18 Novembro 2025
Diante da emergência climática, plano do governo federal deveria incluir degradação florestal, alinhar metas com estados e aprimorar crédito rural, dizem pesquisadores em Belém.
A informação é de Fábio Bispo e Ana Magalhães, publicada por InfoAmazônia, 17-11-2025.
Apesar de o plano do governo federal de desmatamento ilegal zero até 2030 contar com equipe interministerial, ser abrangente e ter conseguido reduzir a taxa de destruição da floresta no último ano, cientistas ouvidos pela InfoAmazonia na COP30 vêem pontos que podem ser melhorados. E avaliam que, diante de um cenário emergencial do aquecimento global, o Brasil deveria ser mais ousado e ampliar suas metas.
Entre os problemas destacados pelos pesquisadores, estão a previsão de zerar apenas o desmatamento ilegal (sem considerar o legal), a não consideração da crescente degradação florestal, a falta de sincronicidade entre as metas do governo federal e a dos estados, além do fato de o plano do governo brasileiro não prever melhoria e controle no financiamento bancário a produtores rurais.
Anunciada pelo presidente Lula durante a COP27, no Egito, e posteriormente publicada em janeiro de 2023 dentro da 5ª fase do PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), a meta do governo prevê desmatamento ilegal zero até 2030 e uma compensação do desmatamento legal por meio da regeneração de áreas degradadas.
Em 2024, durante a COP29, em Baku (Azerbaijão), a meta foi incluída na Contribuição Nacionalmente Determinadas (NDC) brasileira, como parte dos esforços para cumprimento do Acordo de Paris, que busca estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC. Ainda não há, no entanto, um número oficial, em hectares ou quilômetros quadrados, de qual seria o desmatamento legal aceito dentro do plano. Isso já é um problema em si, como afirma a pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito.
Há, no entanto, quem veja problemas maiores. É o caso de um dos maiores especialistas em clima do país, o pesquisador e professor Carlos Nobre – o primeiro brasileiro a alertar sobre o ponto de desertificação da Amazônia na década de 1990 (hoje chamado de ponto de não retorno, limite crítico em um sistema que marca a passagem para um estado irreversível, em que a floresta não consegue mais se regenerar). Nobre defende que a meta do governo deveria ser de desmatamento total zero até 2030.
“Nós temos que ter um projeto de lei que proíba qualquer desmatamento em qualquer bioma brasileiro, agora e por muitas décadas, senão nós vamos passar dos pontos de não retorno desses biomas [Amazônia, Pantanal, Cerrado e Caatinga]”. Segundo Nobre, há uma chance de esse ponto de não retorno da Amazônia ser alcançado entre 2050 e 2070. Se isso acontecer, haveria um efeito cascata nos demais biomas – impactando as plantações do Centro-Oeste, do Sudeste e do Sul do país.
“Se passarmos desse ponto de não retorno, nós também vamos reduzir muito os chamados rios voadores, que é o transporte de umidade também para o Sudeste. Vai ser uma super degradação da Mata Atlântica e nós vamos perder mais de 50% do Cerrado.” Por isso, completa ele, a necessidade de uma meta mais ambiciosa do que a já apresentada pelo governo. Nobre vem alertando há anos, e, na COP30, tem tentado ser mais taxativo: “Se chegarmos nesse ponto, o Brasil não mais será o grande produtor de alimentos. É mais um enorme risco para toda a economia brasileira e para a sociedade brasileira, o Brasil vai se tornar um país mais pobre ainda”.
Os argumentos de Carlos Nobre se baseiam na atual configuração do desmatamento legal brasileiro. Na Amazônia, ele pode ser de até 20% da área de uma propriedade. Em outros biomas, no entanto, esse percentual é maior, chegando a 50% no Pantanal, por exemplo. “Essa COP tem que ser muito importante em combater essa emergência, isso significa não deixar a temperatura passar muito de 1,5ºC”.
O problema de não incluir degradação florestal
Outro ponto considerado grave é a degradação florestal não estar nas metas do governo – e nem na contabilidade oficial de desmatamento.
Um pesquisador do INPE explicou que a medição de desmatamento feita pelo programa Prodes, que gera as taxas anuais e que apoia políticas públicas, é conservadora. Só há o registro de desmatamento quando a área afetada não tem mais árvore, não tem mais estrutura nem cobertura de floresta, quando chega no limite, apresentando menos de 30% de cobertura florestal. Já a degradação é um processo contínuo – que vai acontecendo pouco a pouco, ou por queimadas, ou por exploração seletiva de madeira, por exemplo.
A questão é que a degradação pode vir a se tornar desmatamento. Segundo a fonte do INPE, a Amazônia era muito resiliente, porque tinha muita umidade. Mas, nos últimos anos, com as grandes secas e o aquecimento climático, o fogo entra na floresta. Uma mesma área, com três queimadas sucessivas, por exemplo, pode vir a perder mais de 70% da cobertura florestal, e só aí que entra no cômputo do desmatamento mapeado pelo programa oficial.
