22 Outubro 2025
A OpenAI anunciou a construção de um mega datacenter na Argentina, o último do tipo na região. Os governos devem exigir termos de participação e reinvestimento locais que prometam mais do que acesso gratuito ao ChatGPT.
O artigo é de Natália Zuazo, publicada por El País, 17-10-2025.
Natalia Zuazo é coordenadora do Programa de Tecnologia, Política e Comunicação da FLACSO Argentina.
Eis o artigo.
Em julho deste ano, voei 11.000 quilômetros de Buenos Aires para fazer um curso sobre política e direito da inteligência artificial na Universidade de Leuven, uma vasta estrutura neogótica fundada em 1425, onde hoje, em seus diversos campi, 57.000 alunos estudam uma ampla variedade de disciplinas. No meio da aula, o diretor nos dividiu em grupos e nos deu a tarefa para uma prova coletiva: "A pegada ambiental é superestimada". E entrei em pânico. Mas lá estava eu, diante de um exercício acadêmico clássico e eficaz: sustentar uma posição com argumentos, mesmo que não sejam os seus.
Assim que comecei a trabalhar, confessei aos meus colegas que seria difícil defender um argumento insustentável em todos os aspectos. Como latino-americano, acompanhei as notícias sobre o impacto socioambiental dos novos data centers construídos nos últimos anos em Querétaro (México), Santiago (Chile) e Rio Grande do Norte (Brasil), que se somaram aos desenvolvidos em regiões com comprovada escassez de água, como Arizona (Estados Unidos) ou Aragão (Espanha).
Com poucas evidências, meu grupo expôs seus argumentos: que métricas comuns para medir o impacto ambiental da IA ainda não existem em todo o mundo, que era impossível separar as pegadas da IA de outras tecnologias associadas a ela, que outras indústrias poluem muito mais (este me fez sentir como se estivesse no segundo ano do ensino fundamental) e que as primeiras tecnologias sempre causam mais impacto do que benefícios. Meu grupo foi aprovado.
Felizmente, a prova final foi uma redação na qual defendi outra ideia: se o debate sobre políticas tecnológicas permanecer preso no falso dilema da regulamentação que sufoca a inovação, as grandes empresas de tecnologia continuarão a avançar, de mãos dadas com aliados locais que têm pouco interesse no bem-estar de suas comunidades.
O mega datacenter do otimismo
Três meses depois, na manhã do feriado do Dia Nacional da Diversidade Cultural (que o presidente Javier Milei renomeou como Dia de Colombo), Sam Altman, CEO da OpenAI, anunciou um investimento de US$ 25 bilhões para construir um mega data center em algum lugar da Patagônia argentina. A notícia veio após uma negociação político-econômica entre o presidente argentino e Donald Trump, na qual Scott Bessent, o Secretário do Tesouro dos EUA, afirmou que seu país estava "comprando barato" para "vender caro". Bessent não esclareceu a quais produtos se referia, mas horas depois, Altman revelou um acordo preliminar para construir infraestrutura de inteligência artificial e capacidade de computação para sua empresa. O projeto, observou ele, faria parte do Stargate, com sua parceira Oracle e seus financiadores de capital de risco, o SoftBank do Japão e a empresa dos Emirados MGX. Na Argentina, a pouco conhecida Sur Energy (apoiada pelo renomado empreendedor de tecnologia Emiliano Kagierman) ficaria responsável pela gestão local.
O projeto, que promete produzir 500 MW de energia em sua fase final, também poderá se beneficiar da Rigi (Lei de Energia Renovável), uma lei aprovada durante o governo Milei que garante aos empreendedores 30 anos de isenção fiscal e proteção contra disputas em troca de moeda estrangeira. O projeto também oferece aos empreendedores o direito de contratar funcionários locais e condições mais flexíveis para compras de fornecedores locais.
Dias depois, com Milei e Trump na tela de Washington, a OpenAI publicou uma declaração oficial : "Este marco vai além da mera infraestrutura; trata-se de colocar a IA nas mãos de mais pessoas em toda a Argentina". Em nenhum lugar da postagem houve qualquer menção a emprego, contratação para produção industrial local, avaliações de impacto ambiental ou supervisão de infraestrutura estratégica.
Embora o acordo parecesse "do século XVI, quando a prata de Potosí financiou impérios europeus e deixou a região na pobreza" (como escreveu o engenheiro Luis Papagni), grande parte do mundo da tecnologia expressou euforia. "Isso trará outros investimentos. Onde a OpenAI vai, outros vêm", disse um palestrante de marketing digital na televisão, enquanto outros jornalistas e painelistas concordavam com a cabeça. Como esse benefício para o nosso país poderia ser comprovado sem regulamentações mais claras e avaliações de impacto socioambiental? O otimismo da mídia era tamanho que a pergunta, por enquanto, era irrelevante.
Extrativismo ou produção?
A questão, embora antiga, continua fundamental. A Argentina (e outros países da região) têm condições mais do que atrativas para investimentos das Big Techs: vastas extensões de terra com população limitada, áreas com recursos hídricos e minerais, usinas nucleares e hidrelétricas e pessoal altamente qualificado, formado em universidades públicas de renome mundial. Por sua vez, a OpenAI enfrenta um problema crucial: sua dependência do poder computacional de empresas como Google Cloud, Amazon Web Services, Azure e Oracle. Mesmo para um negociador novato, a vantagem estratégica para nossos países seria clara. Ou, pelo menos, a possibilidade de uma troca com condições mais exigentes. O SoftBank, que também foi um grande investidor da Uber, sabe disso: a empresa de transporte teve que flexibilizar suas condições para operar em cidades como Madri, Barcelona e Londres, permitindo sistemas híbridos que não sufocassem os motoristas locais.
No caso do impacto ambiental, os dados são eloquentes. Em Querétaro, nas áreas onde essas instalações operam, o governo teve que racionar água, e algumas famílias recebem serviço apenas a cada três dias. Além disso, a Comissão Federal de Eletricidade (CFE) foi forçada a aumentar a capacidade de geração de usinas elétricas próximas (que usam combustíveis fósseis) em 50% devido ao consumo de data centers. É claro: no caso da tecnologia, mas também em outras indústrias intensivas em recursos, como a mineração, compensações são necessárias. Para algumas regiões com décadas de pobreza e desemprego, a chegada de investimentos representa uma oportunidade, pelo menos momentânea, de progresso. A compensação não é simples. No entanto, para que esse benefício seja mais do que temporário, é necessário algo mais do que fé no "gotejamento" econômico. Os governos nacionais e locais devem exigir, por exemplo, participação local em empregos e insumos, e condições futuras de reinvestimento que prometam mais do que apenas acesso gratuito ao ChatGPT para a população local, como foi o caso nos Emirados Árabes Unidos com a construção de um centro de dados Stargate.
Em última análise, nada disso acontece no vácuo. Desde que assumiu o cargo, o governo Milei tem se envolvido em uma disputa com universidades públicas, negando-lhes a dotação orçamentária a que têm direito por lei, o que equivaleria a uma pequena fração de um investimento como o proposto pela OpenAI. Os parceiros locais da iniciativa, como Emiliano Kagierman, são líderes mundiais em tecnologia, formados naquela universidade e no sistema de ciência pública que atualmente luta para sobreviver. O CEO desta bem-sucedida empresa de inovação em satélites reconheceu isso: "Conseguimos fazer isso porque houve (na Argentina) 40 anos de investimento sistemático em tecnologia, nos setores espacial e nuclear". E ele admite que, para sua empresa, o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e da INVAP, uma empresa dedicada ao desenvolvimento de tecnologias complexas, "são um exemplo clássico do que o Estado pode fazer para abrir oportunidades e fornecer capacidades". Talvez o verdadeiro progresso esteja em retornar alguns desses investimentos às suas raízes: àquele sistema de universidades e ciência pública que, mesmo em crise, continua sendo a razão pela qual agora fazemos parte do mapa global da inteligência artificial.
Leia mais
- Data centers: o Brasil se submeterá às big techs? Artigo de Antonio Martins
- Emergência hídrica e energética: O impacto ambiental dos data centers. Artigo de Henrique Cortez
- O lado obscuro da expansão de data centers na América Latina
- Como o Brasil vai encarar o poder das Big Techs? Artigo de Sérgio Amadeu da Silveira
- A nova Comunicação e o poder total das Big Techs
- Os conglomerados das Big Techs
- Brasil, colônia digital. Artigo de Sérgio Amadeu
- O lado obscuro da expansão de data centers na América Latina
- O outro lado da IA: avanços recentes intensificaram consumo de energia e água de data centers
- O insustentável custo ecológico do boom da IA
- IA e crise climática: as grandes empresas de tecnologia escolhem o Sul do mundo para instalar os seus gigantescos centros de dados
- A inteligência artificial bebe quilômetros de milhões de litros de água
- O segredo sujo da inteligência artificial
- A dominação é o compromisso final das Big Techs?
- A engenharia social das Big Techs. Artigo de Fábio C. Zuccolotto
- Inteligência Artificial: o Brasil optará por ser vassalo?