19 Agosto 2022
"Vale sempre crer que um pouco de luz desfaz toda uma escuridão e que a verdade escreve a verdadeira página de nossa história", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
A religião possui uma força política poderosa, confessa Samuel P. Huntington em seu discutido livro O choque de civilizações (1977), que hoje, com a nova guerra fria, se tornou novamente atual. Afirma ele: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que mobiliza as pessoas… O que em última análise conta não é tanto a ideologia política nem os interesses econômicos, mas as convicções religiosas de fé, a família, o sangue e doutrina; é por estas coisas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar as suas vidas” (p.79;47;54). Ele mesmo fazia pesada crítica à política externa norte-americana por nunca ter dado importância ao fator religioso. E teve que sentir na própria pele o terrorismo islâmico de fundo religioso.
Consideremos a situação do Brasil. Cito aqui a reflexão de uma pessoa inserida profundamente no meio popular com agudo sentido de observação. Vale a pena ouvir sua opinião pois pode ajudar na campanha para derrotar quem está desmontando nosso país.
Afirma ele: ”Temo que, apelando cada vez mais para o fator religioso, agitando o fantasma do 'comunismo = ateísmo' e da perseguição religiosa, o negacionista e o 'inimigo da vida' eventualmente possa ainda ameaçar de vencer a eleição”.
“Pois é inelutável reconhecer: o povo em massa é religioso até o osso (supersticioso, dirão os 'intelectuais', não importa). Ele vende o corpo e a alma pela religião, entendida de modo indistinto como 'essa coisa de Deus', sobretudo o brasileiro, sincretista que é. E esse apelo, não digo que seja bom, mas apenas que tem uma força tremenda e temo muito que possa ser decisiva no momento de decidir o voto.”
“Infelizmente, essa questão tem pouco peso na campanha do Lula e de seus aliados. Diria quase a mesma coisa com respeito aos dois outros valores que Bolsonaro e toda a 'nova direita' do mundo alardeiam: Deus, Pátria e Família, a trilogia do Integralismo que a velha esquerda não quer ver nem pintada. E no entanto é por aí que a nova direita está mobilizando as massas no mundo e também no Brasil.”
“E note-se como é fácil para um candidato da nova direita como Bolsonaro apresentar à massa eleitoral essa tríade: ele rezando (Deus), com bandeira do Brasil (Pátria) e com Michelle ao lado (Família), três cenas de comoção garantida e atração irresistível para o povão. Quem pode ser contra a reza, a bandeira verde-amarela e uma esposa (sobretudo se é bem feminina)?”
“Os intelectuais podem falar o que quiserem contra esse populismo de direita. Mas que funciona, funciona. E é isso que importa à direita, e acho que deveria importar também à esquerda, sem ofensa à ética, pois dá perfeitamente para defender essas três bandeiras, outrora integralistas, como valores morais, à condição, contudo, de não serem excludentes: dos sem religião, das outras pátrias e dos LGBT+, respectivamente.”
“Mas mesmo que ganhe o Lula, o que as pesquisam indicam, a questão das três bandeiras acima permanecerá. E os bolsonaristas continuarão a agitá-las, como as está agitando a nova direita em todo o mundo (veja Trump, Putin, Le Pen, Salvini et caterva). E é a 'bandeira Deus', sobre todas as outras, que ser vai mais politizada pela nova direita, e isso tanto mais quanto menos a velha esquerda digeriu essa questão e quanto menos atenção a própria Igreja, progressista ou liberacionista que seja, parece dar a mudança de Zeitgeist (do espírito do tempo), designado como pós-moderno.”
O grande desafio da campanha da coligação ao redor de Lula/Alckmin, que é também das Igrejas cristãs históricas, principalmente da Católica, é como atrair estas massas, manipuladas e ludibriadas pelas igrejas pentecostais, para os valores do Jesus histórico, muito mais humanitários e espirituais do que aqueles apresentados pelos “pastores e bispos” autoproclamados e verdadeiros lobos em pele de ovelha. Estes usam a lógica do mercado, da propaganda e estilos que contradizem diretamente a mensagem bíblica e de Jesus, pois utilizam-se diretamente da mentira, da calúnia, da fake news.
Vale mostrar a estes seguidores das Igrejas pentecostais como o Jesus dos evangelhos sempre esteve do lado os pobres, dos cegos, dos coxos, dos hansenianos, das mulheres doentes, e os curava. Era extremamente sensível aos invisíveis e aos mais vulneráveis, homens ou mulheres, enfim, àqueles cujas vidas viviam ameaçadas. Vale muito mais o amor, a solidariedade, a verdade, e acolhida de todos sem discriminação, como os de outra opção sexual, vendo nos negros, quilombolas e indígenas nossos irmãos e irmãs sofredores. Importa se solidarizar com eles e estar junto com eles para fazerem o seu próprio caminho. Esse comportamento vale muito mais que o “evangelho da prosperidade” de bens materiais que não podemos carregar para a eternidade e, no fundo, não preenchem nossos corações e não nos fazem felizes. Ao passo que os outros valores do Jesus histórico vão conosco como expressão de nosso amor ao próximo e a Deus e nos trazem paz no coração e uma felicidade que ninguém nos pode roubar.
Logicamente, importa desfazer as calúnias, rebater as falsificações e, eventualmente, usar os meios disponíveis para incriminá-los juridicamente.
Vale sempre crer que um pouco de luz desfaz toda uma escuridão e que a verdade escreve a verdadeira página de nossa história.
O Brasil merece sair desta devastadora tempestade e ver o sol brilhar em nosso céu, devolvendo-nos esperança e alegria de viver.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A importância do fator religioso nas atuais eleições presidenciais. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU