09 Agosto 2025
“O capital desencadeou uma guerra contra os povos, classes e setores sociais para espoliá-los, conquistando territórios para transformar a mãe terra em mercadorias. Esta forma de acumulação deslocou a exploração fabril da classe trabalhadora como o modo principal de enriquecimento das classes dominantes. Para travar a guerra conosco, usam um Estado que ocuparam e blindaram para defender seus interesses”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 08-08-2025. A tradução é do Cepat.
Nos últimos dias, dirigentes de grandes movimentos sociais da região latino-americana têm se pronunciado sobre a realidade mundial em termos que considero problemáticos para as lutas dos povos. Não vou citar nomes e nem siglas, pois para mim o importante é debater ideias ou conceitos e as consequências dos alinhamentos declarados.
Todos eles refletem em termos de nação, de país. Portanto, propõem soluções em larga escala, como a reforma agrária, bem como políticas concretas para cada um dos problemas do mundo popular, a moradia, o emprego, a pobreza, a fome. Propõem elaborar projetos em larga escala para milhões.
Também abordam as relações internacionais, propondo estreitar laços entre os países do Sul, fortalecer o BRICS e trabalhar pela integração regional. Entre as alianças regionais que postulam, destacam-se a Venezuela e outros países em enfrentamento com os Estados Unidos, sempre considerado o inimigo principal.
São muitas as análises de que se as relações Sul-Sul ou a integração regional fossem aprofundadas, os problemas dos setores populares poderiam ser resolvidos. Esta escala ampla da ação política é a mais importante para dirigentes de alguns movimentos sociais e para as organizações dos setores populares.
Apresento algumas opiniões sobre os problemas que observo.
A primeira coisa é a tendência a tomar partido nas disputas internacionais de hoje, confundindo povos com estados-nação. A ideia de que os inimigos dos Estados Unidos são aliados do campo popular segue ganhando adeptos. Aqui, aparece uma tendência que se manifestou de forma muito clara no início do século XX, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial e a esquerda tomou partido por suas nações, esquecendo as classes populares dos países envolvidos no conflito.
Optar pela China, Rússia, Brasil ou Irã, frente aos Estados Unidos, é o mesmo que deixar de lado as opressões sofridas pelos povos destes países, ao mesmo tempo em que se opta pela defesa das classes dominantes emergentes, frente às decadentes. Temos tratado disto em vários artigos, mas vale a pena lembrar.
Em segundo lugar, não vejo razão alguma para considerar que os movimentos populares de hoje devem apresentar programas de soluções em escala nacional ou planetária. Esta cultura política considera que o modo de levar as propostas à prática só pode ser através da conquista do Estado, atualmente pelo caminho eleitoral. E é aqui que se tropeça repetidamente. Não se considera que o Estado não é mais o mesmo de meio século atrás e que o capitalismo não funciona do mesmo modo.
O capital desencadeou uma guerra contra os povos, classes e setores sociais para espoliá-los, conquistando territórios para transformar a mãe terra em mercadorias. Esta forma de acumulação deslocou a exploração fabril da classe trabalhadora como o modo principal de enriquecimento das classes dominantes. Para travar a guerra conosco, usam um Estado que ocuparam e blindaram para defender seus interesses.
Portanto, é um erro grave pensar que é possível acessar as instituições estatais para usá-las em benefício dos de baixo. Quem consegue imaginar, hoje, forças armadas e policiais que trabalhem ativamente para o povo? É o que também se pode dizer do aparato judicial e do sistema econômico, público ou privado. Esta realidade estrutural não muda com a elaboração de um projeto nacional diferente do atual.
Em terceiro lugar, diversos movimentos apoiam a desdolarização, conforme tem sido debatido nas cúpulas do BRICS. Entrar nessa disputa hegemônica, por mais que o domínio do dólar seja nefasto para a humanidade, não garante de modo algum que alguma coisa mudará para os povos e setores populares. Quem se beneficiará são as elites locais, que agora perdem com o dólar e, sobretudo, as grandes potências, como a China, que podem estar em condições de disputar a desdolarização do comércio global.
No cerne do debate está uma questão de prioridades. Ou direcionamos nossas energias coletivas para a construção de mundos novos, um enorme desafio que pouquíssimos movimentos estão encarando, ou então permitimos que os materiais que fazem o velho mundo que está desmoronando sejam os mesmos com os quais as novas realidades serão levantadas depois da tempestade.
Precisamos de outra saúde, outra educação, outra justiça, e outro tipo de relação com a natureza e entre as pessoas, que não reproduza os padrões já conhecidos de opressões e explorações. Immanuel Wallerstein observou que o grande debate do futuro será sobre a reconstrução do mundo que está se desintegrando diante de nossos olhos.
Na busca por esses outros materiais e modos de fazer, encontraremos as respostas para saber se voltaremos a reproduzir o capitalismo ou conseguiremos superá-lo. É uma tarefa coletiva que demandará muito tempo.