09 Janeiro 2025
"A dronização generalizada está levando a uma revisão total do instrumento militar e de seu uso. Podemos esperar uma nova narrativa do desempenho militar com consequências culturais e mentais".
O comentário é de Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 08-01-2025. A tradução de Luisa Rabolini.
Cada vez mais drones e robôs terrestres estão sendo usados para as batalhas na Ucrânia. Assim, a guerra é, de certa forma, “esterilizada” e declarada mais aceitável. Será que um dia teremos que dar razão ao replicante de Blade Runner?
A guerra na Ucrânia durou muito tempo por vários motivos: políticos, propagandísticos, nacionalistas, econômicos e estratégicos. Mas há um motivo que está se tornando mais poderoso do que os outros, depois de quase três anos de batalhas: aquele das armas.
Na Ucrânia, novos tipos de armas estão sendo testados por ambos os lados e, consequentemente, novas estratégias de combate. A primeira mudança foi a revisão completa do uso da arma blindada: a fase inicial do conflito mostrou como os tanques são vulneráveis se o campo de batalha for restringido pelas condições atmosféricas ou de outro tipo.
Além disso, foi observado como os veículos blindados precisam ser renovados com urgência: nem mesmo os mais avançados podem resistir às novas armas antitanque, como o Javelin etc., com as quais os ucranianos liquidaram os tanques nos primeiros meses. O resultado é uma corrida pelo “tanque do novo século” por quase todo mundo, incluindo a Itália, com forte gasto de recursos.
Em segundo lugar, se desenvolveu muito o uso de drones aéreos: agora existem centenas de tipos, tanto reutilizáveis quanto kamikaze, construídos por muitos países, incluindo o embargado Irã.
Ao aplicar inteligência artificial e controle remoto a esses drones, as batalhas mudaram enormemente e, com elas, as táticas militares foram completamente reescritas. Participar da guerra na Ucrânia (de qualquer forma) serve para ser informados sobre os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos e bélicos em todos os aspectos. Em terceiro lugar, aumentou consideravelmente o uso de mísseis, especialmente do lado russo. Os ocidentais pensavam que se tratava de um universo obsoleto que Moscou não teria como manter (quantas vezes ouvimos que tinham acabado os mísseis?). Em vez disso, houve um salto qualitativo muito perigoso, com novos mísseis difíceis de interceptar, provando que a tecnologia militar russa tem mantido um desempenho invejável.
A guerra aérea tradicional, travada por aviões e helicópteros, deu lugar a outro tipo de combate baseado em porta-aviões e drones guiados por inteligência artificial. Por fim, houve o uso, inicialmente mantido em segredo, mas agora de domínio público, de armas terrestres robóticas. Trata-se de robôs blindados com lançadores de foguetes e metralhadoras sem condutores (unmanned, no jargão) que também podem ser guiados por inteligência artificial e realizar ofensivas sem a participação de nenhum recurso humano. A Ucrânia está fazendo uso deles no Donbass e no Kursk, quase obrigada pelo fato de não ter a mesma quantidade de soldados à sua disposição que a Rússia.
A recente ofensiva em Lyptsi é apenas um exemplo. Também nesse caso trata-se da “dronização’ da guerra, aquela terrestre que já havia ocorrido antes na marinha com drones marítimos usados pela marinha militar ucraniana para afundar navios de guerra e submarinos russos ou atacar instalações costeiras.
A dronização generalizada está levando a uma revisão total do instrumento militar e de seu uso. Podemos esperar uma nova narrativa do desempenho militar com consequências culturais e mentais. Não se trata apenas de apontar o dedo (como o Papa Francisco faz com razão) para o enorme gasto de dinheiro em armas ou contra o complexo militar-industrial que torna perenes os conflitos para continuar a lucrar. Trata-se de algo novo: uma banalização da guerra, quase uma esterilização dela para a consciência pública e a percepção geral.
Na verdade, as pessoas estão começando a achar que são os robôs que fazem a guerra e não os seres humanos, alegando que isso a torna moral e socialmente mais aceitável. Mas se isso pode salvar vidas de militares, não o fará de forma alguma em relação àquelas dos civis, que são ainda mais supérfluos e sacrificáveis do que antes. E em relação à natureza e ao meio ambiente. Teremos uma guerra feita de drones e de danos colaterais. Já estamos vendo os efeitos disso em Gaza, onde o conflito voltou a matar mais civis do que militares, como não acontecia desde a grande guerra. A inteligência artificial está sendo usada pelos israelenses para rastrear as pessoas e decidir quem é suscetível de estar ligado ao Hamas e, portanto, sacrificável. Isso pretenderia justificar a matança em massa de civis. A dronização dá razão à ficção científica que a havia previsto, provando ser menos “ficção” do que se pensa.
Assim, o homem terá perdido o controle não tanto dos robôs, mas de sua própria consciência. Cabe se perguntar se, talvez, em um dia não muito distante, nós também ouviremos as famosas palavras do replicante de Blade Runner: “Eu vi coisas que vocês, humanos, nem poderiam imaginar”.
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A nova guerra dos drones: mais vítimas, menos consciência. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU