Retratos, miniaturas e achiropitas: descobrindo os rostos de Cristo. Artigo de Giovanni Maria Vian

Foto: Mariana Mishina/Unsplash

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17 Dezembro 2025

A imagem milagrosa teria sido levada para Roma já no século VIII e é central para o Ano Santo, instituído em 1300, em resposta à pressão popular, pelo Papa Bonifácio VIII. Tanto que, em um pergaminho toscano da bula papal de indicação, é o rosto tantas vezes reproduzido da “Santa Verônica” que se destaca sobre o texto, ladeado pelos apóstolos Pedro e Paulo.

O artigo é de Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, publicado por Domani, 13-12-2025.

Eis o artigo.

Entre a segunda metade do século V e o final do século VI, o paganismo definhava por toda parte. Em uma província do Império Bizantino, talvez na Síria ou em algum lugar da atual Turquia, um erudito pagão atraído pelo cristianismo decidiu escrever um romance, A Narrativa dos Fatos Persas, sobre o nascimento de Cristo, um tema que conhecia bem pelo início do Evangelho de Mateus e muitos outros textos. Ele também se concentrou em um detalhe narrado apenas no primeiro evangelho canônico, que, no entanto, é bastante sóbrio: a viagem dos misteriosos Magos vindos do Oriente.

Esse é o cenário de seu texto pouco conhecido, que à primeira vista parece uma das muitas variações literárias e artísticas sobre o nascimento do Messias e a fabulosa e enigmática história daqueles viajantes guiados por uma estrela. Nos presépios de hoje, especialmente apreciados pelas crianças, as estatuetas dos Magos são colocadas nas margens da cena natalina: figuras que, com o passar dos dias, são movidas cada vez mais para perto do estábulo onde Jesus nasceu, representando sua longa jornada. Segundo Otto Bardenhewer, o “propósito dogmático-apologético” desse texto bizantino anônimo é claro. O protagonista é um oficial a favor dos cristãos que anima um debate entre cristãos, judeus e pagãos. Um mago persa desempenha um papel central, e a tese — como pano de fundo do evangelista Mateus e de muitos textos cristãos antigos — é que até mesmo os pagãos, representados pelos Magos, reconheceram Jesus como o Messias esperado pelo povo judeu.

Finalmente, os viajantes chegam a Belém e encontram uma criança de dois anos sentada no chão, que “se parecia muito com a mãe. Ela tinha mãos longas e um corpo delicado; sua tez era da cor do trigo. Seu rosto era arredondado e seus cabelos estavam presos. Como tínhamos conosco um jovem pintor muito talentoso, levamos imagens de ambos para o nosso país.” De volta à Pérsia, os Magos as ofereceram ao “templo principal” com a dedicatória “a Zeus Mitra, o grande Deus, Rei Jesus”, em nome do Império Persa. Muito tempo depois, em um manuscrito bizantino do século XI, hoje preservado em Jerusalém, a cena central da história é retratada com precisão, com algumas variações em relação ao texto.

Jesus não está sentado no chão, mas está nos braços de sua mãe, e ambos olham para o pintor. O pintor, sentado em um banquinho, segura em sua mão um ícone de Maria e do menino, destinado ao templo persa, mas idêntico aos ícones reais, também muito difundidos no Ocidente.

As imagens antigas

Um especialista em arte medieval há tempo já havia chamado a atenção para a importância desse apócrifo para a iconografia. O texto bizantino é agora uma das peças menores, mais evocativas e coloridas de uma nova investigação (Michele Bacci, I volti di Cristo, Carocci) sobre as “imagens da santidade entre o Oriente e o Ocidente”, que também se estende a tradições diversas — budistas, da Índia antiga e islâmicas — com inúmeras ilustrações.

A história ilustrada por essa miniatura, única em seu gênero, faz parte das lendas que se centraram em antigas imagens do rosto de Jesus entre os séculos V e VI. Essa é uma novidade na tradição cristã e, para superar a desconfiança generalizada da possibilidade de representar o divino nos primeiros séculos, vários textos enfatizam que não se trata de realizações humanas, mas sim imagens “não feitas por mãos humanas”.

Chamadas de “achiropitas”, do termo grego, essas representações se afirmam graças a contos, inicialmente orientais, que se entrelaçam entre si. De acordo com um famoso apócrifo siríaco do século V, o próprio Cristo escreveu uma carta ao rei Abgar de Edessa (atual Urfa, na Turquia, na fronteira com a Síria), entregue por seu discípulo Addai, anunciando a cura do soberano enfermo.

Abgar então envia um servo para retratar o rosto de Cristo. “Seu semblante muda para mim todos os dias”, diz o mensageiro, e então Jesus, tomando uma “veste”, imprime sua imagem nela. A lenda está ligada às origens do cristianismo siríaco, conhecida nas primeiras décadas do século IV pelo historiador eclesiástico Eusébio de Cesareia e se cruza com outras tradições que se agrupam em torno da figura de Verônica e da enigmática imagem no Sudário de Turim, atestado como tal apenas no final da Idade Média.

No século VI, em Edessa se venerava uma imagem do rosto de Cristo que apareceu a uma mulher incrédula e foi milagrosamente impressa em um pedaço de pano. Chamada mandýlion (em grego, “pedaço de pano”), o ícone foi usado pelo imperador Heráclio como suporte nas vitoriosas campanhas militares contra os persas, que em 629 lhe permitiram trazer a relíquia da cruz de volta para Jerusalém. Em 944, o mandýlion foi transferido para Constantinopla, na capela privada dos governantes bizantinos, enquanto o “rosto sagrado” também se difundiu amplamente no Ocidente, pintado por artistas como Beato Angelico, cujo impressionante Cristo na Catedral de Livorno, uma têmpera executada entre 1447 e 1450, está em exibição na mostra de Florença até 25 de janeiro.

Verônica

No ciclo apócrifo sobre a figura de Pilatos, o prefeito romano que condenou Jesus à morte, aparece Verônica, um nome (talvez derivado de “vera icona”) atribuído pela lenda à mulher curada por Cristo porque sofria de “hemorragias” há doze anos, como narrado nos três evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas). Segundo esses textos, teria sido ela quem enxugou o rosto de Cristo com um pano no qual seu rosto ficou impresso, o qual mais tarde curaria o imperador Tibério, numa clara repetição da lenda de Abgar.

A imagem milagrosa teria sido levada para Roma já no século VIII e é central para o Ano Santo, instituído em 1300, em resposta à pressão popular, pelo Papa Bonifácio VIII. Tanto que, em um pergaminho toscano da bula papal de indicação, é o rosto tantas vezes reproduzido da “Santa Verônica” que se destaca sobre o texto, ladeado pelos apóstolos Pedro e Paulo.

O grande cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer também faz referência a essa popular tradição lendária com uma menção sóbria e evocativa no roteiro do filme nunca realizado sobre Jesus (publicado pela Iperborea). “Veja como ele está suado. Posso secar seu rosto?”, pergunta a mulher. “Como a mulher tem uma aparência agradável e benevolente, o soldado concorda”, comenta Dreyer.

Como era o rosto de Cristo? A hesitação do enviado de Abgar também é retratada de forma diferente nas diversas releituras contemporâneas, em romances e filmes. Embora o rosto de Jesus nunca seja representado no Ben-Hur, de William Wyler, no best-seller de 1880 (Ben-Hur: A Tale of the Christ, de Lew Wallace) que inspirou o filme, os Magos veem que “a criança era como todos os outros recém-nascidos” e, por sua vez, o pequeno Jesus contempla, “mais do que eles, a chama da lanterna” que ilumina a cena.

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