03 Julho 2014
“Diferenças de ordem política dão a Santos um matiz de autonomia e argumentos para mostrar que tem uma proposta política própria, embora em matéria econômica e social Uribe e Santos se identifiquem por suas políticas econômicas militantes dos esquemas neoliberais”, pontua o diretor do Centro de Investigacion y Educacion Popular – CINEP - Programa por la paz.
Foto: www.rcm.icrt.cu |
A reeleição do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos Calderón (Partido Social de Unidad Nacional), é explicada pela “oportunidade política favorável a uma proposta de assinatura para a superação do conflito armado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC e o anúncio de um diálogo com o Exército de Libertação Nacional - ELN, como preâmbulo para a construção de uma etapa de pós-conflito no país”, avalia Luis Guillermo Guerrero Guevara, diretor do Centro de Investigacion y Educacion Popular – Programa por la paz - CINEP/PPP, da Colômbia.
Segundo ele, “os resultados dos diálogos de Havana para a superação de mais de 50 anos de conflito armado com as FARC e o início das negociações com o ELN são uma meta que uma maioria de colombianos deseja”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Guevara frisa que, apesar da reeleição de Santos Calderón, a campanha presidencial no país foi “altamente competitiva” e “esteve marcada por uma polarização de tom emocional, entre o discurso da guerra e da paz”. Outra marca da disputa eleitoral deste ano é o número de abstenções entre os colombianos. “18 milhões de colombianos não votaram, o que representa em torno de 55% dos potenciais eleitores, em um país em que o voto não é obrigatório. Esta situação mostra que, embora exista uma população participativa nos processos políticos, não é majoritária, ao qual se acrescenta a despolitização e a indiferença dessa grande massa da população que não participa dos processos eleitorais e que é histórica na Colômbia”, pontua.
Guevara também explica o processo de negociação que está ocorrendo entre o governo e as FARC, com base na premissa “nada está acordado até que tudo esteja acordado”. Sobre as tentativas de paz, é categórico: “A paz não é um discurso nem uma mercadoria que se compra e se vende; é, sobretudo, um processo que requer imaginação, paciência, reconhecimento mútuo e renúncia a posições polarizadas para chegar a consensos, onde ambas as partes cedam algo pelo maior bem de toda a coletividade. Caso contrário, não seria um diálogo para construir acordos de paz, mas, ao invés disso, uma capitulação das FARC ou do governo. E ambas são uma quimera, porque a guerrilha não se sente derrotada e o governo não se sente vencedor”.
Luis Guillermo Guerrero Guevara é graduado em Teologia pela Universidad Javeriana de Bogotá, mestre em Desenvolvimento Rural e doutor em Educação pela Universidad de La Salle-Costa Rica. Há 25 anos atua no CINEP/PPP, centro jesuíta de ação e pesquisa social, em Bogotá, onde desenvolve trabalhos no campo da educação popular, fortalecimento de organizações sociais e processos regionais para construção e desenvolvimento da paz.
Confira a entrevista.
Foto: www.jesuitas.org.co |
IHU On-Line - Como avalia a reeleição de Juan Manuel Santos Calderón? Quais razões favoreceram a reeleição? Ela foi positiva para a Colômbia?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - A reeleição do presidente Juan Manuel Santos Calderón esteve marcada por aquilo que os cientistas políticos chamam de estrutura de oportunidade política favorável a uma proposta de assinatura para a superação do conflito armado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC e o anúncio de um diálogo com o Exército de Libertação Nacional - ELN, como preâmbulo para a construção de uma etapa de pós-conflito no país. Esta situação e o apoio de uma maioria que não quer mais a saída beligerante para superar o conflito armado diante de outra maioria que o quer, resultaram na reeleição do candidato presidente.
