O México envia um sinal de firmeza sem perturbar o equilíbrio com os EUA

Foto: Julio Lopez/Unsplash

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19 Dezembro 2025

Claudia Sheinbaum está aproveitando a escalada da campanha dos EUA contra o regime de Nicolás Maduro para se proteger da possibilidade de que os ataques se espalhem para o México.

A informação é de David Marcial Pérez, publicada por El País, 19-12-2025.

A escalada da campanha dos EUA contra o regime de Nicolás Maduro permitiu ao México enviar uma mensagem de firmeza sem, ao mesmo tempo, perturbar o delicado equilíbrio com Washington. Isso representa uma extensão da estratégia de decisão e serenidade com que a presidente Claudia Sheinbaum tem enfrentado os ataques de Donald Trump. O foco do magnata republicano está agora fortemente concentrado em aumentar a pressão sobre a Venezuela, sem descartar sequer uma ofensiva militar. A resposta da presidente tem sido elevar o tom diplomático em defesa da soberania venezuelana, ao mesmo tempo que envia um sinal indireto de proteção contra a possibilidade de que os ataques se alastrem para o México, algo que Trump já insinuou em mais de uma ocasião como parte de sua estratégia de tensão constante.

O conflito com Caracas encontra-se num momento particularmente delicado, na sequência do interesse explícito de Washington no petróleo venezuelano e da maciça mobilização militar dos EUA no Caribe, onde, desde setembro, dezenas de embarcações suspeitas de tráfico de drogas foram atacadas, resultando em mais de 80 mortes. O que começou há três meses como uma ambiciosa operação antidrogas transformou-se agora num ataque direto às finanças do governo venezuelano, e a ameaça de intervenção militar, com a qual Donald Trump já flertou em mais de uma ocasião, já não parece uma mera fantasia. Neste contexto, Sheinbaum tomou uma medida proativa, instando as Nações Unidas a agirem para "evitar o derramamento de sangue" e até oferecendo território mexicano para potenciais negociações entre as duas partes.

A iniciativa da presidente mexicana já encontrou repercussão nas fileiras republicanas. A congressista María Elvira Salazar acusou o governo mexicano nesta quinta-feira de "apoiar as ditaduras" de Cuba e Venezuela. Apesar da escalada da retórica, Sheinbaum insiste que sua posição permanece dentro do quadro histórico da diplomacia mexicana, baseada no respeito à soberania de outros países e na não interferência. Em relações puramente bilaterais, a presidente mexicana tem optado por uma estratégia que busca aliar firmeza à prudência diante dos ataques de Donald Trump em diversas frentes: segurança, comércio e imigração.

A classificação dos cartéis mexicanos como organizações terroristas e a recente designação do fentanil como “arma de destruição em massa” são medidas que abrem caminho para uma possível incursão militar dos EUA no México. A resposta do governo Sheinbaum tem sido o aumento das prisões e apreensões de drogas, bem como a transferência de dezenas de líderes de cartéis de drogas presos para prisões americanas. “O governo mexicano fez tudo o que pôde para se adaptar ao novo governo Trump. É por isso que o que a Casa Branca está fazendo com a Venezuela coloca o México em uma posição muito desconfortável”, observa o pesquisador de relações internacionais Carlos Bravo.

Um documento recente da Estratégia de Segurança Nacional, assinado pessoalmente pelo presidente Trump, revive explicitamente uma antiga doutrina do final do século XIX que justificava o intervencionismo dos EUA no resto das Américas. Isso deu origem ao infame slogan da América Latina como quintal dos EUA, que se materializou, por exemplo, na intervenção direta em Cuba no final do século XIX ou no apoio a golpes de Estado, como o de Augusto Pinochet no Chile em 1973. “Os presidentes americanos recentes foram mais contidos, tendendo a se limitar em seus discursos e ações. Mas agora Trump está tentando impor a questão da maneira mais amarga possível, para demonstrar que eles são o centro do mundo”, acrescenta Lorenzo Meyer, historiador do El Colegio de México (Colmex).

Essa retórica desenfreada, segundo os analistas consultados, fornece a justificativa ideal para uma resposta enérgica, porém ponderada, por parte do México. “A política externa mexicana, por tradição e história, não pode validar tal retórica. É por isso que o presidente Sheinbaum, com tato, instou as Nações Unidas a intervirem, embora todos saibamos que dificilmente haverá consequências no que diz respeito aos interesses das grandes potências”, acrescenta Meyer. De acordo com o historiador, o presidente mexicano está seguindo uma tradição diplomática que remonta à Revolução Mexicana, quando esses princípios de respeito à soberania e rejeição à interferência foram forjados precisamente como um princípio de autodefesa contra as políticas expansionistas dos Estados Unidos.

Dentro desse equilíbrio diplomático, outro princípio antigo das relações internacionais, que ainda parece estar plenamente em vigor, apontava para uma espécie de acordo tácito entre o México e os Estados Unidos, segundo o qual o vizinho do sul podia adotar posições contrárias às do vizinho do norte, desde que isso não representasse um problema sério. O pesquisador Bravo cita como exemplo o apoio do México à Cuba de Castro, o maior inimigo dos Estados Unidos, durante o auge da Guerra Fria. Com essa medida, o governo do PRI da época pôde exibir credenciais de esquerda sem ameaçar a relação bilateral. "Algo semelhante", observa ele, "está acontecendo agora com a Venezuela. Os governos do Morena têm se alinhado bastante com, ou pelo menos demonstrado respeito e amizade para com, governos de esquerda altamente autoritários, como os da Venezuela, Cuba e Nicarágua. Essa última medida permite que a presidente Sheinbaum se distancie um pouco dos Estados Unidos praticamente sem consequências."

O México sediou uma mesa de negociações entre o chavismo e a oposição há três anos, sem resultados muito convincentes. “A ditadura de Maduro está muito além da negociação. Não vai acontecer. E, ao mesmo tempo, se Trump quer uma briga com o México, ele tem justificativas muito mais fáceis do que a questão venezuelana”, acrescenta Bravo, que afirma que “estamos vendo algo que parece política externa, mas na verdade é política interna projetada para fora”.

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