Ciclo de estudos sobre o pensamento do filósofo francês inicia nesta terça-feira, 21-10-2025, às 10h. Evento é uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos - IHU
A relação entre pessoas e máquinas está no centro do debate contemporâneo. De cada uma das áreas do conhecimento, pesquisadores levantam questões que envolvem essa relação, apontando os benefícios, riscos e desafios envolvidos.
Um dos autores que se ocupou desta temática foi o francês Gilbert Simondon (1924-1989). Na esteira dos filósofos que refletiram sobre a técnica, uma das preocupações de Simondon foi demonstrar que a máquina não é um autômato, ou seja, um dispositivo que funciona autonomamente. Essa motivação estava por trás das aulas do filósofo, que “ensinava as crianças a desmontar radares, telefones, rádios e televisões, que eram os objetos técnicos na comunicação do século XX”, segundo Thiago Novaes, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista na obra do autor.
O exercício incentivado por Simondon, explica Novaes, não se reduz à identificação da arquitetura técnica por trás de um objeto, mas busca refletir sobre as condições em que a técnica é desenvolvida e seus impactos socioambientais. O exercício, sublinha, permite “identificar, em um celular, um componente como um metal de terra-rara, que é de difícil acesso, cuja extração é altamente poluente. Localizar e identificar esse metal e introduzir sua situação dentro da cultura é interessante para evidenciar que talvez não seja culturalmente equilibrado descartar um celular no Gabão ou em outro país e reciclar material inapropriado, diminuindo enormemente a expectativa de vida das pessoas que vivem nessas regiões”.
Contudo, argumenta o pesquisador, a nossa ideia de cultura “é a de que a máquina é um autômato, deve funcionar por conta própria” e ser descartada tão logo pare de funcionar. A obra de Simondon sugere que esse mal-entendido seja desfeito.
Yuk Hui, filósofo conhecido por tratar da relação entre filosofia e tecnologia, também recorre a Simondon. Segundo ele, o otimismo tecnológico e o pessimismo cultural que vigoram no nosso tempo ofuscam várias das preocupações do filósofo francês. Para ele, essas duas tendências “se originam de uma compreensão antropomórfica das máquinas, que diz que elas devem imitar os seres humanos”. Simondon, em contrapartida, diz Yuk Hui, “criticou ferozmente a cibernética por ter essa visão”.
Para Yuk Hui, Simondon “mostra que uma incapacidade de lidar e integrar a realidade técnica das máquinas fomentará um infeliz antagonismo entre o humano e a máquina, a cultura e a técnica. Esse antagonismo não é apenas a fonte do medo, mas também se baseia em uma compreensão muito problemática da tecnologia, moldada pela propaganda industrial e pelo consumismo”.
A partir desta terça-feira, 21 de outubro, até 16 de dezembro, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o Ciclo de Estudos e Colóquio Gilbert Simondon. Tecnogeografia, Informação e Arte. Com a curadoria de Thiago Novaes, o evento tem o objetivo de “refletir sobre a articulação entre arte, informação e tecnogeografia não apenas para iluminar problemas contemporâneos – como a crise climática e a alienação técnica presente na produção de lixo eletrônico e obsolescências programadas –, mas também voltando-nos à compreensão de sua gênese, transmutando a informação em experiência sensível e crítica, em um processo contínuo de resolução que parte da ressonância entre humano, máquina e ambiente”.
A videoconferência de abertura será ministrada pela Profa. Dra. Cécile Malaspina, do Collège International de Philosophie, da França. O tema da palestra é a “Invenção e metamorfose. Da desdiferenciação ao aprendizado das máquinas”. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube às 10h.
De acordo com o filósofo Ivan Domingues, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a obra de Simondon “oferece uma perspectiva em filosofia da tecnologia mais fecunda do que a do positivismo e da filosofia analítica, com sua inclinação de pensar a técnica como mera extensão da ciência”. O pensamento do francês, assevera Domingues, permite “pensar tanto numa sociotécnica quanto numa antropotécnica, como viu Bruno Latour, que em matéria recente se reconhece devedor de sua obra”.
Entre os limites da obra de Simondon, Domingues destaca a ausência de uma reflexão envolvendo técnica, ética e política. Ele as “deixou de lado”, diz, mas, hoje, elas “estão no centro das agendas e das preocupações, com o tema das regulações em linha de frente, levando os estudiosos a falar de racionalidade técnica e normativa, e não tão só técnica e científica como queria Simondon”.
A atividade é gratuita. Será fornecido certificado a quem matricular-se em cada conferência e, no dia do evento, preencher o formulário de presença disponibilizado somente durante a transmissão.