Sobre se esta reeleição foi positiva, em princípio se pode dizer que favorece a continuidade de um processo de diálogo político que não se podia perder e que, com a eleição do candidato Zuluaga, do partido Centro Democrático, liderado pelo ex-presidente Uribe Vélez, estava em perigo de retroceder ou, no pior dos cenários, de não continuar. As exigências do uribismo para continuar o diálogo, em Havana, com as FARC estavam tão distantes da realidade como impossíveis de poderem se cumprir neste momento dos diálogos, pois quebrariam completamente as regras do jogo negociadas entre o Estado e o grupo insurgente. O diálogo em meio ao conflito e a condição de que nada está pactuado até que todos os pontos estejam pactuados, foram as precondições que ainda hoje tornam possível o avanço nos diálogos. De qualquer maneira, no curto e médio prazo se poderá verificar, pelos resultados do processo de paz, se a reeleição foi a melhor decisão de uma das maiorias eleitorais que se expressaram nas eleições presidenciais do país.
IHU On-Line - Quais são as reações do público e dos especialistas em relação ao governo de Santos e sua reeleição?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - A opinião pública na Colômbia está polarizada. Não se deve perder de vista que a diferença nas votações foi de menos de um milhão de votos de vantagem do candidato presidente Santos, com um total de 7.816.986 (50,95%) votos; o candidato Óscar Iván Zuluaga teve um total de 6.905.001 (45%) votos. A esta polarização se deve somar o alto índice de abstenção: 18 milhões de colombianos não votaram, o que representa em torno de 55% dos potenciais eleitores, em um país em que o voto não é obrigatório. Esta situação mostra que, embora exista uma população participativa nos processos políticos, não é majoritária, ao qual se acrescenta a despolitização e a indiferença dessa grande massa da população que não participa dos processos eleitorais e que é histórica na Colômbia.
Pelo lado dos especialistas, existe uma divisão nas análises. Para uns, a reeleição de Santos era necessária para que o processo de diálogo com as FARC prosseguisse seu caminho na perspectiva de chegar aos resultados, o que pode trazer alcances excepcionais para a construção de uma etapa de pós-conflito e de paz no país. Por outro lado, alguns especialistas expõem a fragilidade de um processo que não é claro em seus resultados alcançados até o momento e a baixa participação e, portanto, a limitada legitimidade do processo, pois lhe faltam mais condições que comprometam as guerrilhas e melhores possibilidades políticas que tranquilizem as maiorias que votaram por negociações mais claras e com resultados significativos para uma paz, segundo sua percepção, sem condições, sem compromissos e sob a sombra da impunidade.
IHU On-Line - Na primeira eleição, Juan Santos foi eleito com 60% dos votos. Por que, na sua opinião, este ano a disputa eleitoral foi mais acirrada?
"No curto e médio prazo se poderá verificar, pelos resultados do processo de paz, se a reeleição foi a melhor decisão de uma das maiorias eleitorais"
Luis Guillermo Guerrero Guevara - A campanha eleitoral para a Presidência da República da Colômbia, mesmo que altamente competitiva, esteve marcada por uma polarização de tom emocional, entre o discurso da guerra e da paz, mas esta situação não permitiu um debate de fundo sobre os problemas mais graves do país; pelo contrário, deixa pela frente, para os colombianos, o desafio de não deixar extravasar esta polarização para os caminhos do desencontro, da fragmentação e de expressões violentas no campo político e social.
Sem dúvida, os resultados dos diálogos de Havana para a superação de mais de 50 anos de conflito armado com as FARC e o início das negociações com o ELN são uma meta que uma maioria de colombianos deseja, mas também, e o dizem os resultados das eleições, outra maioria quer que esta guerra se resolva pelo caminho da rendição e da submissão total dos adversários, situação que está longe de acontecer e cuja exigência só pode trazer mais mortes e desesperança às famílias que pagaram uma altíssima cota de sacrifício ao colocar a vida de seus filhos no confronto armado.
