02 Mai 2011
No governo de Dilma Rousseff há a suspeita de que o recente Pacto do Pacífico assinado pelo México, Colômbia, Chile e Peru seja uma espécie de atalho para a Alca. Por outro lado, uma eventual vitória de Humala no Peru tem um estímulo.
A reportagem é de Darío Pignotti e está publicada no jornal Página/12, 02-05-2011. A tradução é do Cepat.
A Alca está morta, por enquanto. A presidenta Dilma Rousseff e seu par Barack Obama não trocaram nenhuma palavra, até onde se sabe, sobre a Área de Livre Comércio das Américas durante a hora e meia em que conversaram a sós há um mês, no Palácio do Planalto; mas funcionários norte-americanos deixaram transparecer em Brasília sua saudade daquela iniciativa.
Desde que o "Exército de Brancaleone" – com George W. Bush como timoneiro e o mexicano Vicente Fox fazendo de contramestre – encalhou no Mar del Plata ao tentar impor a Alca durante a Cúpula das Américas, em novembro de 2005, a tecnocracia de Washington ensaiou caminhos alternativos para chegar ao mesmo fim, como os tratados de comércio com a Colômbia, Chile e Peru.
No Planalto não são poucos aqueles que suspeitam que esteja sendo amadurecido outro atalho para a Alca, ou algo similar, sob a nova Aliança do Pacífico, assinada pelos presidentes de México, Colômbia, Chile e o anfitrião peruano, Alan García. O pacto de Lima foi celebrado neste domingo pelo jornal O Estado de São Paulo, conservador, em um editorial onde recriminou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por sua diplomacia "terceiromundista e seu antinorte-americanismo", e por ter impedido a formação da Alca.
Mesmo que alguns dos discursos inaugurais da Aliança do Pacífico, pronunciados na quinta-feira passada em Lima, privilegiassem seu caráter econômico, para Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Rousseff, começou a germinar um novo vetor de poder regional. "Não considero necessário contrabalançar o Brasil na região", ponderou Garcia, que está há quatro meses como conselheiro do novo governo após ter sido durante 8 anos o emissário de Lula na América Latina. "Alguns países vão querer dar (à Aliança) um caráter político, criar um pólo opositor ao Mercosul", comentou Garcia, dando um aparente recado ao México.
Acontece que, por sua localização geográfica, seu produto interno bruto e sua população, o México é o único país latino-americano em condições de liderar uma coalizão, inspirada nos valores de livre mercado, capaz de representar um contraponto a Brasília.
Essa nova geometria em fase de maturação, com o Mercosul e a Aliança do Pacífico situados em posições divergentes, provavelmente seja do agrado de Washington, que nunca mostrou devoção pelo bloco sul-americano.
Além disso, o México é o único país que expressa sem dissimulação sua antipatia (a Argentina também dissente, mas em voz baixa) em relação à pretensão brasileira de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, reiterado por Rousseff nas conversas com Obama, em março, e com o presidente chinês, Hu Jintao, em abril.
Mais, o presidente Felipe Calderón recomendou, em sua passagem por Lima, avançar rumo a um acordo na bacia do Pacífico para lutar contra o narcotráfico, horas antes que sua ministra de Relações Exteriores, Patricia Espinosa, recebesse felicitações de Hillary Clinton, em Washington, pelos "avanços" do Plano Mérida, de combate conjunto contra o crime organizado.
Caso a proposta de Calderón for aprovada por seus sócios do Peru, Colômbia e Chile, será difícil conciliá-la com o Conselho Sul-Americano de Defesa, a inconclusa perna militar da Unasul, impulsionada por Brasília como resposta à reativação da IV Frota norte-americana, com jurisdição sobre o Atlântico.
Apesar de seu gigantismo populacional, econômico e geográfico, o Brasil é pouco mais que um pigmeu geopolítico no Pacífico, e esse déficit de poder pode se agravar em caso de ganhar voo o projeto apadrinhado pelos governos conservadores de Calderón, Juan Manuel Santos, Sebastián Piñera e Alan García, lembrado aqui em Brasília por sua falta de sintonia com o nascente Conselho Sul-Americano de Defesa em 2008.
Isto explica a inclinação para o candidato Ollanta Humala, demonstrada pelo Partido dos Trabalhadores e evidenciada pelo governo de Rousseff, através de Marco Aurélio Garcia. "Para saber qual é a vida futura desse bloco (Aliança Pacífico) deveríamos aguardar as eleições de 5 de junho no Peru; qualquer decisão tomada agora tem dois meses de validade", ponderou o funcionário brasileiro, fazendo uma aposta quase explícita de que Humala, se vencer, reavaliar os passos dados por Alan García, cujo mandato está acabando.
Fontes brasileiras deixaram vazar para o jornal O Globo que se o ex-militar vencer Keiko Fujimori, o Brasil lhe oferecerá vantagens irrenunciáveis para ingressar no Mercosul. Humala segue jogando seu jogo, o da ambiguidade: na quinta-feira se reuniu com o presidente Calderón, e pelo que tudo indica recebeu com interesse a proposta mexicana, depois de ter piscado o olho para Brasília. "O Brasil necessita de um sócio estratégico no oceano Pacífico e creio que o Peru é o aliado ideal para cumprir esse papel, nossa colaboração será mutuamente benéfica", declarou Humala em uma entrevista publicada há uma semana pela revista brasileira Isto É.
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A semente de um pólo opositor ao Mercosul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU