19 Outubro 2020
"A segunda rodada da pesquisa IBOPE mostra uma expressiva melhora no desempenho dos candidatos petistas no Rio e em São Paulo no segmento evangélico", escreve Alexandre Brasil Fonseca, sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Duas semanas. Esse foi o tempo necessário de campanha eleitoral para que as candidaturas à prefeitura apresentadas pelo PT nas duas maiores capitais do país - no Rio com Benedita da Silva e em São Paulo com Jilmar Tatto - afastassem o propalado "antipetismo evangélico", afirmado tanto por alguns intelectuais de esquerda como também por muitos pastores com forte presença na mídia e que têm assumido de forma declarada uma posição à direita no espectro político.
Pregações têm ocorrido há várias semanas com afirmações peremptórias que evangélicos não podem votar em partidos de esquerdas. Correntes têm circulado pelos aplicativos de mensagens com o mesmo tom, o qual foi assumido e reafirmado em matéria recentemente publicada pela Folha Universal.
À esquerda o que se vê são algumas iniciativas, ainda distante em relação ao aporte de recursos, mas significativas em relação à pluralidade de movimentos e organizações envolvidas. Matérias de jornais têm abordado a existência de coletivos que se reuniram para o lançamento de candidaturas evangélicas a vereador, como no caso dos Cristãos contra o Fascismo ou da Bancada Evangélica Popular.
As ações partidárias têm se multiplicado e cada vez mais existem grupos organizados, sejam os Evangélicos Trabalhistas no PDT, a Primavera Ecumênica no PSOL ou o Cidadania Evangélica no Cidadania. O Núcleo de Evangélicas e Evangélicos do PT (NEPT) foi criado há alguns anos e possui atuação nacional. O PT anunciou que terá, segundo recente matéria publicada no Estadão, um pouco mais de 2 mil candidaturas de pessoas pertencentes a igrejas evangélicas nessas eleições.
A coordenação do NEPT é exercida pela Deputada Benedita da Silva. Evangélica que é um quadro histórico do partido e que nessas eleições enfrenta o desafio que é ser candidata à prefeitura na cidade do Rio de Janeiro, após ter sido a única deputada federal eleita pelo partido no Estado em 2018. Para a sua candidatura a recente pesquisa divulgada pelo IBOPE no dia 15 de outubro trouxe motivos de alegrias para com os seus irmãos e irmãs de fé, vendo o seu percentual de votos triplicar no segmento.
Curioso é que situação semelhante ocorreu em relação à candidatura de Jilmar Tatto em São Paulo, político que na juventude participou das Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica, demonstrado que, talvez, a maior declaração de voto obtida por Benedita no segmento evangélico não tenha necessariamente relação com a afinidade religiosa, mas sim com os resultados esperados de uma campanha junto à população. Da parte de Tatto o candidato recebeu logo no início da corrida eleitoral uma carta de apoio de lideranças evangélicas e viu o seu percentual de votos neste segmento crescer mais do que a sua intenção de voto para o conjunto da população na cidade de São Paulo na segunda pesquisa realizada pelo IBOPE. Esses números podem ser consultados no gráfico abaixo:
Um ponto central que parece ser ignorado por boa parte dos analistas é que nas pesquisas em que é questionada a preferência eleitoral da população e onde há o recorte de religião, evangélicas e evangélicos tem uma aceitação similar ao conjunto da população em relação ao PT. Não há um antipetismo evangélico natural. O que há é um forte e significativo investimento de setores junto a esse grupo, há vários anos, visando minar este segmento em relação a qualquer posição à esquerda. Isso não é uma realidade nova e é parte importante da história norte-americana, por exemplo.
Não é novidade a forte relação com as missões da América do Norte para com a religião evangélica no Brasil. No início do ano vimos a atualização dessa relação com a realização do evento “The Send”. Ações no campo da política externa norte-americana também têm sido realizadas, particularmente no âmbito da Aliança Internacional para Liberdade Religiosa, iniciativa liderada por Mike Pompeo, um presbiteriano que foi diretor da CIA e que é Secretário de Estado dos EUA.
Mais do que afirmar a incompatibilidade de evangélicos em votarem na esquerda, o que vemos nos Estados Unidos, questão ainda não tão evidente no Brasil, é a afirmação de que ser evangélico é sinônimo de assumir o liberalismo econômico e a defesa do capitalismo. No caso americano ainda há uma defesa da pátria, a questão de ser pró-família e a revisitação do Destino Manifesto de que aquele país seria escolhido por Deus, lógica que serviu para justificar o genocídio das populações originárias.
Com nosso passado colonial e fortemente católico, para a tristeza de alguns, é inviável uma transposição direta de discursos. Com isso por aqui o foco tem sido mais recorrente em relação à pauta moral-conservadora. Há ainda uma exaltação da cultura norte-americana e de um lugar judaico-cristão de defesa dos valores e dos “cidadãos de bem”.
