A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 6,60-69, que corresponde ao 21° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: "Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?". Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: "Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem".
Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. E acrescentou: "É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai".
A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: "Vós também vos quereis ir embora?" Simão Pedro respondeu: "A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus".
Neste domingo, concluímos nossa meditação sobre o capítulo 6 do Evangelho de João. Jesus está cercado por um grupo de discípulos que o seguem, que o ouvem com certa desconfiança porque suas palavras já não são tão fáceis de receber e menos ainda de viver. Ele se apresentou como o pão descido do céu, o pão da vida eterna, falou-lhes sobre comer sua carne e beber seu sangue, continuou a aprofundar a necessidade de ficar perto dele, de assimilar sua mensagem com toda a riqueza e complexidade que ela traz consigo. Suas palavras estavam gerando desconforto, desconforto por causa das consequências que traziam.
Antes do texto que lemos hoje, na sinagoga de Cafarnaum, Jesus havia dito: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56) e depois acrescentou: “Assim como vive o Pai que me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim também quem me come viverá por causa de mim” (Jo 6,57). Diante dessas palavras, o grupo de discípulos que as recebeu ficou surpreso e o advertiu por suas palavras, acusando-o de usar uma linguagem dura, difícil de ouvir e, portanto, de aceitar: "Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?".
Lembremo-nos de que foram as pessoas ao seu redor que o procuraram porque sabiam que ele curava os doentes e Jesus teve compaixão delas e alimentou a multidão com os cinco pães e dois peixes oferecidos por uma criança que estava entre eles. Então Jesus vai para outro lugar e eles ficam confusos e perguntam como ele chegou lá. Em seguida, começam a duvidar de suas palavras, que se tornam cada vez mais comprometidas e implicam mudanças profundas em suas vidas. Ele se oferece como o alimento da salvação, aqueles que o seguem são convidados a comer sua carne e beber seu sangue, a permanecer nele, a se deixar preencher por sua própria vida, que será o alimento que lhes dará a Vida que não morre.
É uma linguagem difícil, como dizem os discípulos ao redor dele. Lembre-se de que, na concepção dos judeus na época de Jesus, sentar-se à mesma mesa implicava compartilhar uma profunda unidade e fraternidade entre aqueles que comiam juntos. Esse vínculo ficava cada vez mais forte a cada refeição compartilhada, o que reforçava a fraternidade e fortalecia ainda mais o relacionamento. Uma mesa compartilhada é também uma comida compartilhada, que provoca uma transformação conjunta no que é comido!
A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: "Vós também vos quereis ir embora?"
Jesus os convida a serem como ele, a compartilharem seu corpo e sangue e a se deixarem transformar por ele, formando uma nova comunidade por meio da qual sua vida e suas ações fluem. Os discípulos ficam escandalizados e começam a murmurar, a desconfiar de suas palavras, que consideram muito provocativas, e lentamente se separam do mestre que tanto desejavam. Mas Jesus não renuncia à verdade de sua vida dada como pão partido e distribuído. Ele não ajusta sua mensagem para torná-la mais suportável, mas continua a convidar aqueles que querem segui-lo com autenticidade a caminhar.
Jesus se volta para os doze, para o pequeno grupo que ele havia chamado pelo nome para segui-lo, para aqueles que ele ensinou e que o acompanharam em seu caminho, e os convida a uma nova decisão. Um novo passo a ser dado, uma nova maneira de segui-lo que não será apenas acompanhá-lo, estar ao seu lado, mas permitir-se ser moldado por ele de tal forma que sua presença seja visível na vida daqueles que o seguem. Ser um corpo dado e um sangue derramado, à sua maneira, a partir de uma profunda ação de graças ao Pai que nos escolheu. Jesus faz a pergunta a todo o grupo, à comunidade em geral, e embora Pedro responda em nome de todos, a resposta de adesão a Ele é pessoal e única para cada discípulo.
Ser cristão é uma decisão pessoal e livre que será renovada em função da realidade sociocultural e religiosa de cada comunidade. Como lembra profeticamente o Papa Francisco, fazendo referência a um seguimento muitas vezes pesado e apagado, reduzido a uma realidade epidérmica e exterior, de aparato e de tradição, tendencialmente devocional: “assistimos à repetição às vezes mecânica de um alfabeto feito de palavras, de ritos, de liturgias, dentro de um sistema que parece obsoleto, intimista, pouco apaixonado e apaixonante”. Um mundo em que a conservação das “coisas” que expressariam uma suposta identidade cristã há muito tomou o lugar daquela alegria do Evangelho da qual o papa argentino fala como a primeira e essencial realidade com a qual é preciso entrar em contato, deixar-se surpreender, tocar e mudar. Continua ele dizendo: “existe um cristianismo reduzido a tradição cultural, a visão moral, a um conjunto de práticas devocionais que aplacam as angústias da alma, mas o risco é o de levar adiante um 'cristianismo sem Cristo'” (Disponível em: Ser cristão hoje. Artigo de Francesco Cosentino).
Seguir Jesus não é imitar suas atividades, nem repetir suas palavras, nem participar de grupos ou comunidades, o que, sem dúvida, fortalece a vida de fé, mas não é suficiente. Hoje Jesus pergunta novamente àqueles de nós que querem segui-lo se estão dispostos a deixar que seu Espírito nos transforme, soltando o leme de nossas vidas e deixando-o novamente em suas mãos. Que ele seja aquele que nos molda à sua maneira para sermos pão partido e compartilhado.
Pedimos ao Senhor que nos conceda fazer nossas as palavras do Apóstolo Paulo à comunidade de Éfeso: “Que Cristo habite em seus corações pela fé, que vocês estejam enraizados e alicerçados no amor, para que possam compreender, juntamente com todos os consagrados, a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, em uma palavra, possam conhecer o amor de Cristo, que excede o conhecimento” (Efésios 2,1).