Conflitos
Desde esta rivalidade de interesses e modos de proceder, é importante ter como referência os estudos internacionais sobre o tratamento de conflitos armados e sociais. Eles mostram que em países como a África do Sul, a Irlanda do Norte e outros que sofreram este flagelo, os adversários devem resolver suas diferenças pela via do reconhecimento sério da posição do outro e de uma grande capacidade de compreensão frente às propostas e visões do adversário. Desta maneira, a solução não passa pela impunidade, nem pelo desconhecimento das diferenças, nem pelas saídas absolutamente perfeitas, nem pelas razões excludentes de uma das partes sobre as demais. O conflito armado e social na Colômbia tem uma longa e complexa história; foi motivado, de acordo com as épocas e os contextos destes últimos 60 anos, por decisões políticas, econômicas e sociais vividas de diferentes maneiras nas distintas regiões do país.
IHU On-Line - Qual foi o peso dos outros candidatos presidenciais na campanha eleitoral? Há divergências em relação a como deve ocorrer o processo de negociação com as FARC?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - Nas eleições presidenciais, um dos temas definitivos que centrou as expectativas dos eleitores foi o fim do conflito armado interno com a insurgência. Concretamente, o que existe é o diálogo entre o governo de Santos e as FARC em Havana. Até o momento, foram alcançados acordos em três pontos da agenda: desenvolvimento agrário integral, participação política e as políticas para a substituição dos cultivos de uso ilícito, condicionados pelo critério de que “nada está acordado até que tudo esteja acordado”. Sem dúvida, o fato de que estes resultados e os que se obtiverem em relação ao tema das vítimas e da justiça transicional e o fim do conflito armado, foram um ponto a favor do presidente Santos para sua reeleição. Com estes resultados, a saída militar como alternativa única para o fim do conflito armado vai perdendo, em parte, seus argumentos para uma maioria da população colombiana. Mas não para outra maioria que prega — tendo à frente o ex-presidente Uribe — que, para chegar à paz, necessita-se da aplicação sem piedade de exigências que podem levar à continuação da guerra.
Neste contexto, os candidatos à Presidência da República tiveram posições divergentes sobre os diálogos de Havana. Clara López, do Polo Democrático, manifestou seu apoio explícito aos diálogos e pessoalmente se uniu e fez com que parte do partido que representava, o Polo Democrático, se unisse a Santos, ao passo que na esquina oposta levantou-se a posição do uribista do Centro Democrático, Óscar Iván Zuluaga, que pregou a saída beligerante e a submissão à justiça por parte da insurgência. A esta visão aderiu Marta Lucía Ramírez, representante do partido Conservador, que, embora tenha pregado não opor-se aos diálogos, propõe concluí-los no menor tempo possível e em condições muito próximas da submissão à justiça por parte das FARC. Enrique Peñaloza, por sua vez, apoiou as conversações de Havana, mas sua limitada experiência nestes temas o fez aparecer como um dos candidatos à presidência menos indicado para a gestão destes processos.
IHU On-Line - Como explicar o primeiro turno das eleições, tendo em conta os resultados: Zuluaga com 29,25% dos votos, Santos com 25,69%, seguido por Ramírez, com 15,52%, López, com 15,23% e Peñaloza, com 8,28%? Quais as demais razões dessa fragmentação?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - O primeiro turno das eleições mostrou um eleitorado fragmentado e diluído entre os quatro candidatos, com muitas dúvidas e indefinições acerca do discurso sobre a paz e a guerra, e a continuidade ou não das propostas beligerantes de Uribe ou de negociação com as FARC de Santos.
