23 Fevereiro 2018
Ao longo de seu intenso dia como substituto imprevisto de Dom Charles Scicluna, nessa quarta-feira, 21, o sacerdote espanhol Jordi Bertomeu ouviu a terceira pessoa do chamado “grupo dos três” (Cruz, Hamilton e Murillo), que acusa o bispo Barros de ter acobertado os abusos sexuais de Karadima.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada por Il Sismografo, 22-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em um primeiro momento, a imprensa pensou que essa testemunha, José Andrés Murillo, já havia sido ouvida, preferindo, depois, não se encontrar com os jornalistas. Não foi assim. Murillo, filósofo e escritor, falou com o Pe. Bertomeu apenas nessa quarta-feira e, depois, passou um longo tempo com os jornalistas dando uma opinião geralmente positiva daquilo que a Sé Apostólica está fazendo nestes dias para esclarecer, se possível, definitivamente essa terrível história que não parece terminar nunca e que, a cada dia, continua com detalhes inéditos, evidentemente escondidos no passado.
Jordi Bertomeu também ouviu nessa quarta-feira os leigos da diocese de Osorno, que rejeita o bispo Juan Barros e ao sacerdote chileno-alemão Peter Kliegel. Esses fiéis entregaram ao substituto de Dom Scicluna mais de 1.500 páginas de documentos contra o bispo Barros, nas quais se repassa toda sua vida episcopal.
Na nunciatura, Jordi Bertomeu também ouviu dois bispos que, de algum modo, com suas palavras, revelam os dois pontos de vista irrenunciáveis sobre esse caso tão complicado, doloroso e dilacerante, em boa medida porque a hierarquia católica chamada a gerir a questão desde o início optou pela não transparência: são o bispo de Rancagua, Dom Alejandro Goic, e o de San Bernardo, Dom Juan González.
Dom Goic, responsável pelo Conselho Nacional de Prevenção de Abusos e Acompanhamento às Vítimas, criado por decisão do episcopado chileno em abril de 2011, disse que, logo após o fim da visita do papa, “eu elogiei as vítimas de Karadima, porque falaram com respeito, dizendo a verdade, e essa é a única atitude possível: transparência, verdade, prioridade às vítimas”.
“A questão dos abusos que ocorreram na nossa Igreja – acrescentou o bispo de Rancagua – impede uma coisa fundamental: a evangelização da Igreja. O único modo de seguir em frente e erradicar esse flagelo é o amor, a verdade, a transparência e o desejo sincero de ser solidário com as vítimas.”
O bispo concluiu agradecendo a todos aqueles que, com seus testemunhos, nestas horas, estão ajudando a encontrar a verdade.
O outro bispo ouvido, o de San Bernardo, em posição contrária a Goic – e se trata de uma controvérsia que se prolonga há muitos anos – escolheu as costumeiras palavras genéricas que dizem e não dizem.
Quanto às vítimas, Dom González disse que, “em alguns casos, não houve a empatia necessária” (nota do editor: por parte da hierarquia? Dos cardeais Errázuriz e Ezzati? Ou quem? A denúncia de abusos é uma questão de empatia...?).
Depois, o prelado acrescentou: “Isso é possível porque não somos todos iguais com as nossas personalidades, com o nosso modo de ser e tantas outras coisas. No meu caso, depois de ter trabalhado seis anos em tudo isso, percebo perfeitamente a gravidade que representa para uma pessoa o fato de ter sido abusada e, portanto, entendo a necessidade de estar perto dessas pessoas, de ser empáticos, próximos e de acolhê-las e buscar todos os meios para que saiam de sua situação”.
O que os dois bispos disseram, está substancialmente correto e é justo, mas, lido dentro do caso chileno, da longa história dessa tragédia nacional, essas duas abordagens, incluindo a linguagem, evidenciam os dois mundos que há anos se chocam no episcopado local : um grupo minoritário que quer a verdade, toda, pagando todos os preços necessários (inclusive, aparentemente, os preços traumáticos), uma verdadeira catarse para curar e renovar autenticamente essa Igreja doente e em declínio (como propõe Dom Goic), e o outro grupo (de Dom González), majoritário, que detém o controle férreo do caso Karadima desde o início e, portanto, conhece toda a verdade, não contada totalmente até hoje.
Parece que, no Chile, alguns não perceberam que os abusos sexuais de menores não são apenas uma questão de empatia e cordialidade, de consolação do pobre miserável que teve o infortúnio de se encontrar com um padre pedófilo.
Não. Esses casos dizem respeito à verdade e à justiça, porque, como dizia Bento XVI, trata-se de “um crime e um pecado”. Quem oculta crimes e pecados dessa natureza, e faz isso conscientemente, torna-se cúmplice do mesmo pecado e crime.
Essa é a verdadeira questão, e não a empatia.
Esperamos que ninguém diga que as análises desse tipo tentam dividir a Igreja chilena. Seria infantil e mentiroso. A Igreja chilena, há anos, pelo menos 40, está dividida e rachada sobre muitas questões, algumas de grande importância. Não foi a imprensa que dividiu e divide a Igreja no Chile.
Essas divisões são problemas internos mal resolvidos ou não resolvidos, e que o caso Karadima-Barros tornou manifestamente evidentes e inegáveis. Muitos tentaram fazer da recente visita do papa uma espécie de carnaval religioso e ponto final, evitando cuidadosamente que os problemas submersos e reprimidos há décadas viessem à tona. Eles não souberam fazer as contas com o Papa Francisco que sabia bem aonde estava indo e o que o esperava.
Para a Igreja no Chile, chegou a hora da verdade, e o povo chileno, católico até a raiz, embora hoje dilacerado e sofredor, aguarda a reviravolta com uma esperança gigantesca.
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Duas versões diferentes no episcopado chileno tentam explicar o caso Karadima-Barros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU