06 Novembro 2025
Zohran Mamdani tornou-se o novo alvo do governo republicano, que tenta usar sua figura para aprofundar a polarização nacional.
A informação é de Axel Schwarzfeld, publicada por Página|12, 06-11-2025.
Zohran Mamdani e sua esposa, Rama Duwaji, saúdam a multidão que comemorou o resultado eleitoral no Brooklyn.
A vitória do jovem socialista na prefeitura de Nova York coloca os holofotes sobre a ala esquerda do Partido Democrata, mas também tensiona a relação entre a cidade mais populosa do país e o governo de Donald Trump, que já ameaçou cortar os fundos federais destinados a ela e intensificou suas críticas ao novo prefeito, chamando-o de forma depreciativa de comunista.
Martín Schapiro, advogado formado pela Universidade de Buenos Aires, especialista em Direito Administrativo e Relações Internacionais, afirmou ao Página/12 que Mamdani soma-se a outras figuras como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez (AOC), com projeção e reconhecimento nacional, inseridas numa agenda claramente socialista democrática. “Ele aprofunda essa linha que já integra Sanders e AOC, e que vem ganhando força especialmente na base do Partido Democrata”, explicou Schapiro.
Thank you, New York City. Together we made history.
— Zohran Kwame Mamdani (@ZohranKMamdani) November 5, 2025
Now let’s get to work. https://t.co/G7F2sbda74 pic.twitter.com/GQABMqJHgn
A ascensão de Mamdani
Aos 34 anos, o candidato democrata obteve 50,4% dos votos com 91% apurados, numa eleição com participação recorde desde 1969, apesar das tentativas de Trump e magnatas como Elon Musk de conter seu avanço com campanhas e doações. Muçulmano nascido em Uganda, o prefeito eleito — que tomará posse em 1º de janeiro — mobilizou especialmente os jovens, que formaram um verdadeiro exército de voluntários em sua campanha, superando rivais que o acusavam de falta de experiência.
Durante o processo, concentrou-se no alto custo de vida em Nova York e conquistou os eleitores com promessas de transporte e creches gratuitos, moradias acessíveis e uma rede de comércios administrados pela cidade com preços populares. O conteúdo de sua proposta foi amplamente bem recebido, mas o método — aumentar em 2% o imposto sobre residentes com renda anual acima de um milhão de dólares e elevar a alíquota máxima das empresas para 11,5%, igualando-a à de Nova Jersey — gerou desconfiança nas elites. Com isso, espera arrecadar cerca de 9 bilhões de dólares por ano.
O professor Daniel Fridman, da Universidade do Texas em Austin, avaliou que a vitória de Mamdani é uma má notícia para o governo. “Nos últimos 25 anos, Nova York elegeu democratas mais centristas ou um republicano não alinhado ao partido nacional, como Michael Bloomberg. O atual prefeito, Eric Adams, foi protegido pelo governo federal em casos de corrupção, e Trump apoiou explicitamente Andrew Cuomo. Ou seja, trocou um amigo por um inimigo”, explicou.
“Democratas mais moderados venceram outras eleições nesta semana (em Nova Jersey e Virgínia, além de um referendo sobre redistritamento na Califórnia), com o retorno ao partido de grupos demográficos que haviam migrado para Trump em 2024. Ainda é cedo para avaliar o impacto, mas não é um bom sinal para ele”, observou Fridman. “Por outro lado, o governo federal mobilizou forças de segurança nas grandes cidades democratas, alimentando a ideia de caos urbano permanente. A eleição de um socialista com pouca experiência administrativa dá a Trump um novo alvo fácil para atacar e assustar os eleitores centristas.”
Mamdani: "Donald Trump, since I know you're watching, I have four words for you: Turn the volume up." pic.twitter.com/AOFUquvYBQ
— Aaron Rupar (@atrupar) November 5, 2025
O impacto geopolítico
Para Schapiro, Nova York é uma cidade importante como “vitrine”, mas não determinante na política nacional. “Nenhuma figura surgida dali — nem mesmo Rudolph Giuliani, prefeito durante os atentados de 2001 e republicano, portanto distante do rótulo progressista da cidade — conseguiu se projetar como referência nacional nas últimas décadas.”
“Interessante é que Trump escolheu Mamdani como contraponto ideológico, uma figura para polarizar, inclusive no plano latino-americano”, observou Schapiro, lembrando que o ex-presidente repetiu o mesmo discurso usado contra Javier Milei, advertindo que se o ‘candidato comunista’ vencesse, reteria os fundos federais.
Fridman concorda que uma eleição local não tem grande peso geopolítico, mas ressalta que o governo republicano buscou, durante a campanha legislativa na Argentina, associar o retorno do peronismo a uma ameaça comunista, usando figuras da esquerda democrata como Mamdani. “Trump costuma misturar política interna e externa em sua retórica, e é provável que use o triunfo de Mamdani para compará-lo a inimigos externos como Maduro, apesar das enormes diferenças”, afirmou.
De fato, Trump declarou no America Business Forum que Miami “será um refúgio para quem fugir do regime comunista” de Nova York, acusando os democratas de querer transformar o país em Cuba ou Venezuela. Disse ainda que os Estados Unidos “perderam um pouco de soberania” com a vitória do socialista.
Horas antes, o presidente havia reconhecido a derrota tanto em Nova York quanto nas eleições para os governos da Virgínia e Nova Jersey, vencidas amplamente pelas democratas Abigail Spanberger e Mikie Sherrill. Ele culpou o prolongado fechamento do governo — o mais longo da história, com 36 dias — pelos maus resultados.
“Como sabem, não se esperava uma vitória. Foram zonas muito democratas, mas não acho que tenha sido bom para os republicanos — nem para ninguém. Mas tivemos uma noite interessante e aprendemos muito”, disse Trump a senadores republicanos na Casa Branca. “As pesquisas mostram que o fechamento do governo foi um fator negativo importante e que o fato de eu não estar na cédula eleitoral foi determinante”, acrescentou, novamente culpando os democratas pela paralisação federal.
Trump:
— Clash Report (@clashreport) November 5, 2025
Miami will be the refuge for those fleeing communism in New York City. They flee.
"I live New York City, but I’m trying to leave. I don’t want to live in a communist regime." pic.twitter.com/nABzzpW9eI
“Estou disposto a conversar”
Por sua vez, Mamdani apresentou nesta quarta-feira sua equipe de transição, que inclui Elana Leopold (ex-colaboradora de Bill de Blasio, prefeito de 2014 a 2021) e Maria Torres-Springer, que foi vice-prefeita de Eric Adams.
“Os nova-iorquinos merecem um governo em que possam confiar. Quando eu assumir, em 1º de janeiro de 2026, começará uma nova era para a cidade — uma era em que todos se sintam parte”, declarou em coletiva de imprensa no bairro de Queens.
Mamdani também respondeu a Trump, que o chamou de comunista e ameaçou cortar fundos federais caso fosse eleito. “É um presidente que prometeu alimentos mais baratos e agora cortou benefícios do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP) para cerca de 2 milhões de nova-iorquinos”, afirmou. Ainda assim, o prefeito eleito disse estar aberto ao diálogo: “Se houver algo sobre o que possamos conversar para beneficiar o povo desta cidade, estou pronto e disposto a falar com qualquer pessoa sobre isso.”
O socialista declarou que Nova York enfrenta hoje uma dupla crise: uma administração autoritária e uma crise de acessibilidade. “Será minha responsabilidade lidar com ambas — defender a cidade e garantir que não vejamos Washington como a causa de todos os nossos problemas”, concluiu.
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