08 Outubro 2025
"A posição é o fruto de um processo de memória seletiva que perpetua a desumanização do povo palestino e, escondendo-se por trás do mantra da neutralidade, coloca no centro a sensibilidade, os interesses e os sentimentos do opressor", escreve Ruba Salih, professora de Antropologia na Universidade de Bolonha, em artigo publicado por il manifesto, 07-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Desde sempre o voto pelo boicote às instituições israelenses suscita certa apreensão, pois é interpretado como uma postura que extrapola a esfera de nossa ação acadêmica. Algumas das considerações que motivam essa hesitação podem parecer convincentes para alguns céticos. "O que os acadêmicos têm a ver com a ocupação e o genocídio?" E mais: "Não estamos tornando mais vulnerável a melhor parte da sociedade israelense?" Ou: "Esses protestos nunca mudam nada na realidade". Outras variações incluem: "A questão palestina é muito complexa, não sabemos o suficiente", mas também "as universidades e as associações liberais não devem tomar partido, mas garantir a pluralidade de visões dos indivíduos".
Aos que hesitam em "tomar posição", peço que paremos por um momento para refletir sobre isto: uma moção que pedisse uma forte condenação da violência e do terror policial contra a população afro-americana seria acusada de violar ou criminalizar aqueles agentes da polícia que não estão diretamente envolvidos em atos de violência brutal? Ou de ameaçar a neutralidade da disciplina? Certamente não. A verdade é que somos constantemente instados a nos posicionar, e o fazemos sem hesitação, para expressar a nossa indignação pelo racismo estrutural das nossas sociedades e instituições, para afirmar "não em meu nome" quando se trata das responsabilidades das necropolíticas no Mar Mediterrâneo. Nossa condenação levaria a uma mudança imediata e drástica do sistema policial dos EUA, ao fim da violência racial ou ao fim da violência dos regimes de fronteira? Talvez não, ou talvez não no futuro imediato.
No entanto, a maioria dos membros desta sociedade expressa indignação e protesto de diferentes maneiras e em diferentes momentos, alguns mobilizados por uma posição ética ou política, outros movidos pela insustentabilidade da paralisia, da indiferença ou da imparcialidade diante de flagrantes injustiças e desumanizações, outros e outras simplesmente porque não temos escolha; somos antropólogos encarnados, com histórias e vidas em nosso background marcadas pela violência colonial ou pelos regimes de fronteira.
Aos que acreditam que a Universidade, o conhecimento e disciplina antropológica devem ser apolíticos, objetivos e neutros, gostaria de lembrar: alguns dos trabalhos mais importantes no âmbito dos que hoje são considerados os cânones e fundamentos das ciências sociais e humanísticas ocidentais são fruto dos escritos corajosos de estudiosos que não podiam permanecer imparciais diante dos horríveis eventos do século XX. Trata-se de figuras como Hannah Arendt, autora de A Banalidade do Mal e A Origem do Totalitarismo; ou Zygmunt Bauman, cuja obra seminal sobre a modernidade deve muito às suas ideologias gramscianas e às suas posições comunistas, que lhe custaram o exílio; ou o historiador March Bloch, expulso da Sorbonne pelo regime nazista e depois morto pela Gestapo.
Com essa história em mente, como se pode hoje defender de forma convicta que as próprias responsabilidades éticas, morais e políticas estão em desacordo com o rigor metodológico e disciplinar?
À luz disso, a popularidade da posição que exige que os acadêmicos não se posicionem sobre a Palestina, uma ideia frequentemente enfatizada pelos ativistas contrários a essas moções, parece mais uma exceção do que uma norma. A população palestina continua sendo a população sacrificável, supérflua, a população que se pode deixar anular: o dano colateral.
A verdade é que nenhum de nós, homem ou mulher, pode se dar ao luxo de ser "imparcial", porque o próprio contexto em que trabalhamos é tudo menos neutro. Os estudiosos palestinos vivem há décadas sob uma ocupação brutal, e agora genocídio, da qual as instituições acadêmicas israelenses são ativa e diretamente cúmplices. Aqueles que lutam pelos direitos humanos do povo palestino, dentro e fora da disciplina, há anos são ameaçados por listas de proscrição, censura, criminalização, deslegitimação e até mesmo submetidos a violências.
Já passamos por isso antes. Lembro-me de que foi justamente essa noção de "imparcialidade" e o convite à preservação da natureza apolítica do mundo acadêmico que mobilizou os participantes da reunião da Associação Antropológica Americana (AAA) em dezembro de 2014, em Washington, DC. Um grupo de acadêmicos propôs uma moção para encerrar o debate sobre o potencial apoio da AAA ao boicote. Isso se baseava na crença de que o mundo acadêmico não era considerado espaço para "fazer política". Foi nessa tentativa de normalizar essa memória seletiva que uma antropóloga, mais idosa do que a média dos participantes, interveio na assembleia para lembrar como a AAA historicamente havia sempre sido uma poderosa arena de expressão política e de protesto contra as violações dos direitos humanos. As reuniões de trabalho da AAA, ela lembrou, duravam noites inteiras durante os protestos contra a Guerra do Vietnã ou na época da invasão israelense do Líbano em 1982. Naquela época, como hoje, a antropologia sentia a urgência de expressar sua indignação, numa tentativa de se distanciar do papel que a própria disciplina teve na produção cultural de legitimação do colonialismo e da conquista.
Então, o que torna o atual apelo pela aprovação de uma moção de rescisão imediata das relações com as universidades israelenses ainda um tema controverso e o contexto para uma demanda tão vigorosa e anacrônica de imparcialidade? A posição é o fruto de um processo de memória seletiva que perpetua a desumanização do povo palestino e, escondendo-se por trás do mantra da neutralidade, coloca no centro a sensibilidade, os interesses e os sentimentos do opressor. Um voto contrário é uma oportunidade perdida para deter o genocídio e reumanizar também essa parte do mundo, adoecida pela conquista e a violência ocultas por trás do mantra da inocência e da neutralidade. Temos o imperativo moral de assumir a responsabilidade e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, como antropólogos e antropólogas, para pôr fim ao apartheid israelense, à ocupação e ao colonialismo dos colonos, ao genocídio brutal da população palestina em Gaza.
Apoiamos este apelo à ação em nome da sociedade civil palestina. Não nos escondamos atrás da suposta "ineficácia" das moções de rescisão. Talvez isso seja uma forma de otimismo do desespero, mas o zelo com que muitos governos de direita estão se mobilizando para criminalizar essas formas de protesto e o inacreditável apoio que o movimento pelo isolamento das universidades israelenses cúmplices dos massacres está obtendo no campo em todo o mundo demonstram o contrário.
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