03 Outubro 2025
"O Ocidente, especialmente os europeus, ficaram de mãos atadas desde o início quando declararam que "será a Ucrânia a decidir quando e em que condições irá firmar a paz. Patológico, não acham? Demais até para Trump", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 02-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Contam que já nos remotos tempos de Camp David (vejam só: mais uma "paz", por assim dizer, servida no Oriente Médio), o estadunidense George Tenet, o homem da CIA, foi até Arafat e o avisou para cortar preventivamente qualquer ilusão de resistência e distinção: "Atenção, nós" — e disse isso como se pronunciasse cada sílaba em letras maiúsculas — "podemos criar novas fronteiras, novos povos, novos regimes". Na época, o francês Hubert Védrine definia os Estados Unidos como "a hiperpotência", e certamente não em tom amigável.
Ainda vale aquela Weltanschauung meio à la gangster, a vulgaridade generalizada de Donald Trump a trouxe de volta à moda nesta época que, com toda razão, foi chamada de era pós-estadunidense? Aguardamos ansiosamente o sim do Hamas e de seu Ministério das Relações Exteriores, ou seja, o Catar, à "paz" israelense-estadunidense escrita em parceria pelos dois inseparáveis sócios, Trump e Netanyahu. Mas muitos esquadrões desordenados de Cândidos já se regozijam e se perguntam quando o presidente estadunidense aplicará proveitosamente o mesmo método nas entranhas ocultas do outro nó bélico, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Afinal, qual é a diferença, dizem? O estilo de Trump é imperfeito, meio vulgar, meio cruel, meio astuto, mas ele está descaradamente determinado a manipular e devorar tudo. Às favas a diplomacia clássica! Para esse camelô, para o qual não existe núcleo ideológico sério exceto o narcisismo, nenhuma doutrina exceto a conversa fiada, nenhum mandamento moral, mas apenas seu (próprio) interesse e a ameaça da força, nenhuma negociada é impossível. Por que o vendedor de Nova York não deveria produzir deliciosos milagres também na Europa Central?
A resposta permite revelar os titubeantes subentendidos, as deliberadas mentiras e os limites intransponíveis que distinguem as duas guerras. Resumindo: a proposta de pôr fim ao massacre em Gaza, com algumas concessões secundárias de parte de Israel e inócuos envolvimentos dos regimes árabes vassalos que nada mais pedem do que salvar a cara, não é um projeto de paz; é uma intimação de rendição. Não apenas do Hamas, que deve entregar as armas; mas de todos os palestinos, que terão que regredir a uma administração controlada no estilo dos mandatos coloniais (que infelizmente estavam na moda naquelas paragens), e estão sendo convidados a adiar suas "legítimas aspirações". Uma esplêndida escolha linguística que os faz retroceder décadas. Tudo de novo, depois veremos. Às favas os cálidos contos de fadas dos dois povos e dois Estados. Uma dura realidade da qual eles rapidamente se deram conta, exceto pelo bando de traficantes e colaboracionistas da antiga Autoridade Nacional Palestina que esperam lucrar mais algumas propinas ficando calados. Aqui a intimação de rendição é possível; que outra escolha existe senão render-se conforme os interesses?
Eis o ponto: a confusão que nós, no Ocidente, usamos como forma silenciosa e evasiva de evitar envolvimentos diretos, o ledo engano entre a paz (justa) e a rendição incondicional. É o embuste linguístico de Versalhes de 1918, no final da primeira hecatombe mundial: nos livros escolares está escrito "Paz de Versalhes"; em vez disso, foi um diktat imposto aos impérios centrais sem qualquer discussão. Os alemães nem sequer foram convocados, exceto pela humilhação da sigla. Como os palestinos. Assinem ou serão aniquilados: não lembra a curta e grossa prosa de Trump após o anúncio?
Mas o que é possível (talvez) com o Hamas não é possível, por várias razões, com os dois contendores da guerra europeia de dura há quatro anos. Não funciona com Putin porque seu poder atômico obriga a cautelas de necessária dissuasão para evitar atalhos para a cidade do Apocalipse.
Portanto, condições como a retirada de todos os territórios invadidos, o pagamento dos custos da guerra, a aceitação da adesão da Ucrânia a todas as organizações imagináveis e a presença de soldados da OTAN nas fronteiras da Rússia servem apenas à propaganda interna dos impotentes líderes europeus. Impor a paz a Zelensky significa obrigá-lo a abrir mão dos territórios perdidos em troca de alguma garantia que não seja a adesão à OTAN e à perigosa armadilha automática do Artigo 5. O presidente ucraniano, obviamente, jamais aceitará essas condições e as rotularia, com razão, como uma traição ao estilo Munique 1938. Aceitar quatro anos de destruição, perdas humanas e heroísmos anônimos seria uma derrota que o apagaria de qualquer futuro político.
O Ocidente, especialmente os europeus, ficaram de mãos atadas desde o início quando declararam que "será a Ucrânia a decidir quando e em que condições irá firmar a paz". Patológico, não acham? Demais até para Trump.
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