Mas o que mais pesou, tanto no primeiro como no segundo turno, foi a abstenção, que, durante o primeiro turno de maio, chegou a 60% do potencial eleitoral, e no segundo, a 55%. Desta maneira, enquanto no primeiro turno votaram 13.216.402 cidadãos e cidadãs, no segundo turno votaram 15.794.940; ou seja, a diferença de 2.578.538 de cidadãos/ãs que não participaram no primeiro turno foi decisiva no segundo. Santos aumentou sua votação entre o primeiro e o segundo turno em 4.057.015 votos; ao passo que Zuluaga a aumentou em apenas 3.145.030. Destes votos, muito seguramente uma grande quantidade de eleitores que se abstiveram no primeiro turno respaldaram a aposta nos diálogos de paz do candidato presidente com as FARC.
IHU On-Line - Santos Calderón foi Ministro da Defesa no governo de Álvaro Uribe. Que fatores favoreceram sua primeira eleição? Pode nos dar uma visão geral do governo de Santos em relação ao governo anterior?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - Santos Calderón foi ministro da Defesa e o mais destacado e importante homem de governo durante os oito anos de mandato presidencial do presidente Uribe Vélez. O trabalho de Santos resultou nas mais importantes baixas de comandantes das FARC na história do país.
Não se podem desconsiderar as operações contraguerrilheiras lideradas pelo ministro Santos, nas quais caíram homens da trajetória histórica de Reyes, segundo líder das FARC, ou o Mono Jojoy, o mais experiente estrategista militar da insurgência, ou o próprio comandante Cano e cerca de 60 líderes importantes desta guerrilha. Estes resultados, e o forte apoio do presidente em exercício, Uribe, foram a chave vencedora para que o atual presidente Santos se posicionasse na Presidência da República, no dia 07 de agosto de 2010.
Processo de mudança
Estando já no cargo, poucos dias após sua posse, Santos Calderón inicia um processo de matizes diferenciadores com o governo de seu predecessor. Estes matizes se materializaram em decisões, tais como: a elaboração da lei de vítimas e restituição de terras, Lei 1448, que, embora seja uma lei imperfeita e limitada, é um esforço que rompeu uma dinâmica de impunidade diante do despojo de terras que milhares de famílias camponesas viveram na Colômbia. Santos inicia um caminho de recomposição das relações internacionais com os países vizinhos da Venezuela e do Equador, tão deterioradas no segundo mandato de Uribe.
E, finalmente, Santos abre o diálogo com as FARC com uma agenda delimitada e com uma mesa de negociações inédita no país, composta por dois generais retirados, um do Exército e outro da Polícia, um representante do setor empresarial e dois representantes do setor político.
Estas diferenças de ordem política dão a Santos um matiz de autonomia e argumentos para mostrar que tem uma proposta política própria, embora em matéria econômica e social Uribe e Santos se identifiquem por suas políticas econômicas militantes dos esquemas neoliberais, baseados no investimento estrangeiro que busca assentar a economia sobre a base da exploração mineral e energética.
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"Mas o que mais pesou, tanto no primeiro como no segundo turno, foi a abstenção, que, durante o primeiro turno de maio, chegou a 60% do potencial eleitoral, e no segundo, a 55%" |
IHU On-Line - Qual é o perfil do presidente reeleito, Juan Manuel Santos Calderón? Quais são suas principais propostas para o país?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - O Presidente Santos é herdeiro de uma história política familiar. Em sua ascendência familiar sobressaem personagens da vida nacional, como Antonia Santos Plata, mulher eminente da independência espanhola, e o presidente Eduardo Santos (1938-1942), seu tio-avô. O clã dos Santos também é fundador do jornal El Tiempo, o mais importante do país durante o último século.
Com 64 anos, Santos é político, jornalista e economista que incursiona na vida política após ser jornalista. Filiou-se ao Partido Liberal Colombiano, foi ministro do Comércio Exterior durante o governo do ex-presidente César Gaviria, no começo dos anos 1990, e mais tarde fez parte do governo do conservador Andrés Pastrana Arango, no qual foi ministro da Fazenda. Após a eleição de Álvaro Uribe Vélez à presidência, em 2002, Santos deixou o Partido Liberal e foi um dos fundadores do Partido da U. Foi nomeado por Uribe como ministro da Defesa, cargo que exerceu entre julho de 2006 e maio de 2009.
Os grandes resultados da sua gestão como ministro da Defesa, especialmente por seus ataques às FARC, o catapultaram como o mais exitoso dos ministros do gabinete de Uribe e o levaram à presidência em 2010, com o apoio do então presidente e de uma maioria esmagadora de eleitores, com mais de 60% da votação final.
A principal proposta que o presidente Santos tem para o país neste momento é, sem dúvida, alcançar os acordos na agenda de diálogo com a guerrilha das FARC e, agora, o início das conversações com o ELN, em especial o cessar do conflito armado, como um primeiro passo para iniciar uma etapa de pós-conflito, que nos leve a conseguir melhores condições para uma paz integral, com justiça social, sustentável e duradoura.
Desafios
Esta proposta será determinante para que os outros planos, programas e projetos do governo Santos avancem: a aplicação da lei de restituição de terras às vítimas do conflito armado no horizonte da reparação efetiva; a proteção e a melhoria das condições do desenvolvimento agrário, no qual se comprometeu com os movimentos agrários e camponeses em sua campanha, depois das paralisações e marchas que se realizaram e que fizeram parte das profundas tensões com os outros candidatos à presidência, em especial com Óscar Iván Zuluaga. O desenvolvimento econômico baseado em investimentos de capitais transnacionais no setor mineral e energético, que se desdobra em novas fontes de emprego e de bem-estar para o país, projeto que, segundo os críticos, vai provocar uma grande depredação dos patrimônios nacionais e maior desigualdade social, pois os grandes capitais sairão do país e a Colômbia ficará apenas com uma pequena parte dos lucros. A melhoria nas oportunidades de saúde, educação e habitação para uma grande maioria da população, entre 40% e 45% que vivem em condições de pobreza, o que depende de reformas estruturais no investimento social e de uma política fiscal mais bem organizada, eficiente e de impacto.
Estas propostas são um desafio muito grande para o presidente eleito e sua equipe de trabalho, pois em meio às negociações de Havana, do referendo popular sobre estes pontos e da oposição uribista, o governo de Santos terá de saber superar e conseguir alianças fortes.
IHU On-Line - Quais são os principais desafios do governo de Juan Santos Calderón para os próximos anos?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - A tarefa que tem tanto o presidente Santos como todos os atores políticos, empresariais, eclesiais, públicos, sociais e insurgentes do país é transformar o conflito armado e social na geração de processos políticos includentes, participativos e democráticos que nos levem, enquanto nação, a criar pactos significativos, comprometedores e exigentes para todos. Desta maneira, se poderá construir uma mudança social que leve a imaginar e realizar processos de bem viver, especialmente nas famílias e territórios que sempre foram excluídos das oportunidades. Uma mudança social que construa alternativas econômicas cujo fim seja o crescimento humano e não somente o crescimento da renda. Uma mudança social que tenha como centro de seus interesses valores como a solidariedade, a liberdade, a justiça e, finalmente, leve à construção de uma paz estável e duradoura.
Mas estes pactos não se tornam realidade simplesmente pela assinatura de acordos para superação do conflito armado, nem sequer só pelo referendo cidadão. Necessita-se, além disso, destes procedimentos legais, da credibilidade social, dos processos pedagógicos e de uma aprendizagem social planejada e organizada, tanto pela institucionalidade escolar como por todos os atores da vida social: a família, as igrejas, os espaços de trabalho e todos os âmbitos da vida social. A construção da paz não necessita apenas de um Estado organizado, legítimo e confiável, mas também de uma sociedade e de uma cidadania respeitada em seus direitos, mas igualmente ativa em suas responsabilidades. O Papa Francisco disse-o com uma enorme clareza: “para fazer a paz, necessita-se de muito mais coragem do que para fazer a guerra”.