Vivemos em um país que foi berço de uma proposta teológica cristã diametralmente oposto à vivenciada nos Estados Unidos com a Teologia da Libertação e, mesmo no seio do movimento evangélico, foi a partir da América Latina que a Teologia da Missão Integral ofereceu novas leituras e propostas que questionaram e questionam essa artificial relação entre cristianismo e capitalismo.
Importante sublinhar que essa relação foi sendo forjada desde, pelo menos, o início do século 20 a partir da ação de um amplo conjunto de empresas e corporações que atuam de forma próxima com organizações missionárias, igrejas, instituições de ensino, de pesquisa e organizações com o objetivo de difundir seu ponto de vista e buscar hegemonia.
Aos poucos vemos a tentativa de se estabelecer esse discurso no Brasil, que já é bem acolhido e adotado por segmentos evangélicos mais brancos, com maior nível de renda e com maior escolaridade. Aqui temos um ponto central. O típico evangélico branco norte-americano eleitor de Trump, onde este alcança 80% das intenções de voto, é o mesmo típico eleitor de Bolsonaro, sendo que no caso brasileiro este eleitor representa uma parcela menos significativa dos evangélicos e menos fidelizada à um partido.
Certamente há um segmento evangélico no Brasil que é antipetista, como há em outros recortes. No caso evangélico são esses segmentos médios, com escolaridade média e superior, branco e com renda entre 2 e 5 salários-mínimos. Nesse segmento, mais batista e presbiteriano, o não-voto no PT acontece desde sempre. As resistências desse segmento da população são bem visíveis e são as mesmas encontradas em setores com o mesmo perfil entre os espíritas e católicos.
A religião é um componente importante para o estabelecimento tanto de uma rede orgânica, como também na definição de uma narrativa. Isso é obviamente explícito nas estratégias e abordagens que têm sido adotadas por Bolsonaro e seus apoiadores. É o velho dilema do que vem primeiro, se é a adesão a esse discurso ou se é uma campanha direcionada ao segmento que acaba por corporificar esse apoio. Um ponto que não pode ser ignorado é que há muito trabalho neste processo, investimento de tempo, recursos financeiros e humanos, para que haja essa sinergia. Essa é uma questão que não pode ser ignorada ou minimizada em qualquer análise.
A multiplicidade da comunidade evangélica é outra afirmação recorrente e sempre é preciso lembrar que as pessoas também são múltiplas. Tanto entre evangélicos, como em qualquer outro segmento da sociedade. Ninguém carrega consigo somente uma identidade e é impossível considerar de forma isolada os diferentes recortes sociodemográficos.
Os dados detalhados da segunda rodada de pesquisas do IBOPE divulgada ontem para o Rio de Janeiro e São Paulo revelam um crescimento expressivo dos candidatos do PT entre evangélicos. Se na primeira pesquisa, em 2 de outubro, os resultados desses candidatos, entre evangélicos, foi menor do que o obtido na população em geral, esse quadro altera-se na pesquisa divulgada no dia 15 de outubro. Tanto a candidatura de Jilmar Tatto quanto a de Benedita da Silva tiveram crescimento acima da margem de erro entre os evangélicos das duas cidades e chegarem a percentuais maiores nesse segmento do que no conjunto da população. Situação que tende a repercutir em direção a um processo de crescimento mais amplo dessas campanhas.
É óbvio que virá uma reação das outras candidaturas e de lideranças evangélicas que continuam a afirmar que são donas do segmento. É o velho “teatro da política”, onde estes afirmam terem poderes e capacidades efetivamente menores do que aquilo que entregam efetivamente para as candidaturas que apoiam. O voto evangélico, como qualquer voto, é mobilizado por um amplo conjunto de fatores, conhecimentos, valores e sentimentos. O grande desafio de uma campanha é se comunicar e estabelecer a confiança necessária que leve a uma tomada de decisão que tenha como resultado a adesão, o apoio e o voto em uma candidatura.
Com esse quadro o que se pode esperar nas próximas semanas é uma intensificação das ações das outras candidaturas junto a este segmento. A considerar o que vimos na campanha de 2018, há uma grande possibilidade de serem acionadas estratégias que passam pelo ataque direto e pela disseminação da desinformação nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. A grande pergunta que fica para 2020 é se o PT, dessa vez, conseguirá agir e reagir de forma eficiente, dando a merecida e devida atenção à este segmento e se mostrando capaz de inocular os ataques que certamente virão de vários lados e de várias formas. Essa é uma questão que as lideranças do PT precisam lidar com atenção e vagar.
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O PT e o voto evangélico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU