11 Novembro 2025
SOS efeito bumerangue. "Há motivos para preocupação pela última invenção de Donald Trump. O presidente decidiu proteger a população cristã contra a violência de viés islâmico na Nigéria. Trump já usou diversas vezes a retórica da proteção dos cristãos perseguidos para falar ao seu eleitorado mais fiel: o evangélico conservador", afirma o padre Giulio Albanese, comboniano, chefe da Cooperação Missionária no Vicariato de Roma e membro da Secretaria de Estado do Vaticano do Conselho para as Relações com as Organizações Internacionais e os Estados.
"Pode parecer uma intervenção 'humanitária' ou de segurança internacional. Mas, se analisarmos mais a fundo, a ação do líder americano faz parte de uma estratégia política e de comunicação mais ampla, que tem pouco a ver com a Nigéria em si e muito a ver com a política interna estadunidense", acrescenta o fundador da mais importante agência de informação missionária (Misna). No Quênia, ele dirigiu o New People Media Centre, e seu livro mais recente se intitula "Afriche, inferno e paradiso" (Lev).
A entrevista com Giacomo Galeazzi, é publicada por La Stampa, 08-11-2025.
Por que Trump é um bumerangue para os cristãos africanos?
Apresentar-se como defensor da civilização cristã e do Ocidente o ajuda a consolidar consensos em seu país, não tanto a resolver conflitos na África. A Nigéria serve a uma narrativa simbólica: um país com um equilíbrio quase perfeito entre cristãos e muçulmanos, mas onde a violência jihadista pode ser facilmente apresentada como uma ameaça ao cristianismo. Como era de se esperar, a intervenção de Trump não foi bem recebida na Nigéria.
Qual é a reação da África?
Recebi inúmeras ligações, e a reação de Daniel Bwala, assessor do presidente Bola Ahmed Adekunle Tinubu, é emblemática. Ele respondeu com frieza e diplomacia, enfatizando que qualquer intervenção militar deverá ser feita em estreita cooperação com as autoridades locais e reiterando que a Nigéria continua sendo um Estado soberano. O assessor esclareceu que os grupos jihadistas nigerianos não operam segundo lógicas religiosas, mas atacam indiscriminadamente indivíduos de diferentes religiões ou sem religião alguma. Confirmo que os jihadistas do Boko Haram assassinam qualquer um que se oponha a seu delírio de onipotência.
Um erro de perspectiva ou uma instrumentalização?
Massad Boulos, conselheiro de Trump para a África, repete que os jihadistas locais matam mais muçulmanos do que cristãos. Quando se fala de cristãos perseguidos, surge o equívoco. Cada vez que um ataque terrorista contra uma comunidade cristã é perpetrado na África ou no Oriente Médio, a notícia provoca clamor, mas as causas das perseguições não são reveladas, tanto nos países onde ocorrem (ideologias dominantes, políticas perversas, legislações arcaicas), quanto no contexto de uma globalização, que é terreno fértil para dinâmicas desse tipo.
O protagonismo EUA complica em vez de resolver?
Trump ignora fatores que interagem entre si. Ele carece de discernimento sobre as escolhas a serem feitas, portanto na África não acontecerá a virada necessária: ou seja, redenção, afirmação de direitos e mudança. As perseguições religiosas, especialmente de viés islâmico, ocorrem em diversas áreas da África onde a adesão a uma crença e os atos subsequentes são um crime que deve ser punido.
No que Trump está errando?
Não basta identificar vítimas e perpetradores. Devem ser analisadas as razões subjacentes que alimentam atos criminosos que causam sofrimento indizível. O que está em jogo é grande. Corre-se o risco de desencadear o choque de civilizações desejado pelos extremistas. Grupos jihadistas instrumentalizam a religião para fins subversivos. É errado e perigoso reduzir a galáxia das forças de inspiração jihadista exclusivamente à perspectiva de uma luta global contra o Ocidente, sob uma estrutura de comando centralizada indicada como Al-Qaeda ou ISIS.
Quais repercussões teme?
Trump não consegue perceber a complexidade do fenômeno das perseguições: questões locais entram em jogo, específicas para cada estado onde as células subversivas operam. O movimento al-Shabaab na Somália ou os Boko Haram na Nigéria se inspiraram nos conflitos em curso em seus respectivos territórios entre as oligarquias locais pelo controle do território e do poder. Esses grupos sempre atacaram qualquer um que se opusesse ao seu projeto de impor a Sharia, a lei islâmica: muçulmanos, cristãos, animistas. Os terroristas atacam igrejas e instituições para obter repercussão em nível mundial. A escolha dos momentos é evidente: al-Shabaab no Quênia após a intervenção militar do governo de Nairóbi na Somália, ou o Boko Haram na Nigéria e em Camarões. Mensagens mortíferas, inspiradas por uma ideologia oposta ao sentimento religioso e espiritual dos monoteísmos.
A Nigéria seria um pretexto?
Grupos criminosos operam em vários focos de tensão no continente africano. Eles são ativos no triângulo geográfico entre Níger, Mali e Burkina Faso, dentro do vasto perímetro da região do Sahel. E no setor oriental da República Democrática do Congo (Kivu do Norte) ou no norte de Moçambique. Existem muitos outros países islâmicos na África onde os cristãos enfrentam situações difíceis determinadas pelas limitações impostas pelos distintos sistemas jurídicos, que restringem severamente as liberdades dos cristãos no âmbito de trabalho e do ‘direito civil’.
A que países se refere?
Do Marrocos, onde a presença cristã se reduz a um 'pequeno remanescente' sem qualquer pretensão de proselitismo, taxativamente proibido pela legislação vigente no país, à Argélia, terra de mártires, onde a comunidade cristã prestou seu tributo com sangue contra o terrorismo ao lado da população indefesa. No Egito, também, o cristianismo copta está sujeito às restrições legais sancionadas na Constituição, que, embora garanta a liberdade religiosa, proclama o Islã como a principal fonte legislativa, condenando a apostasia como crime de alta traição. O dissenso político é reprimido e a construção de um local de culto para cristãos exige um desgastante processo burocrático.
E o 'escudo' EUA?
Existe uma enorme diferença entre falar de perseguições e vivenciar de perto seu drama, olhando nos olhos daqueles que, dia após dia, sobrevivem naquela condição extrema. Para realmente entender, é preciso estar lá, ver, ouvir e tocar com a mão. Acabei de voltar de um país africano de esmagadora maioria muçulmana. A catedral local está reduzida a um monte de escombros. Jamais esquecerei o horror que vi. Não às instrumentalizações.
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