25 Outubro 2025
Hoje, parece haver um desejo generalizado de compreender e aprofundar a Bíblia, um dos textos fundamentais na origem da tradição cultural ocidental. Mas, para muitos, a Bíblia também é um "Grande Livro Desconhecido". Suas páginas, na realidade, não fornecem respostas; ao contrário, contêm perguntas essenciais e inspiram caminhos de vida.
O potencial e as contradições dessas dinâmicas são destacados pelo biblista Jean Louis Ska (jesuíta belga, emérito de Exegese do Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, atualmente diretor da Associação de Ex-alunos), em entrevista concedida durante sua visita a Pádua, onde proferiu uma palestra para alunos da Faculdade de Teologia do Triveneto (veja a reportagem aqui).
A entrevista é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 19-10-2025.
Eis a entrevista.
Professor Ska, a sociedade atual está cada vez mais dominada por uma mentalidade técnico-científica, mas o interesse pela Sagrada Escritura é generalizado, como evidenciado pelos numerosos e concorridos programas bíblicos, lectio divina e semanas bíblicas, bem como pelo popular e concorrido Festival Bíblico. Por que as pessoas, crentes e não crentes, recorrem à Bíblia? O que há de tão atraente em suas páginas?
A Bíblia faz parte do patrimônio cultural do nosso mundo, particularmente do mundo ocidental, mas não só. Onde quer que haja judeus presentes ou onde o cristianismo tenha se espalhado, a Bíblia se infiltrou na cultura. Traços da Bíblia podem ser encontrados nas línguas, na cultura e na civilização europeias, por exemplo, na literatura, na pintura, nas obras de arte e até mesmo no direito.
O fascínio da Bíblia também se deve, em parte, à secularização e à descristianização do nosso mundo ocidental. Por essa razão, a Bíblia tornou-se para muitas pessoas um GLD, para usar a expressão de Umberto Eco, um "Grande Livro Desconhecido". Tornou-se um livro misterioso, que exerceu grande influência, mas que hoje é frequentemente esquecido. Daí as perguntas sobre sua natureza, conteúdo e significado. Por que teve tanta influência e por que não tem mais? A Bíblia desperta curiosidade, como tantos elementos ou figuras do passado que redescobrimos hoje.
Como este livro sagrado fala à vida das pessoas? Qual é a sua força? Que "respostas" ele pode oferecer aos homens e mulheres contemporâneos?
A Bíblia não responde às perguntas de hoje, assim como não respondeu às de ontem. Tenho certeza de que minha afirmação é bastante surpreendente. Mas estou convencido do que digo. A Bíblia, no entanto, contém um bom número de perguntas essenciais que o povo de Israel, primeiro, e depois as primeiras comunidades cristãs, se fizeram nas diversas circunstâncias de sua história. E a Escritura descreve ou relembra a maneira como essas perguntas foram feitas e vividas. Ela descreve os caminhos de indivíduos ou grupos que buscaram responder às questões existenciais de seu tempo. Não temos soluções; temos caminhos de vida que somos convidados a reviver na companhia de grandes figuras bíblicas, em situações semelhantes.
Existe o risco de um uso “funcional” ou fragmentado – para não dizer manipulado e instrumentalizado – do texto bíblico?
Infelizmente, é verdade que o texto bíblico foi, e ainda é, frequentemente manipulado e explorado. No mundo judaico tradicional, a Bíblia é meramente uma coleção de versículos ou passagens curtas que têm todos o mesmo valor e podem ser citados independentemente do contexto, muito menos das circunstâncias de sua composição. O mesmo se aplica a muitos cristãos, e talvez ainda mais no mundo eclesiástico. Os textos bíblicos, isolados de seu contexto, servem para sustentar opiniões defendidas em diversas circunstâncias e contextos. A ideia é declarada e, em seguida, o texto que a confirma é citado.
Para usar as palavras de Umberto Eco, não se interpreta a Escritura, usa-se a Escritura. O ponto de partida não é a Escritura, mas sim uma verdade dogmática, uma verdade de fé ou um ensinamento moral. A Bíblia "serve" para ilustrar ou validar o que é proposto. Dessa forma, perde-se um elemento essencial da Escritura, que não oferece soluções, mas sim caminhos a seguir para chegar às próprias respostas.
