18 Outubro 2025
"O significado da máxima Quod omnes tangit, destacada por Congar em seu artigo, é claramente sublinhar a necessidade, sentida na prática das instituições colegiais da Igreja medieval e, de modo mais geral, nos grupos sociais medievais, de respeitar a regra do consenso (ou, secundariamente, o princípio da maioria)", escreve Pietro Messa, professor de História do Franciscanismo na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, em artigo publicado por Settimana News, 14-10-2025.
Eis o artigo.
Entre 2014 e 2017, ou seja, nos primeiros anos do pontificado do Papa Francisco, a Comissão Teológica Internacional realizou um estudo sobre sinodalidade. Suas conclusões foram publicadas não apenas com a aprovação do Presidente Luis F. Ladaria, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, mas sobretudo com o parecer favorável e a autorização do próprio Pontífice: tudo isso ressalta sua importância.
Este documento Sinodalidade na Vida e na Missão da Igreja, que foi publicado, como mencionado, com o parecer favorável e autorização específica do Papa Francisco em 02-03-2018, afirma entre outras coisas:
A prática de consultar os fiéis não é nova na vida da Igreja. Na Igreja Medieval, utilizava-se um princípio do direito romano: Quod omnes tangit, ab omibus tractari et approbari debet (o que diz respeito a todos deve ser tratado e aprovado por todos). Nas três áreas da vida da Igreja (fé, sacramentos, governo), a tradição combinava uma estrutura hierárquica com um regime concreto de associação e concordância, sendo considerada uma prática apostólica ou tradição apostólica.
Esta é uma citação literal de uma passagem já presente em um documento anterior da mesma Comissão Teológica Internacional publicado em 2014, O Sensus Fidei na Vida da Igreja, onde se lia:
A prática de consultar os fiéis não é nova na vida da Igreja. Na Igreja Medieval, utilizava-se um princípio do direito romano: Quod omnes tangit, ab omibus tractari et approbari debet (o que diz respeito a todos deve ser tratado e aprovado por todos). Nas três áreas da vida da Igreja (fé, sacramentos, governo), "a tradição combinava uma estrutura hierárquica com um regime concreto de associação e concordância", sendo considerada "uma prática apostólica" ou "uma tradição apostólica".
Neste texto, como se pode ver claramente, algumas palavras estão entre aspas (que não se encontram na citação da mesma passagem feita no documento subsequente sobre sinodalidade). Trata-se de palavras retiradas de um artigo do dominicano Yves Congar (1904-1995), publicado em 1958 na Revue historique de droit français et étranger.
O Papa Francisco também recordou o princípio acima mencionado, segundo o qual "o que diz respeito a todos deve ser tratado e aprovado por todos”, por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, afirmando:
"O caminho sinodal começa pela escuta do Povo, que “também participa da função profética de Cristo”, segundo um princípio caro à Igreja do primeiro milénio: Quod omnes tangit ab omnibus tractari debet."
A sinodalidade é, portanto, a perspectiva segundo a qual se utiliza o que se denomina “princípio concreto de associação e concordância” estudado por Congar. […]
Antes do artigo de 1958, Congar já havia mencionado a máxima Quod omnes tangit em seu volume Jalons pour une théologie du laicat, publicado em 1953, mas cuja introdução é datada de dezembro de 1951, com a especificação adicional de que a bibliografia citada para em novembro anterior.
O contexto histórico-teológico em que a máxima é citada é o da participação dos leigos nas decisões do governo da Igreja, nas deliberações dos concílios e nas eleições para cargos eclesiásticos. Congar observa que o antigo sistema de governo eclesiástico não previa decisões solitárias, mas sim decisões tomadas por concílios: o bispo era auxiliado pelo conselho do presbitério; e os leigos, que não faziam parte dele, tornavam-se participantes sempre que pudessem contribuir com informações válidas sobre assuntos que lhes diziam respeito.
Para restaurar o lugar dos leigos na eclesiologia, ele busca demonstrar que os leigos também participam, à sua maneira, das três funções classicamente atribuídas à Igreja e ao clero nela inserido: sacerdotal, real e profética; tudo isso, porém, sem extremismos. Além de seu papel de informar e aconselhar, os leigos, embora não participassem dos concílios, tinham um papel de consenso, bem como de publicização e disseminação das deliberações. É seu dever pronunciar um amém às decisões da Igreja hierárquica, e isso requer que seus legítimos pedidos sejam apresentados, defendidos e discutidos. É neste ponto que Congar acrescenta uma frase de referência útil para a compreensão da gênese do ensaio que publicamos em tradução. […]
Desde o artigo de Congar sobre a máxima Quod omnes tangit, surgiram outros estudos especializados que exploraram sua origem, difusão e significado. Alguns, publicados nos anos imediatamente seguintes, foram listados pelo próprio Congar no apêndice da reedição de seu ensaio; outros datam de anos mais recentes.
O significado da máxima Quod omnes tangit, destacada por Congar em seu artigo, é claramente sublinhar a necessidade, sentida na prática das instituições colegiais da Igreja medieval e, de modo mais geral, nos grupos sociais medievais, de respeitar a regra do consenso (ou, secundariamente, o princípio da maioria). No documento da Comissão Teológica Internacional sobre sinodalidade, essa máxima é citada, em um sentido tão amplo que chega a ser inapropriado, em relação ao princípio sinodal.
Nota
No volume recentemente publicado "O amor de Cristo nos possui" (2Cor 5,14): uma miscelânea em homenagem a Vincenzo Battaglia, editado por Mary Melone e José Manuel Sanchis Cantó (Antonianum, Roma, 2025), aparece pela primeira vez a tradução de Lorenzo Cappelleti do francês para o italiano do estudo de Yves Congar, Quod omnes tangit, ab omnibus tractari et approbari debet", na Revue Historique de Droit Français et Étranger, 36 (1958), p. 210-259. Tiramos um extrato da introdução do Padre Pietro Messa ("Concílio e consenso na Igreja segundo Yves Congar", em "O amor de Cristo nos possui" (2Cor 5,14), p. 403-408).
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