Se por um lado os números recentes do Prodes mostram queda de 11% no desmatamento oficial entre agosto de 2024 e julho de 2025 comparado ao período anterior a área desmatada na Amazônia atingiu 5.796 km² de agosto de 2024 a julho de 2025, o que representa queda de 11,08% em relação ao período anterior, de agosto de 2023 a julho de 2024, segundo estimativa do sistema Prodes., por outro a degradação florestal vem aumentando. No ano passado, a Amazônia registrou uma área degradada de mais de 2.500.000 hectares, aumento de 44% em relação a 2023 e 163% em relação a 2022, segundo artigo publicado na revista Global Change Biology por cientistas do INPE em parceria com a Universidade de São Paulo e instituições do Reino Unido e dos Estados Unidos. Uma das principais causas da degradação é o fogo.
Enquanto a taxa anual de desmatamento do governo foca no corte raso (quando há eliminação total de árvores), outras ferramentas e plataformas fazem medições menos conservadoras – considerando, além do desmatamento, a destruição causada pelas queimadas, por exemplo. É o caso dos dados da Universidade de Maryland, disponibilizados na plataforma Global Forest Watch. Ali, o conceito usado é de “perda de floresta primária”. Ou seja, tudo o que gera perda de floresta entra no cômputo. E os números são alarmantes.
Os dados da Universidade de Maryland analisados pela Amazon Conservation mostram que o Brasil perdeu 2.831.503 hectares de floresta primária no ano passado, sendo que o fogo atingiu mais da metade dessa área, afetando diretamente 1,9 milhão de hectares. Esse impacto foi o maior já registrado desde 2002, superando o recorde anterior de 2016 (1,6 milhão de hectares), segundo o relatório 229 do programa de monitoramento Andes Amazônia (MAAP).
Os principais pontos de pressão coincidem com fronteiras agrícolas da soja e da pecuária, especialmente ao longo da BR-163 (no Pará e Mato Grosso), e nas BR-230 (Transamazônica), BR-319 e BR-364, que cruzam áreas de expansão agropecuária em Rondônia, sul do Amazonas e Acre. O fogo também afetou 751 mil hectares nas terras indígenas e mais de 372 mil hectares em unidades de conservação.
A perda de floresta nativa também cresceu em toda a Pan-Amazônia, que inclui nove países. Somando desmatamento e fogo, a Amazônia toda perdeu 4,5 milhões de hectares de florestas primárias somente em 2024. Brasil e Bolívia responderam por 95% das áreas queimadas no ano.
Desde 2002, ou seja, em mais de duas décadas, o MAAP estima que 33,7 milhões de hectares de floresta primária foram perdidos – dos quais 10,6 milhões foram impactados por fogo em toda a Amazônia. Isso significa que os incêndios já respondem por cerca de um quarto da perda acumulada de floresta nativa.
O relatório alerta que, como vetor de destruição, a degradação causada por incêndios está se tornando tão importante quanto o desmatamento na Amazônia.
“2024 foi particularmente forte em termos de fogo e queimadas e acho que talvez exista um pouco de cegueira do governo nesse ponto, de se apegar muito a uma definição mais restrita do que é desmatamento”, analisa Blaise Bodin, diretor de Estratégia e Políticas do Amazon Conservation.
Ele destaca que outras iniciativas já integram e consideram a degradação e as queimadas, como um acordo que foi fechado entre o Pará e uma coalizão de compradores de créditos de carbono pela redução do desmatamento. “Nessa metodologia, por exemplo, que é usada pelo mercado voluntário de carbono, os incêndios vão afetar os resultados, porque leva em conta a degradação”.
O governo lançou – e o Congresso Nacional aprovou em julho de 2024 – a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo – como parte do plano de desmatamento ilegal zero e já teve resultados. No entanto, ignorar a degradação que vira desmatamento segue sendo um problema. A InfoAmazonia procurou o Ministério do Meio Ambiente e do Clima e a Casa Civil do governo federal para comentar as críticas, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Outro ponto importante é que as queimadas, para além da destruição da vegetação, são importantes emissoras de gás carbônico – o que pode vir a prejudicar o plano de redução dessas emissões. O aquecimento global e o aumento das temperaturas deixam a floresta mais seca e inflamável, jogando ainda mais lenha na fogueira e alimentando um ciclo vicioso.
“Uma observação fundamental a enfatizar é a aparente importância dos anos de incêndio do El Niño e a importância de planejar para os anos futuros. E a probabilidade de que as mudanças climáticas possam tornar os anos “normais” mais parecidos com o El Niño”, diz Matt Finer, pesquisador sênior e diretor do MAAP.
A importância de alinhar metas com os estados da Amazônia Legal
Os pesquisadores do Imazon Brenta Brito e Paulo Barreto estudaram as metas divulgadas pelos 9 estados da Amazônia Legal, além do plano do governo federal. A conclusão mostra que algumas metas regionais estão em desacordo com o plano nacional. “O Pará lançou um plano em 2020 prevendo que o desmatamento legal no estado será de até 1.538 km² em 2030. O problema é que a meta brasileira, pelas nossas contas, é metade disso na Amazônia inteira. Ou seja, falta um alinhamento”, diz Brito, destacando a importância de a COP ser um espaço para esse diálogo com os estados. “Seria melhor que todo mundo falasse a mesma língua”.