Para aprender a se nutrir com a Palavra de Deus, não esporadicamente, mas diariamente, você precisa aprender a "ler" bem a Bíblia. Qual é a "caixa de ferramentas" útil que você deve possuir?
Aqui estão algumas dicas simples para uma boa leitura da Bíblia. Primeiro, muitas vezes me perguntam qual tradução usar. Não é fácil responder. No entanto, recomendo usar pelo menos duas traduções diferentes e compará-las. Compará-las permite que você tenha uma perspectiva mais precisa do texto que está lendo. Na verdade, nenhuma tradução é verdadeiramente perfeita, pois nenhuma capta perfeitamente todas as nuances do texto original.
Em geral, para uso pessoal, é melhor escolher a versão da Bíblia que você prefere, aquela que você gosta de ler. Para grupos de estudo bíblico ou trabalho pastoral, é melhor usar a tradução recomendada por autoridades. Para estudo, no entanto, é melhor escolher a versão bíblica preferida por estudiosos, aquela usada ou recomendada por estudiosos.
Em segundo lugar, vale a pena usar uma Bíblia com introduções, notas e referências marginais. É importante ler as notas explicativas, seguidas das introduções. O contexto em que os livros bíblicos foram escritos é muito diferente do nosso. Introduções e notas nos ajudam a compreender melhor o significado de textos que estão longe da nossa compreensão.
Terceiro, vale a pena ler os textos citados nas referências marginais. E não apenas o versículo citado, mas também a passagem onde ele se encontra. Por fim, vale a pena ler algumas boas introduções à leitura da Bíblia, alguns manuais e alguns comentários adequados ao seu conhecimento e habilidades.
Hoje, o valor da "narrativa" é reconhecido em diversos campos (uma palavra, porém, às vezes usada em demasia...). A Bíblia está repleta de histórias: elas podem servir de modelo para as nossas próprias "narrativas"? De que maneira? Como o poder evocativo das imagens e figuras bíblicas pode nos iluminar, depois de tantos séculos?
A narração é uma experiência que pode ser compartilhada por cada leitor que explora o texto e revive, à sua maneira, a experiência descrita na história. Ele a revive com sua inteligência, sua sensibilidade e sua imaginação. Ele recria a experiência descrita, mesmo que precise "se deslocar", deixar o mundo da sua própria experiência para entrar no mundo das experiências dos outros. Cada leitura é diferente, obviamente. Mas uma leitura é sempre um diálogo entre dois mundos, e o diálogo é frutífero quando é um diálogo verdadeiro, onde ambas as partes podem falar. O leitor é convidado a deixar a história falar, a descobrir novas paisagens, novos territórios da experiência humana, sem reduzir imediatamente o que descobre ao que já conhece.
Que centralidade tem a Sagrada Escritura na educação teológica e na vida acadêmica?
Na minha opinião, a Bíblia ocupa muito pouco espaço na educação teológica e na vida acadêmica. Voltando ao que foi dito anteriormente, a Bíblia é "usada", não "interpretada". A Escritura deve ser o ponto de partida para qualquer estudo sério de teologia, mesmo antes de se aprofundar na sistematização de dogmas.
Uma leitura livre, desinteressada e não utilitária da Bíblia é o fundamento do verdadeiro trabalho teológico. Começamos com as fontes, em vez de chegar a elas apenas secundariamente, ou recorrer a elas para nossos próprios propósitos. De qualquer forma, não estamos sozinhos na leitura da Bíblia, e não somos os primeiros a lê-la.
Lemos a Bíblia em nossas famílias ou em comunidade, e frequentemente na comunidade eclesial, ou mais simplesmente, na comunidade de leitores da Bíblia. E a Bíblia foi lida por gerações de leitores antes de nós, que também deixaram vestígios de suas leituras. Lemos a Bíblia em uma comunidade de leitores e, em diálogo com outros leitores, é possível corrigir, melhorar, aprofundar e enriquecer nossa leitura pessoal.
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