Votos e negócios em nome de Cristo

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26 Novembro 2025

Cada vez mais políticos ostentam sua fé religiosa para defender posições ideológicas ultraconservadoras, disseminar propaganda ou recrutar apoiadores para vencer eleições.

A reportagem é de Francesco Manetto, publicada por El País, 24-11-2025.

“Gostaria de compreender, com meus pequenos olhos mortais, como nos veremos depois. Seria belíssimo se houvesse luz.” Com essas palavras, Aldo Moro despediu-se da esposa em uma carta antes de ser assassinado pelas Brigadas Vermelhas em maio de 1978. O político italiano havia sido primeiro-ministro e, na época de seu sequestro, era o líder da Democracia Cristã, partido que governou por mais de 40 anos e cujo nome incorporava não apenas uma declaração de intenções, mas a própria razão de ser. Moro era católico; podia até expressar dúvidas, como sugere a expressão, mas, acima de tudo, era um estadista. Como ele, muitos líderes desse partido mantinham sua fé em sua esfera mais privada: um comportamento próprio de qualquer representante público maduro e responsável, que contrasta com uma tendência cada vez mais consolidada, especialmente nos Estados Unidos e na América Latina, de exibir constrangedoras contorções religiosas em público e nas redes sociais. Tudo isso para defender posições ideológicas ultraconservadoras, disseminar propaganda ou angariar seguidores para ganhar votos. Ou dinheiro.

Dias antes de anunciar sua aposentadoria da política de linha de frente e seu rompimento com Donald Trump, a congressista Marjorie Taylor Greene, uma das figuras mais radicais do movimento MAGA (Make America Great Again), respondeu a uma pergunta com uma interpretação cristológica. “Obedecer a Jesus, perdoar e pedir perdão não significa ajoelhar-se; significa andar em obediência a Cristo, nosso Senhor, e colocar nossa fé em ação. Nada mudou em mim, exceto que me recuso a continuar fazendo parte da loucura maligna e tóxica do complexo político-industrial que está destruindo nosso país”, publicou ela em seu perfil no X.

A linha divisória entre a ideologia do Trumpismo, forjada por um de seus primeiros políticos, Steve Bannon, e a face mais reacionária e intolerante das igrejas cristãs está se tornando cada vez mais tênue. O próprio Bannon sabe que funciona, talvez se apoiando em teorias da conspiração fantasiosas ou deliberadamente falsas. Na cenografia de seus vídeos de proselitismo, pelo menos uma imagem de Cristo Pantocrator e outras três geralmente aparecem em destaque ao fundo. Duas semanas atrás, em uma dessas gravações, ele proclamou: “Trump não é perfeito; ele é um instrumento imperfeito, mas imbuído de providência divina”. Essa confusão ficou evidente no funeral de Charlie Kirk, o jovem ativista assassinado em setembro, um evento que demonstrou a ascensão de figuras que transitam entre a política e a pregação.

Na América Latina, onde as igrejas evangélicas vêm ganhando terreno há décadas, a música e as letras do discurso religioso permeiam a vida pública de uma forma difícil de reverter. Uma das frentes da ofensiva da direita contra o governo de Claudia Sheinbaum no México apela precisamente a um fanatismo que lembra a tradição Yunque. O ator Eduardo Verástegui aparece recitando o terço em forma de X, atirando com um rifle em um alvo, criticando a Maçonaria e classificando as políticas de gênero e climáticas como "terroristas".

O fenômeno, em todo caso, se estende por diversos setores ideológicos. Nos últimos dias de crescente tensão com os Estados Unidos, Nicolás Maduro também capitalizou sobre a onda de fervor religioso. “Como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, eu, Nicolás Maduro Moros, voluntariamente, do Palácio de Miraflores, hoje, terça-feira, 18 de novembro de 2025, declaro que ratifico Nosso Senhor Jesus Cristo como Senhor e Mestre da Venezuela”, proclamou em uma cerimônia solene. Enquanto isso, influenciadores sinistros proliferam. “Vocês sabem por que quem me segue tem sucesso? Sabem por que quem me segue recebe críticas? Não… não é porque eu sou o maldito chefe… eu não sou o motivo. Porque quem me segue está, na verdade, seguindo Jesus”, escreveu ele na semana passada em uma publicação no Instagram que terminava com duas passagens do Evangelho de João. Sem o menor traço de ironia.

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