A pesquisadora da Universidade Federal do Pará destaca que ela fez as contas de quanto seria o desmatamento legal em 2030 em toda a Amazônia com base nos planos de clima setoriais divulgados em julho desse ano – porque, oficialmente, o governo brasileiro ainda não divulgou essa metragem, o que também é um problema. “Pela nossa conta, o desmatamento legal na Amazônia teria que baixar a 700 km² em 2030. Mas aonde vai ser isso? Qual estado vai ter maior participação nisso? Acho que essas conversas nunca ocorreram.”
O estudo publicado pelos cientistas do Imazon destaca que apenas quatro estados possuem metas de desmatamento e somente dois deles são mensuráveis. “Em alguns casos, provavelmente, muitas vezes os governos só vão adotar metas para dentro do seu mandato. Eles estão olhando para 2026, 2027. É importante ter instrumentos adotados, como decretos estaduais, que olhem mais para frente para que a gente possa alinhar esses objetivos”, conclui.
O problema de quem financia o agro
Atividades agropecuárias, como plantações de soja e criação de gado, estão entre os principais fatores de desmatamento da Amazônia. O problema é que bancos estrangeiros, públicos e nacionais vêm concedendo crédito rural a fazendeiros com a “ficha ambiental suja” e em desacordo com o Manual do Crédito Rural, que dita as normas desse tipo de financiamento, conforme revelou levantamento do Greenpeace publicado em 2024.
De acordo com o relatório Bancando a Extinção, foram identificadas 10.074 propriedades inseridas parcial ou totalmente em Unidades de Conservação, sendo 41 delas em áreas de proteção integral (onde não deveria haver nenhuma atividade econômica), 24 propriedades sobrepostas parcial ou totalmente a sete terras indígenas e 21.692 imóveis que incidem sobre florestas públicas não destinadas (terras sob domínio da União).
Além disso, foram encontrados 798 imóveis financiados com áreas embargadas pelo Ibama (medida punitiva do desmatamento ilegal que impede que qualquer atividade aconteça na área para que a floresta regenere). Em resumo: dinheiro do contribuinte brasileiro pode estar indo a desmatadores ilegais ou a fazendeiros com áreas sobrepostas a terras indígenas ou a unidades de conservação para criação de gado ou plantio de soja – atividades que geram desmatamento e agravam a emergência climática.
O governo brasileiro chegou a implementar normas um pouco mais rígidas em 2024. No entanto, ainda há pontos a serem melhorados, alertam especialistas.
“O Banco Central reforçou algumas regulações, inclusive nos últimos anos, colocando por exemplo vedação de crédito para imóvel que está sobreposto à floresta pública não destinada. Tivemos avanços, mas eu acho que sempre pode ir além”, afirma Brito. Ela destaca haver outras modalidades de financiamento ao agronegócio que não entram nas normas, como as Letras de Créditos ao Agronegócio (LCAs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
Investigações têm mostrado pouco controle e transparência nessas modalidades de financiamento e que os recursos ligados a LCAs e aos CRAs estão indo a violadores socioambientais. Além disso, há a proibição da concessão de crédito rural a fazendas sobrepostas apenas a Terras Indígenas homologadas – as delimitadas mas ainda não formalizadas estão fora da regra, ponto também criticado por especialistas e que incentiva o desmatamento em territórios de povos originários.
Leia mais
- “Negociadores, venham até nós”: cientistas fazem apelo após vazio em pavilhão na COP30
- COP30 terá de ser a mais importante de todas as conferências do clima, diz Carlos Nobre
- “Mapa do Caminho” para fim dos combustíveis fósseis tenta driblar resistências na COP30
- O que a COP30 tem que entregar para não fracassar
- Brasil articula frente latino-americana de países para a COP30
- COP30: Pensar a América Latina com mapas abertos. Artigo de Antônio Heleno Caldas Laranjeira
- COP30 começa hoje: entenda o que está em jogo e o que podemos esperar
- Críticas a Trump, lobby fóssil e falta de ambição climática marcam Cúpula de Líderes
- COP30: “A era dos belos discursos e boas intenções acabou”, escreve Lula
- A COP30 precisa planejar o fim dos combustíveis fósseis
- COP30 será “hora da verdade” contra a crise climática, diz Lula na ONU
- Fim dos combustíveis fósseis fica de fora do discurso de Lula na ONU
- No país da COP30, mais petróleo, mais gás, mais carvão. Artigo de Alexandre Gaspari
- Voos de equipes da Petrobras evitam Belém durante COP30
- COP não atingiu propósito para qual foi criada, dizem especialistas
- Alto lá, esta terra tem dono: atrocidades do país da COP30. Artigo de Gabriel Vilardi
- Abandono de combustíveis fósseis volta ao radar da COP30
- A caminho da COP30: entre a retórica da eliminação dos combustíveis fósseis e a perfuração na Amazônia