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"Os resultados dos diálogos de Havana para a superação de mais de 50 anos de conflito armado com as FARC e o início das negociações com o ELN são uma meta que uma maioria de colombianos deseja" |
IHU On-Line – Como têm ocorrido os processos de negociações com as FARC?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - Após 50 anos de conflito armado, três gerações de colombianos e colombianas que buscam a paz desejariam que de Havana chegassem ao país propostas que fossem coerentes com estes desejos de uma PAZ justa, efetiva e duradoura.
No entanto, e apesar dos avanços na agenda, os resultados do diálogo são ainda incertos. A condição de diálogo em meio ao conflito e o critério de que “nada está acordado até que tudo esteja acordado”, faz com que ninguém se arrisque, cerca de um ano e meio depois que a mesa iniciou o seu exercício, a explicitar quais poderão ser seus efeitos e consequências finais.
Para ter uma maior compreensão do que está acontecendo na mesa de diálogo, devemos nos fazer antes as seguintes perguntas: qual é o conteúdo da paz que se está conversando entre o governo e as FARC? E, por outro lado, o que entendemos no país por paz sobre a qual se está dialogando em Havana? Fazer-nos estas perguntas permitirá, possivelmente, compreender os alcances e dar uma dimensão razoável à paz que se perfila na ilha caribenha.
Uma primeira consideração é que, sem dúvida alguma, o diálogo entre o governo e as FARC-EP é um fator necessário e determinante para a solução essencial do conflito armado. Mas isto não quer dizer que esgote todo o processo que a sociedade colombiana precisa percorrer para construir a desejada paz, integral, efetiva e duradoura. Em segundo lugar, a delimitação do processo de Havana é marcada pela agenda estabelecida entre as partes no “Acordo geral para o término do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura”, assinado no dia 29 de agosto de 2012. São cinco temas para discutir: política de desenvolvimento agrário integral; participação política; fim do conflito e justiça transicional; solução para o problema das drogas ilícitas; e a situação das vítimas do conflito armado.
Agenda
É uma agenda que, comparada com a agenda de Caguán, há 14 anos, aparece muito mais delimitada, mais realista e responde tanto às necessidades dos atores que dialogam nesta primeira fase do processo, como a outros atores que, no momento certo, deverão entrar no caminho da construção da paz.
Em terceiro lugar, deve-se ter presente que, embora o governo e a FARC mostrassem ter vontade política para chegar a acordos, isso não basta para cunhar essa paz. São necessárias, além disso, condições sociais, econômicas e políticas que não dependem deles e em relação às quais existe um déficit muito elevado, que poderá ser um dos maiores obstáculos.
Uma quimera
Em quarto lugar, como disse o professor Alejo Vargas, precisamos desmistificar algumas ideias que existem em torno das negociações.
Não se pode supor que as guerrilhas, devido ao seu enfraquecimento militar e isolamento político, estariam dispostas a negociar sua rápida desmobilização. Nada mais distante da realidade. Nisso as palavras de Iván Márquez foram claras em seu discurso de Oslo: tanto o governo como as FARC têm posições fortes e conhecem seus limites. A paz não é um discurso nem uma mercadoria que se compra e se vende; é, sobretudo, um processo que requer imaginação, paciência, reconhecimento mútuo e renúncia a posições polarizadas para chegar a consensos, onde ambas as partes cedam algo pelo maior bem de toda a coletividade. Caso contrário, não seria um diálogo para construir acordos de paz, mas, ao invés disso, uma capitulação das FARC ou do governo. E ambas são uma quimera, porque a guerrilha não se sente derrotada e o governo não se sente vencedor.
A paz também não será fruto de uma negociação curta ou, como dizem as FARC, de uma paz “express”. Embora o processo não possa ser indefinido no tempo, nem se possam estabelecer tempos judiciais, as conversações devem ter resultados em um período razoável.
