22 Agosto 2025
Netanyahu garante que a tomada da capital da Faixa de Gaza continua enquanto anuncia a abertura de negociações para libertar todos os reféns mantidos pelo Hamas.
A reportagem é de Joan Cabasés Vega, publicada por El País, 06-08-2025.
O exército israelense anunciou na quinta-feira que informou às autoridades médicas e organizações humanitárias de Gaza que devem se preparar para deixar a Cidade de Gaza e seguir para o sul. O aviso prevê uma ordem de evacuação posterior "para todo o município", onde o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza e grupos humanitários estimam haver um milhão de pessoas.
Israel emitiu este alerta publicamente um dia depois de porta-vozes do exército declararem, com a aprovação do governo de Benjamin Netanyahu, que eles já estavam envolvidos na controversa tomada do maior município do enclave.
Netanyahu anunciou nesta quinta-feira que ordenou o início "imediato" das negociações "para libertar todos os reféns" que permanecem na Faixa de Gaza. A declaração marca a primeira referência aparente às negociações de cessar-fogo em andamento e à proposta de trégua que o Hamas aceitou na segunda-feira, à qual o governo israelense não fez menção até o momento.
Apesar da retomada dos canais diplomáticos, o primeiro-ministro insiste que a ofensiva na Cidade de Gaza continua: "Estamos diante de uma vitória decisiva. Vim [visitar] a Divisão de Gaza para aprovar os planos que o exército me apresentou para assumir o controle da Cidade de Gaza e derrotar o Hamas". Vários analistas acreditam que o primeiro-ministro está manipulando cada passo dos preparativos da ofensiva para obter vantagens na mesa de negociações.
De acordo com um comunicado militar, um representante do COGAT — a autoridade israelense que gerencia a ajuda humanitária em Gaza e no restante dos territórios palestinos ocupados — teve uma conversa telefônica com um membro das autoridades de saúde da Faixa de Gaza: "Estou falando com você sobre a possibilidade de o exército entrar na Cidade de Gaza", disse ele na ligação, cujo conteúdo está refletido na nota: "Isso exige que você prepare um plano para transferir equipes médicas do norte para o sul, para que você possa tratar todos os pacientes".
Há duas semanas, as autoridades israelenses planejam uma ofensiva que levará as tropas a expulsar a multidão faminta reunida na Cidade de Gaza. O desmantelamento dos serviços de saúde e sua realocação para o sul, como Israel pretende, permitiria ao exército israelense lançar uma ofensiva contra a superfície e o subsolo do município, que tem sido anunciada à população como o ápice da busca pelos reféns.
Olga Cherevko, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários (OCHA), afirma que eles permanecerão presentes na Cidade de Gaza enquanto puderem. "Não faremos parte de nenhum deslocamento forçado", disse ela ao El País. "A ajuda deve estar disponível onde quer que as pessoas escolham ficar. Se as pessoas decidirem ficar no norte [como na Cidade de Gaza], elas também devem ter acesso aos serviços".
O Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, também se opõe à demanda israelense: "O ministério expressa sua rejeição a qualquer medida que enfraqueça o que resta do sistema de saúde após a destruição sistemática realizada pelas autoridades de ocupação". Essa medida, acrescenta, colocaria em risco a vida de moradores, pacientes e feridos. O mesmo ministério divulgou nesta quinta-feira o número de mortos em ataques israelenses: 70 pessoas, que também deixaram mais de 350 feridos em 24 horas. As autoridades de Gaza também relataram duas novas mortes por fome, elevando o total de mortes por essa causa para 271 em 22 meses de conflito.
Na quarta-feira, a porta-voz militar Effie Defrin confirmou que o exército já havia lançado a segunda fase da ofensiva "Carruagens de Gideão", que visa invadir a Cidade de Gaza. O exército afirma que o município é "o reduto governamental e militar da organização terrorista Hamas" e alerta que está se preparando para "aprofundar os danos à infraestrutura acima e abaixo do solo, reduzindo a dependência da população do Hamas". As tropas afirmam que a operação está em fase preparatória, que já "controlam" algumas partes dos arredores da cidade e que estão presentes no bairro de Zeitoun, o maior da cidade.
O que as tropas consideram uma fase preparatória significou a expulsão violenta de milhares de civis inocentes. Isso se reflete nos dados do OCHA. Nos últimos oito dias, 95% das pessoas deslocadas dentro do enclave o fizeram para fugir do bairro de Zeitoun, onde tropas israelenses já estão presentes e onde depoimentos relatam bombardeios constantes.
"Minha família decidiu deixar sua casa em Zeitoun no sábado passado porque foi atacada por um drone", disse Ayman Lubbad, um trabalhador humanitário palestino que trabalha em Deir el-Balah, no centro do enclave, via WhatsApp. "[O ataque] matou meu primo e deixou o outro ferido, com as duas pernas amputadas. Meus pais e irmãos sobreviveram milagrosamente".
Mohamed Salha, médico que administrava o último hospital disponível ao norte da Cidade de Gaza até o exército israelense expulsar os trabalhadores em maio, ameaçando-os de morte, disse há algumas semanas que queria ficar na Cidade de Gaza a qualquer custo. Agora, ele vê as coisas de forma diferente. "Estou tentando encontrar um lugar em Deir el-Balah", disse ele via WhatsApp, referindo-se à área no centro do enclave, onde Israel permite a entrada de civis enquanto ataca a região. "Mas é muito difícil encontrar um".
Para organizações humanitárias, o deslocamento em massa que Israel está buscando pode constituir um crime sob o direito internacional. "Forçar centenas de milhares de pessoas a irem para o sul é uma receita para um desastre ainda maior", denunciou o OCHA em um comunicado na quinta-feira, referindo-se ao ato, que foi classificado como uma violação da Convenção de Genebra.
Um grupo de algumas centenas de palestinos se manifestou na quinta-feira na Cidade de Gaza com faixas e bandeiras palestinas para exigir o fim da guerra e do deslocamento forçado. Os cartazes diziam "Parem a guerra" e "Gaza está lutando sozinha". O protesto contou com a presença do sindicato dos jornalistas, membros da rede local de ONGs, da Câmara de Comércio e líderes de alguns dos principais clãs de Gaza.
"A história se repete", disse Lishay Miran, esposa de um refém que se acredita ainda estar vivo, em uma coletiva de imprensa do outro lado do muro. "Há um acordo em discussão que pode salvar os reféns vivos e proporcionar um enterro digno aos mortos. O Hamas aceitou, mas o primeiro-ministro está tentando decretar uma sentença de morte para os vivos e o desaparecimento dos mortos".