O poder de um rugido. Artigo de Riccardo Redaelli

O presidente Donald Trump posa para uma foto com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e líderes europeus (Foto: Andrea Hanks | White House | Flickr CC)

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21 Agosto 2025

"Não nos enganemos: depois da Ucrânia, o método Trump será replicado em outros contextos de guerra. E a paz será cada vez menos justa e cada vez mais decidida pelo rugido dos felinos dominantes do sistema internacional."

A opinião é de Riccardo Redaelli, professor de Geopolítica da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Centro de Pesquisa sobre o Sistema Sul e o Mediterrâneo Ampliado (Crissma, na sigla em italiano). O artigo foi publicado por Avvenire, 20-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Para alcançar a paz, para impedir o "massacre inútil" que toda guerra sempre representa, vale tudo. Se para deter o horrendo moedor — que massacra homens, mulheres e crianças na Ucrânia há mais de três anos — for necessário dirigir-se como postulantes à corte do caprichoso Dominus de Washington, bem fizeram os líderes europeus e o presidente Zelensky em engolir o orgulho e aceitar as maneiras rudes de Trump. É importante demais conseguir arrancar uma trégua que não pareça uma simples rendição, esperando que se transforme em uma paz duradoura, para se prender à falta de respeito às regras mais básicas das "boas maneiras" diplomáticas.

No entanto, a maneira como o presidente dos EUA impôs negociações entre a Rússia e a Ucrânia não será isenta de consequências. E não tanto porque, como tem sido enfatizado por muitos analistas, os líderes europeus tenham se mostrado fracos, temerosos, quase subservientes a Trump. Já nos resignamos a isso.

O problema é muito mais sério e, infelizmente, terá efeitos duradouros: a maneira como Washington aborda as questões internacionais certifica que retornamos, como este jornal já havia ressaltado, à lei da selva. Décadas de multilateralismo foram jogadas fora, o direito internacional e os pedidos do Tribunal Internacional de Justiça cancelados, e agora só conta a força. E a vontade cínica de usá-la. Como o leão na floresta que ruge para reafirmar seu papel e sua vontade a outros animais, Trump impôs seus próprios tempos e métodos.

Não por acaso no Alasca ele recebeu, com um calor e um respeito francamente excessivos, o autocrata Putin, o homem responsável por essa guerra. São dois dos poucos leões na selva global: podem rugir um para o outro, mas se reconhecem e se respeitam como tais, demarcando o território sobre o qual reinam. O outro leão, o presidente chinês Xi Jinping, observa os acontecimentos com dissimulação, mostrando os dentes quando Trump ameaça impor tarifas desproporcionais à China. Essas tarifas foram impostas a todos, inclusive a nós, aliados europeus, que as aceitamos com uma humilhante passividade; com Pequim, que pode prejudicar os Estados Unidos, as negociações ainda estão em andamento.

É um retorno à pura lógica do poder do final do século XIX e início do século XX, ainda mais amarga pela ausência total de qualquer papel desempenhado pelas Nações Unidas. De fato, não apenas a ONU foi ignorada, como quase ninguém se manifestou para destacar essa ausência. Não foi envolvida antes, e não parece haver qualquer vontade de envolvê-la na gestão da reunião bilateral entre Putin e Zelensky, que também poderia ser trilateral com a participação direta de Trump.

Nem mesmo os europeus parecem ter percebido o quão escorregadio esse caminho é, embora provavelmente inevitável. Os mais "corajosos" — talvez devêssemos escrever os menos pávidos e os menos submissos — expressaram o desejo de uma reunião quadrilateral também, com a Europa sentada à mesa com a mesma dignidade dos demais participantes. Não como o que aconteceu em Washington, com nossos líderes interrogados um a um como alunos de primário, parados numa sala esperando para serem convocados. Mas ninguém parece ter percebido que certificar a morte cerebral das Nações Unidas como ferramenta de resolução das disputas significa minar décadas de esforços, desde 1945, para tornar o sistema internacional menos brutal em seu darwinismo geopolítico. O que também parece claro é que também a Rússia, a agressora, parece ser o ator recompensado por essas negociações, enquanto é o agredido quem deve se justificar na tentativa de obter uma paz menos humilhante.

O outro corolário é que os novos métodos de fazer diplomacia impostos por Trump se baseiam, além da força, em uma visão mesquinha e ávida de lucro imediato. O que Washington ganha apoiando a Ucrânia? O que ganha protegendo a Europa ou o Japão? Que os fracos coloquem o dinheiro — muito dinheiro — na mesa, ou não nos importaremos com seu destino. Onde o lucro — e isso é simplesmente escandaloso, além de provavelmente ilegal — não é apenas e tanto aquele dos Estados Unidos, mas aquele pessoal do presidente Trump e da sua família. Em poucos meses de seu segundo mandato, o enriquecimento dele e de seus filhos é estimado em vários bilhões de dólares.

Se tudo isso parar o conflito, beberemos esse amargo cálice. Mas não nos enganemos: depois da Ucrânia, o método Trump será replicado em outros contextos de guerra. E a paz será cada vez menos justa e cada vez mais decidida pelo rugido dos felinos dominantes do sistema internacional.

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