Se esses resultados substanciais não aparecerem passo a passo e se a opinião pública não os for reconhecendo em seu imaginário de paz, o processo pode cair no buraco negro da ilegitimidade e da incredulidade, o que seria nefasto para o diálogo.
Especula-se sobre as posições duras, militaristas, e outras brandas, de tom mais político, dos negociadores da guerrilha. Esta apreciação tem traços de ficção. As FARC são uma organização hierárquica, com linha de comando clara e coesa em suas posições de cúpula no que é substancial; portanto, seus negociadores vão agir em sintonia com este esquema organizacional. O mesmo acontecerá, guardadas as devidas proporções, com os representantes do governo, dos empresários e, mais ainda, com os dois generais do Exército e da Polícia que estão sentados na mesa.
Existe então, nas partes, unidade de pensamento sobre as teses que cada lado está defendendo. A coesão interna das equipes está garantida, o que política e metodologicamente pode facilitar o diálogo.
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"A construção da paz não necessita apenas de um Estado organizado, legítimo e confiável, mas também de uma sociedade e de uma cidadania respeitada em seus direitos, mas igualmente ativa em suas responsabilidades" |
Construção da paz
Em quinto lugar, a paz precisa ser construída entre todos, mas cada um dos atores deve dar sua colaboração e seu serviço pertinente no momento oportuno. É irreal pensar que a paz pode ser construída sem a participação social, mas também é imprudente postular que todos os atores devem encher a mesa nesta primeira fase da construção de acordos políticos, em que o governo e as FARC devem abrir a porta do diálogo de paz, construir acordos e criar as condições para honrá-los.
À sociedade civil em toda a sua amplitude, assim como ao Congresso da República, lhes aguarda mais cedo ou mais tarde, caso algum acordo for assinado, um grande trabalho no desenho e na realização de processos, mecanismos e condições para a construção da paz.
Nesta perspectiva, a incidência da sociedade civil na primeira fase do diálogo deve ser ativa, mas limitada aos cenários de consulta entre diferentes setores sociais e com análises profundas; de igual maneira, deve-se dar reconhecida importância aos canais institucionais através dos quais estes setores se pronunciem. Desta forma, na mesa de Havana, é pertinente que o governo e as FARC sejam os protagonistas para construir o que lhes corresponde e com a responsabilidade histórica que isto implica. Agora, como o processo de conversações não se dá pelas costas nem às escondidas do país, os colombianos devem inteirar-se sobre os resultados desta fase do processo pelos canais oficiais definidos pelas partes, e não pelo show midiático nacional e internacional, no qual os meios de comunicação terão de agir com responsabilidade e cautela.
IHU On-Line – O presidente Juan Manuel Santos assinalou que vai propor uma aproximação com outros partidos durante o seu governo. Uma política de aliança pode surgir? Quais são as vantagens e desvantagens deste tipo de política?
Luis Guillermo Guerrero Guevara - É possível que para a questão dos diálogos com as FARC e as negociações que poderá fazer com o ELN, que buscam a superação do conflito armado com a insurgência e avançar em alguns temas que derivam das agendas destes diálogos, o presidente Santos consiga um bloco de aliança importante, tanto no poder legislativo como em diversos setores da sociedade civil. No entanto, estas alianças podem ver-se afetadas por outros temas da política de desenvolvimento econômico, baseada em apostas na mineração e na energia que favorecem capitais internacionais, mas têm enormes impactos ambientais e não beneficiam o desenvolvimento local. A frágil proposta para o desenvolvimento agrário e a economia camponesa, assim como as propostas genéricas em temas prioritários de desenvolvimento social como a educação, a saúde e a habitação, como também a falta de uma política de emprego de qualidade e projetada para ser sustentável, podem influir negativamente na formação de alianças efetivas.
(Por Patricia Fachin – Tradução de André Langer)
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Colômbia e a negociação com as FARC: “nada está acordado até que tudo esteja acordado”. Entrevista especial com Luis Guillermo Guerrero Guevara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU