08 Novembro 2025
A vida consagrada possui uma rica tradição de sinodalidade, inscrita em seu próprio DNA. Hoje é essencial redescobri-la, deixando-nos influenciar pelo Evangelho e imunizar contra toda rigidez, arrogância ou abuso da dignidade de cada criatura.
A entrevista é de Riccardo Benotti, publicada por Religión Digital, 04-11-2025.
“Despertar para o mundo” e “retornar ao coração”: duas imagens poderosas que Leão XIV deu às pessoas consagradas durante o Jubileu da Vida Consagrada, e que ressoam hoje como um programa de vida. Para a Irmã Simona Brambilla, prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, a vida consagrada é chamada a salvaguardar a esperança, cultivar a sinodalidade e regenerar os carismas como fontes de fraternidade.
Eis a entrevista.
Qual o sinal mais eloquente que a vida consagrada pode oferecer ao mundo hoje?
"Despertar o mundo”: esta é uma expressão usada pelo Papa Francisco, que o Papa Leão XIV ecoou no início de seu discurso aos consagrados e consagradas. O verbo “despertar” refere-se à atitude de quem ajuda a recuperar os sentidos: é uma expressão de cuidado, de quem se esforça para garantir que os sentidos humanos, não apenas os externos, mas também os internos, possam ser abertos, reativados e libertados de tudo o que possa extingui-los ou impedi-los.
O que significa, para as pessoas consagradas, "acordar e vigiar"?
Ao concluir seu discurso, o Papa Leão XIV também lembrou outra expressão do Papa Francisco: “Observem com vigilância os horizontes de suas vidas e do momento presente”. Aqui, o verbo “despertar” se une ao verbo “vigiar”. Creio que esses dois verbos podem nos ajudar a focar em uma dimensão importante da vida consagrada: a receptividade ao movimento do Espírito dentro de nós, nos outros, na realidade, na história. Discernir, interceptar e seguir esse movimento, essa dança do Espírito.
Como podemos traduzir tudo isso em gestos concretos de presença e proximidade?
Creio que um dos sinais que a vida consagrada é chamada a oferecer é o da atenção profunda: uma escuta muito ativa e humilde que sabe captar o sussurro ou o grito silencioso, o que é dito e o que fica por dizer; que sabe decifrar a nostalgia ou a invocação no meio do grito, a confusão, a comoção; que sabe captar os desejos mais profundos que habitam o coração da pessoa e oferecer um espaço seguro para que tudo isso possa ser articulado e expresso.
É o sinal de uma presença que acompanha com respeito e fidelidade, para que, como os discípulos de Emaús, no encontro com o Senhor o coração possa ser renovado e caminhar em direção ao Bem, em direção ao Amor.
Como as "raízes" dos carismas são protegidas hoje em dia?
O Papa Leão XIV, em sua homilia na Missa Jubilar da Vida Consagrada, em 9 de outubro, nos deu, entre outras coisas, a imagem da árvore que espalha oxigênio pelo mundo. Creio ser importante que, na vida consagrada, sejam criados espaços e caminhos para cultivar tanto as raízes quanto os brotos dessa árvore. Espaços e caminhos de memória agradecida, de narrar a história de cada instituto ou sociedade de vida apostólica, de rever a experiência do carisma, das figuras que o encarnaram de maneira particularmente luminosa e fecunda, do fluxo de santidade que percorre o corpo do instituto ou sociedade, bem como dos esforços, dificuldades e feridas que esse corpo vivo experimentou e continua a experimentar.
Tudo isso pode ajudar a identificar e nutrir as raízes para que elas se aprofundem cada vez mais no solo fértil do carisma e, precisamente por essa razão, sejam capazes de sustentar a árvore hoje, permitindo que ela se alimente de seiva sempre nova e fresca, interaja com o ambiente e dê vida a novos brotos que espalham o oxigênio que o mundo precisa hoje.
E o que significa "retornar ao coração" sem se deter no passado?
Retornar ao coração significa retornar ao centro, à origem da vida, ao DNA espiritual, à razão profunda pela qual uma família de homens e mulheres consagrados está no mundo. Não significa retroceder, mas sim mergulhar na essência, na originalidade do carisma, para que a força viva deste dom do Espírito nos impulsione "para fora", hoje.
Como conciliar a profecia com a fidelidade a Cristo?
A profecia nada mais é do que transparência: a transparência de Cristo. O profeta ou a profetisa é alguém livre daquilo que não é Amor, daquilo que não vem de Deus. Ao nos deixarmos purificar e transpassar pela luz de Cristo, nus e desarmados de todo desejo de grandeza ou poder, podemos nos tornar profundamente sensíveis ao clamor de cada pessoa "menor" e excluída, à profunda conexão que une todos os seres vivos na mesma casa comum, aos laços sagrados que nos unem como irmãos e irmãs na humanidade.
O que significa ser "especialista em sinodalidade"?
O Papa Leão XIV confiou à vida consagrada, de modo especial, o "diálogo doméstico", que pode renovar o Corpo de Cristo nas relações, nos processos e nos métodos.
Ele nos pediu que trabalhássemos para nos tornarmos, dia após dia, cada vez mais "especialistas em sinodalidade". É um caminho de transformação.
Como nos lembrou o Cardeal Grech, “a sinodalidade não se ensina, ela se contagia”. É uma forma de ser Igreja que se sente no íntimo, no coração e na alma, e que transborda em gestos, palavras, pensamentos e na maneira como nos relacionamos com os outros e com a realidade.
Por onde começar a vivenciar essa conversão sinodal?
Para escutar. Para aquela atenção profunda de que falei antes, com a consciência de que a outra pessoa tem muito a me revelar e de que o Espírito pode falar por meio de qualquer pessoa. A vida consagrada possui uma rica tradição de sinodalidade, inscrita em seu próprio DNA. Hoje é essencial redescobri-la, deixando-nos influenciar pelo Evangelho e imunizar contra toda rigidez, arrogância ou abuso da dignidade de cada criatura.
O que significa olhar para o futuro com confiança?
O Papa Leão XIV, ecoando as palavras do Papa Francisco, nos encorajou a não basearmos nossa esperança em números ou obras, mas naquele em quem depositamos nossa confiança e para quem "nada é impossível".
Como podemos interpretar o tamanho reduzido e o declínio das comunidades a partir de uma perspectiva evangélica?
Acredito que um desafio atual e futuro é justamente saber interpretar com sabedoria a pequenez, a diminuição e a fragilidade. Muitas vezes, esses aspectos são vistos como sinais negativos.
Mas Deus se fez pequeno para estar conosco: muito pequeno, a ponto de se encarnar no ventre de uma mulher, permitindo ser alimentado, criado e educado por ela.
"O Espírito sempre escolhe o que é pequeno", lembrou-nos o Papa Francisco, "porque não pode entrar no que é grande, orgulhoso ou autossuficiente."
Pode a pequenez se tornar um caminho para a liberdade na vida consagrada?
Sim, a conversão do coração à pequenez, lida como uma bênção, pode libertar a vida consagrada da lógica mundana, transformando-a em uma presença profética, semelhante à de Simeão e Ana: capaz de reconhecer com emoção — e de propor hoje — a força humilde e real do Amor de Deus que se manifesta em sinais pobres e frágeis, como uma criança nos braços da mãe, como um grão de trigo que morre para dar fruto, como o pão partido para a vida de todos.
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