18 Novembro 2025
Um relatório da CAF e do Tide Centre da Universidade de Oxford indica que a região está ainda mais atrasada do que a Ásia e a África em termos de investimento no desenvolvimento baseado no potencial biológico.
A reportagem é de Maria Mónica Monsalve S., publicada por El País, 18-11-2025.
A biodiversidade como aliada do desenvolvimento vai além do dilema de conservá-la ou extraí-la. Nos países da América Latina e do Caribe, cercados por diversidade em todas as suas formas, plantas, animais, paisagens e potencial genético também deveriam ser fonte de inspiração para o progresso. Essa é a conclusão de um relatório do CAF e do Tide Centre da Universidade de Oxford, lançado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém do Pará, Brasil. Na região que abriga mais da metade da biodiversidade do planeta, a natureza tem sido vista como "algo a ser preservado, não algo do qual se possa aprender", ignorando seu potencial para fomentar uma sociedade mais inclusiva e resiliente.
“A biodiversidade não é apenas um recurso natural a ser preservado”, esclarece o relatório. “É também uma fronteira produtiva a ser cultivada, capaz de fortalecer a transformação estrutural, o emprego de qualidade e a resiliência ambiental.” E embora, recentemente, países e líderes da região tenham explorado diferentes abordagens, examinando como transformar a biodiversidade em um recurso potencial que não seja antagônico à economia — ou mesmo como mudar o que se entende por crescimento econômico em si —, persiste uma concepção errônea fundamental: a de que a biodiversidade deve ser extraída e utilizada. Em vez disso, o que a bioinspiração, como é chamada, propõe é basear nosso desenvolvimento nos “princípios de design da natureza, em vez da extração contínua”.
O relatório indica que já existem caminhos que nos conduzem a esse objetivo. Na América Latina e no Caribe, por exemplo, mais de 250 programas de pagamento por serviços ambientais foram implementados desde 1990. E, por meio do ecoturismo, 3,5 milhões de empregos foram criados até 2018. Países como Argentina, Brasil, Colômbia e Costa Rica também publicaram estratégias de bioeconomia para promover o desenvolvimento sustentável. Mas a bioinspiração vai além. Ela envolve evitar a visão da biodiversidade como uma mera mercadoria para troca ou comércio. “Nem toda bioeconomia é voltada para o desenvolvimento”, afirma o relatório. “Se não for controlada, partes da bioeconomia podem simplesmente biologizar o extrativismo tradicional, substituindo matérias-primas fósseis por biológicas, mantendo a apropriação desigual de valor, o aprendizado incipiente e a pressão ecológica.”
Amir Lebdioui, professor do Centro TIDE e autor do artigo, deixa claro o potencial da bioinspiração em uma declaração: “Os países em desenvolvimento abrigam a maior parte da biodiversidade do planeta, uma vasta biblioteca de inteligência biológica construída ao longo de 3,4 bilhões de anos de evolução. No entanto, esse patrimônio extraordinário permanece em grande parte inexplorado para o desenvolvimento local e a inovação sustentável.”
Mais verbas para pesquisa e biodiversidade
A América Latina e o Caribe são uma região de paradoxos, e este caso não é exceção. Apesar das condições favoráveis para a busca de soluções relacionadas à biodiversidade, o investimento em pesquisa e desenvolvimento é extremamente baixo. Representa apenas 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da região, abaixo da média global de cerca de 2%. Além disso, esse investimento provém de recursos públicos, o que impõe uma restrição fiscal. Para sanar essa lacuna, a Tide e a CAF defendem que o investimento em pesquisa e desenvolvimento deve aumentar dos atuais US$ 35 bilhões para pelo menos US$ 130 bilhões anualmente.
Essa falta de investimento se traduz em obstáculos práticos, como acesso limitado à infraestrutura de pesquisa, falta de oportunidades para que as pessoas se profissionalizem nessas áreas e completa falta de coordenação. O Pacífico, o Caribe e a Amazônia, por exemplo, têm a menor densidade de laboratórios, universidades de pesquisa e financiamento para inovação, apesar de possuírem a maior biodiversidade.
O relatório também enfatiza este último ponto: o financiamento da biodiversidade. Explica, em mais um paradoxo, que embora os gastos com biodiversidade na América Latina e no Caribe tenham superado os de outras regiões — aumentando seis vezes, de aproximadamente US$ 500 milhões para mais de US$ 3 bilhões em 2017 — eles se concentraram quase exclusivamente na conservação. Quando categorizados sob o guarda-chuva do financiamento para o desenvolvimento relacionado à biodiversidade, ficam ainda atrás da Ásia e da África, com “uma média de US$ 3,2 bilhões anualmente na última década”.
“Por muito tempo, o financiamento da biodiversidade se concentrou principalmente na conservação, e não nos meios de subsistência”, observou Alicia Montalvo, Gerente de Ação Climática e Biodiversidade Positiva do CAF. “Embora esses esforços continuem sendo essenciais, eles não são suficientes. Bancos de desenvolvimento como o CAF têm um papel único a desempenhar na integração dessas duas agendas.”
A inovação, insistem, é o “elo perdido na transformação estrutural da América Latina e do Caribe”. Para fomentá-la, simplesmente possuir biodiversidade não basta: essa perspectiva levou os países a se limitarem à exportação de matérias-primas. O potencial científico para estudar, compreender e analisar essa biodiversidade também deve ser considerado, juntamente com o apoio econômico que permita aos latino-americanos e caribenhos decifrar seus enigmas e traduzi-los em soluções.
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