Apagados os holofotes do show de Trump, em Gaza restam os mesmos velhos problemas. Artigo de Guido Rampoldi

Foto: Wikimedia Commons | The White House

Mais Lidos

  • Cristo Rei ou Cristo servidor? Comentário de Adroaldo Palaoro

    LER MAIS
  • “Apenas uma fração da humanidade é responsável pelas mudanças climáticas”. Entrevista com Eliane Brum

    LER MAIS
  • Sheinbaum rejeita novamente a ajuda militar de Trump: "Da última vez que os EUA intervieram no México, tomaram metade do território"

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

16 Outubro 2025

"Ninguém agora pode prever se Trump impedirá o governo israelense de explorar os infinitos pretextos que o cessar-fogo oferecerá para se recusar a se retirar da Faixa. Mas os otimistas podem ter esperança em sua pequenez humana", escreve Guido Rampoldi, jornalista e escritor italiano, em artigo publicado por Domani, 15-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Quem administrará a ordem pública na Faixa de Gaza? Algum tipo de força de interposição se torna urgente. E ninguém pode prever se o presidente dos EUA impedirá Israel de explorar os infindáveis pretextos que o cessar-fogo oferecerá para se recusar a se retirar da Faixa.

"O alvorecer de um novo Oriente Médio", "o fim da era do terror", "a paz após três mil anos", em suma, "o milagre", transmitido ao vivo para o mundo todo. Assim que se apagou o eco das grandiosas fórmulas empregadas na segunda-feira por Trump nos sets montados em Jerusalém e no Cairo, as imagens dessas cerimônias espalhafatosas revelam de repente o que realmente mudou.

Se olharmos para a primeira fila do show de Trump, o episódio egípcio, veremos os três chefes de Estado ao lado de Trump como garantidores do acordo: Erdogan, al-Sisi, al-Thani. Cada um deles há muito proclama que a condição para a paz é o nascimento de um Estado palestino. O que Israel, recusa.

A questão principal

É o conflito que explodirá já nas próximas semanas na forma de um problema aparentemente técnico: quem administrará a ordem pública na Faixa, as ajudas alimentares, os serviços de saúde?

No futuro imediato, será o Hamas, pois não há alternativa. Mas isso comportará uma arriscada contiguidade entre o exército israelense e a milícia palestina, com atiradores de elite posicionados e ativos em ambas as frentes. Isso já foi confirmado pelas mortes de cinco desafortunados assassinados pelos israelenses por se aproximarem de suas posições, talvez simplesmente para tentar salvar algo dos escombros de casa.

Portanto, torna-se urgente mobilizar, pelo menos na linha de frente, algum tipo de força de interposição, se não já aquela Força de Estabilização que, segundo o plano de Trump, deveria substituir o Hamas no controle de Gaza. Mas sem a aprovação do Hamas, qualquer militar estrangeiro que aparecesse na Faixa, em qualquer função, correria o risco de levar um tiro nas costas. Os britânicos já anunciaram que não enviarão militares para Gaza: evidentemente não sentem confiança.

Os egípcios estão dispostos, mas acreditam ser indispensável que os fuzileiros navais estadunidenses operem ao lado deles; no entanto, Washington resiste. Os regimes árabes enviariam tropas somente na condição que Israel rejeita: um percurso claro para a independência palestina. Sem tal garantia, a Força de Estabilização resultaria, aos olhos do Hamas, cúmplice do exército israelense. Não duraria muito.

Tampouco anuncia-se fácil estabelecer uma autoridade civil palestina que assuma os poderes atualmente desempenhados pelo Hamas na ordem pública e na saúde. Egito e Turquia gostariam que fosse uma expressão da Anp, a atual Autoridade Palestina no poder em parte da Cisjordânia. Israel descarta essa possibilidade, temendo que o autogoverno palestino se torne um prelúdio para a independência.

Os Emirados, o regime árabe mais ligado a Israel, prefeririam ver "seus" palestinos promovidos à função, como Mohammed Dahlan, um cidadão de Gaza com uma biografia notável.

No final do século passado, era parte do Fatah na Faixa e chefe da polícia política temida pelos militantes do Hamas. Em 2007, quando o Hamas se levantou contra o Fatah, ele milagrosamente escapou com vida. Reapareceu no parlamento da Cisjordânia, mas foi expulso sob a acusação de roubar três milhões de dólares e fugiu para os Emirados. Três anos depois, em 2019, Ancara o acusou de atuar como oficial de ligação entre as agências de inteligência dos Emirados e os oficiais turcos envolvidos, segundo Erdogan em um golpe fracassado. Esteja Dahlan no jogo ou não, promete ser um grande trabalho para os serviços secretos do Oriente Médio e do Ocidente.

Narrativas erradas

Os vinte chefes de Estado e de governo que cercam Trump na foto de grupo no Cairo são a prova de que a questão palestina, de repente, não é mais, como parecia só dois anos atrás, uma questão interna de Israel, remota e marginal. Mas o fato de ter sido "internacionalizada" não significa que seja mais manejável. Parece complicado até mesmo atribuir ao plano de Trump o aval de uma resolução do Conselho de Segurança: a ONU não agrada às direitas estadunidense e israelense.

Qualquer um que, além disso, tentasse inferir nas ações de Trump uma visão, uma estratégia da qual deduzir seus próximos passos, não encontraria nada além de circunstâncias fortuitas e a habilidade do aproveitador para explorá-las. Trump permitiu que Israel violasse o cessar-fogo anterior, vinte mil mortos atrás.

Revogou as sanções contra líderes de colonos, incitando assim a limpeza étnica. E, como Netanyahu recordou ao recebê-lo no Knesset, ele reconheceu os "direitos históricos" reivindicados pela direita israelense sobre a Cisjordânia.

Tudo isso não tem relação alguma com a imagem de Trump pintada nestes últimos dias pelos panegíricos ao presidente, talvez brutal, mas em última análise benigno, como retratado por muitas mídias ocidentais. Em particular, "a narrativa segundo a qual ele impôs o plano de paz a Netanyahu é muito exagerada", disse Philip Gordon, ex-assessor da Casa Branca para o Oriente Médio, à Foreign Affairs.

Mas Trump certamente foi habilidoso em explorar uma série de circunstâncias, entre elas o fato de que continuar a guerra havia se tornado arriscado demais tanto para Netanyahu quanto para o Hamas: se os reféns tivessem morrido, o Hamas teria perdido o único recurso que lhe restava para garantir uma saída; e Netanyahu teria que enfrentar as próximas eleições sob as maldições das famílias dos reféns mortos.

Ninguém agora pode prever se Trump impedirá o governo israelense de explorar os infinitos pretextos que o cessar-fogo oferecerá para se recusar a se retirar da Faixa. Mas os otimistas podem ter esperança em sua pequenez humana. Tendo investido em seu plano de paz a imagem do Rei taumaturgo que cura a intratável praga do Oriente Médio, talvez ele realmente se esforce para evitar a catástrofe.

Leia mais