09 Outubro 2025
"Não estamos apenas perdendo tempo de aula, estamos lutando para não perder o próprio significado de educar", escreve Robson Ribeiro, teólogo, filósofo e professor. É formado em História, Filosofia e Teologia, áreas nas quais trabalha como professor em Juiz de Fora (MG).
Eis o artigo.
Mesmo com 21% do tempo de aula perdido com indisciplina, 87% dos professores afirmam estar satisfeitos com o trabalho. O dado revela um paradoxo: a vocação resiste onde o sentido vacila.
A mais recente Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis 2024), divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), trouxe à tona um retrato inquietante da educação brasileira. O estudo revela que os professores perdem, em média, 21% do tempo de aula apenas para manter a disciplina em sala, ou seja, uma hora de cada cinco é gasta tentando restabelecer a ordem e conquistar a atenção dos estudantes.
Enquanto isso, nos países-membros da OCDE, essa média é de 15%. O levantamento, que ouviu docentes e diretores dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), aponta ainda que 44% dos professores brasileiros afirmam ser constantemente interrompidos pelos alunos, mais do que o dobro da média internacional (18%).
Os números são duros, mas reveladores. A escola brasileira vive uma crise de autoridade e uma crise de sentido. A figura do professor, antes símbolo de saber e referência moral, perdeu legitimidade diante de uma geração moldada pela velocidade, pela dispersão e pelo consumo de estímulos superficiais. Já o estudante, mergulhado em uma cultura da distração, parece ter esquecido o porquê de aprender.
Paradoxalmente, 87% dos professores brasileiros afirmam estar satisfeitos com o próprio trabalho, o mesmo índice registrado em 2018. Esse dado, longe de negar a crise, revela sua profundidade. Mesmo em meio ao caos, o professor ainda encontra sentido em educar, porque ensinar, para muitos, ainda é um gesto de resistência e esperança. É a vocação que sobrevive, é o compromisso ético que permanece onde a autoridade foi corroída.
A crise de autoridade na escola não é uma questão disciplinar, mas civilizatória. De fato, sem a mediação do professor, o aluno não encontra referência de mundo, e o professor, sem ser reconhecido como autoridade legítima, torna-se apenas mais uma voz entre tantas outras que ecoam sem profundidade.
Vivemos, portanto, uma crise de sentido! Sem generalizações é possível observar que, com alguns estudantes, o que mais agrega valor não é o aprendizado através do esforço e da atenção, mas é pelo imediatismo, pela pressa e pela superficialidade.
Destarte é na persistência que impede o colapso completo do sistema. E é nela que se encontra a última chama de sentido em meio à crise. O professor brasileiro é, hoje, o verdadeiro guardião do sentido em meio ao caos. Mesmo diante da indiferença e da dispersão, ele segue acreditando na força do ensinar. Sua presença em sala é um ato de resistência silenciosa, um gesto de fé no humano quando o próprio humano parece se perder. Se a educação ainda não sucumbiu, é porque há professores que, todos os dias, insistem em acender a luz onde o mundo insiste em apagar.
Porque, afinal, não estamos apenas perdendo tempo de aula, estamos lutando para não perder o próprio significado de educar.
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