13 Janeiro 2018
Por causa dos abusos e violações em uma organização católica peruana e dos assassinatos e torturas do governo do ex-ditador Alberto Fujimori, familiares de vítimas pediram para falar com Francisco durante a sua visita ao Peru.
A reportagem é de Carlos Noriega, publicada por Página/12, 12-01-2018. A tradução é de André Langer.
Dois temas fora da agenda oficial serão o centro de atenção sobre o que o Papa Francisco disser, ou não disser, durante a sua visita ao Peru, entre os 18 e 21 deste mês: o escândalo de abusos e violações em uma organização católica peruana e as demandas de justiça dos familiares das vítimas de violações dos direitos humanos perante o recente indulto concedido ao ex-ditador Alberto Fujimori. As vítimas da sociedade da vida apostólica Sodalício de Vida Cristã e da ditadura de Fujimori expressaram seu interesse em se encontrar com o Papa Francisco durante a sua visita ao Peru para expor-lhe seus casos. Não há resposta da Igreja se Francisco vai recebê-los.
Uma semana antes da chegada do Papa no Peru, após uma escala no Chile, o Vaticano decidiu intervir no Sodalício e, assim, tentar baixar o tom das duras críticas à Igreja por sua inatividade, ou ação acobertadora, neste novo caso de abusos no seu interior e desativar um potencial problema durante a visita de Francisco. A Santa Sé ordenou a intervenção no Sodalício de Vida Cristã, fundado em 1971 por Luis Figari como uma sociedade de vida apostólica constituída por leigos e sacerdotes que vivem em comunidade, e nomeou o bispo colombiano Noel Antonio Londoño como interventor dessa sociedade. Figari e outros membros da cúpula do Sodalício foram denunciados por violações sexuais, abusos físicos e maus-tratos psicológicos. A Promotoria Pública pediu prisão preventiva para Figari.
O Vaticano diz em um comunicado que o Papa acompanhou “com preocupação” as informações sobre os abusos no Sodalício, que qualifica como de “notável gravidade”, e que pediu “com insistência” uma “atenção especial” dos órgãos competentes da Igreja para essa situação.
Luis Figari, um “leigo consagrado” admirador do fascismo espanhol, recrutou os seus seguidores entre adolescentes da classe alta do país. Com muito dinheiro à sua disposição, esta organização religiosa de extrema-direita vem se expandindo e agora opera em nove países, incluindo a Argentina. As denúncias de abusos a seus membros eram um rumor generalizado, mas o segredo da sociedade apostólica não permitia adentrar em seus muros. Até que as vítimas dos abusos quebraram o silêncio.
Em 2015, o jornalista Pedro Salinas, que na sua adolescência e juventude fazia parte do Sodalício, publicou o livro Meio monges, meio soldados, em que narra as entranhas e os abusos da sociedade, com cerca de trinta testemunhos de vítimas de violações sexuais, espancamentos, humilhações, que eram práticas comuns. Todos eles foram arrebanhados enquanto eram adolescentes. A barragem do segredo foi rompida, mais denúncias apareceram e o inferno que se vivia na organização religiosa foi exposto.
Com as denúncias contra ele aumentando, Figari, que em 2010 deixou a liderança da organização que ele fundou, mudou-se para a Itália. Em dezembro passado, o promotor peruano pediu sua prisão preventiva para processá-lo pelos crimes de associação ilícita para comissão de crimes, sequestro agravado e lesões físicas e psicológicas. As acusações de estupro foram excluídas do processo judicial porque prescreveram.
Figari, cujo caso foi comparado com os do mexicano Marcial Maciel e do chileno Fernando Karadima, ainda está na Itália, longe da Justiça peruana, sob a proteção do Vaticano, que o enviou para um exílio dourado em uma casa nos arredores de Roma paga pela Igreja e ordenou que ele não voltasse ao Peru. Em junho passado, as vítimas do Sodalício anunciaram que iriam pedir um encontro com o Papa para expor suas denúncias e pedir punições para os responsáveis.
Também pediram para se encontrar com o Papa os parentes das vítimas do governo Fujimori, que querem denunciar a Francisco o indulto que o presidente Kuczynski concedeu na véspera do Natal ao ex-ditador condenado por crimes de lesa humanidade e pedir seu apoio na rejeição dessa medida de impunidade e sua solidariedade com a luta em busca de justiça.
“A Argentina é um país que viveu as violações dos direitos humanos e ainda tem questões de justiça pendentes. É por isso que acreditamos que o Papa, que é argentino, pode entender a magnitude da decisão do presidente Kuczynski de indultar Fujimori. Seria valioso se ele pudesse conhecer o contexto do que vivemos no Peru e saber que o termo reconciliação está sendo manipulado pelo governo para justificar um indulto ilegal que passa por cima do nosso direito à justiça e não se presta a selar essa falsa reconciliação. Tomara que o Papa tenha expressões de solidariedade com as vítimas que se sentem afetadas por esse indulto”, disse Gisela Ortiz, irmã de um dos nove alunos da Universidade La Cantuta sequestrados e assassinados em julho de 1992 por um grupo militar que operava sob as ordens do governo Fujimori. La Cantuta é um dos casos pelo quais o ex-ditador foi condenado a 25 anos.
A visita do Papa ao Peru se dará em um contexto de tensão política e social pelo indulto concedido a Fujimori. Na quinta-feira, milhares de cidadãos voltaram a se mobilizar contra o indulto.
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Peru. Vítimas de violação de direitos humanos e abusos sexuais levantam a voz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU