro, ele voltou a chamar o testemunho contra o bispo chileno Juan Barros Madrid de "calúnia". Apesar do relato de pelo menos três vítimas em contrário, ele voltou a dizer que não havia visto provas do envolvimento de Barros em um encobrimento para proteger o notório abusador Pe. Fernando Karadima.
Essas observações são no mínimo vergonhosas. No máximo, sugerem que Francisco poderia ter se tornado cúmplice do encobrimento. O roteiro é bastante familiar: desacreditar o testemunho das vítimas, apoiar o prelado em questão e contar com o fato de a atenção pública passar para outra coisa.
É difícil de entender a insistência com que Francisco defende Barros. Três jornalistas no voo papal oportunizaram que o Papa dissesse exatamente por que acreditava no bispo, e não nas vítimas que o acusavam. A segunda jornalista a perguntar sobre Barros a Francisco no voo era uma chilena. Ao falar com o Papa, sua voz ficou embargada pelo nervosismo ao questionar o principal líder da Igreja. Ela perguntou: "Por que os testemunhos das vítimas não são prova para o senhor? Por que não acredita neles?" O Papa não deu nenhuma resposta satisfatória, apenas repetiu a afirmação de que não há "nenhuma evidência" contra o bispo.
Infelizmente, a defesa de Francisco a Barros é apenas o último de uma série de declarações feitas por ele nos quase cinco anos de papado que machucaram sobreviventes e todo o corpo da Igreja.
As declarações do Papa sobre a tolerância zero para abusadores têm sido fortes, mas ele tem se recusado reiteradamente a lidar com quem acobertou os abusadores de forma decisiva. Quando se reuniu com os bispos dos Estados Unidos em setembro de 2015, por exemplo, ele elogiou a "coragem" que tinham demonstrado nos "momentos difíceis" da crise de casos de abuso e chegou a observar "o quanto a dor dos últimos anos pesou sobre vós".
Um psicólogo que trabalha com vítimas de abuso sexual disse, na época, que esses comentários eram para elas como "um soco no estômago por um papa católico que descontava o seu sofrimento para evitar o possível sofrimento dos bispos".
No Chile, na semana passada, Francisco realizou uma reunião com membros do clero do país. Ele falou sobre vários tipos de dor que o abuso clerical havia causado no país, como a das vítimas e suas famílias, mas também falou da dor sofrida por sacerdotes que não foram pegos no escândalo.
"Sei que às vezes alguém pode ter sido xingado no metrô ou andando na rua, e que se paga um preço alto por andar de traje clerical em muitos lugares", disse o Papa ao clero.
Como o Papa pode comparar ser xingado no metrô com o terror de uma criança ser estuprada? Como?
Parece que nenhum dos colaboradores mais próximos de Francisco ficou chocado com observações de Francisco de dois dias depois, quando ele se esquivou de perguntas dos jornalistas sobre Barros e chamou as acusações contra o bispo de "calúnia" pela primeira vez. Em uma crítica aberta em uma declaração, como as que temos lutado para encontrar casos semelhantes na história recente da Igreja, o cardeal de Boston, Sean O'Malley, disse que a calúnia do Papa às vítimas causou-lhes "grande sofrimento”.
É preciso aplaudir a ação de O'Malley. Ele poderia ter falado baixinho para Francisco. Talvez ele soubesse que tinha deixado vítimas de abuso sem qualquer defensor proeminente mais uma vez.
Francisco tem uma bela metáfora para o trabalho dos bispos e padres como pastores que andam entre o rebanho e, às vezes, atrás, permitindo que as ovelhas sigam o caminho que sentem que devem seguir. O Papa foi muito avisado sobre o que esperar no Chile. O fato de ele não ter seguido seu próprio conselho e ter ouvido as pessoas é muito mais do que decepcionante.
A argumentação colorida de Francisco contra o clericalismo é frequentemente recontada. Ele repreendeu a burocracia do Vaticano pela fofoca e oportunismo e descreveu as "doenças" que os afligem. Em 2014, disse que uma delas é a "petrificação mental e espiritual" daqueles "que têm um coração de pedra e insistem no erro”.
Será que Francisco iria gostar de saber que é assim que muitos classificariam suas palavras no Chile e no avião papal? Quando se trata de confrontar o clericalismo, que é a base do abuso, o semblante de pedra do Papa também faz parte do problema. A pergunta que devemos fazer é: Por que Francisco não está ouvindo?
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Comprometimento de Francisco com vítimas de abuso está em questão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU