11 Abril 2025
Como a era do Instagram e do TikTok expõe meninos a conteúdos misóginos e abala a autoestima das meninas.
O artigo é de Nina Lemos, publicado por DW, 09-04-2025.
Nina Lemos é jornalista e escritora, escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
Nós, adultos, andamos preocupados com os riscos a que os adolescentes meninos estão sujeitos online. E temos motivos para isso: estudos e especialistas apontam que os algoritmos favorecem o contato de meninos com comunidades de ódio online, como incels, red pills e outros grupos radicais de ódio.
O alerta soou mais alto depois que a série Adolescência (que conta a história de um menino de 13 anos que, após contato com essas comunidades de ódio, mata uma colega), exibida na Netflix, virou um fenômeno no mundo todo.
E as meninas? Bem, elas não são tão submetidas a esse tipo de conteúdo de ódio, mas podem ser ensinadas a odiar a si mesmas. Elas são as maiores vítimas de um dos males causados pela rede social: os distúrbios de imagem, turbinados por filtros e edições de foto que hoje estão ao alcance de todas.
Vários estudos confirmam: quanto mais tempo uma adolescente passa online, mais ela pode odiar o próprio corpo. Assim, elas ficam sujeitas àqueles transtornos que, infelizmente, nunca saíram de moda e existem desde quando eu era adolescente.
Falo dos distúrbios de imagem, da insatisfação com o próprio corpo, e, nos casos mais graves, do risco de sofrer de séria dismorfia corporal e de transtornos seríssimos como anorexia e bulimia.
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O estudo intitulado Adolescentes, TikTok e Instagram: percepções do impacto das tecnologias digitais em suas vidas sociais mostrou que meninas têm uma percepção mais negativa do que os meninos sobre o impacto destas duas plataformas em seu bem-estar psicológico. A pesquisa é das universidades espanholas Pompeu Fabra e Universidade Aberta da Catalunha e foi divulgada no mês passado após entrevistar mais de mil adolescentes espanhóis entre 12 e 18 anos.
"As meninas se veem como usuárias mais frequentes das redes sociais quando elas mesmas se comparam aos meninos", diz o texto. Elas experimentam "maiores expectativas para publicar conteúdo e se sentem mais observadas e pressionadas em relação à sua imagem corporal e a validação externa à qual se expõem – o que pode levá-las a desenvolver mais práticas de auto-objetificação", analisa a pesquisa.
Segundo o que as pesquisadoras responsáveis pelo estudo disseram em entrevista à imprensa espanhola, "o tipo de conteúdo geralmente oferecido por padrão às meninas tem um impacto claro na imagem corporal e na autoestima delas".
"Você tem uma enxurrada de postagem enaltecendo transtornos alimentares, que os algoritmos entregam propositalmente para meninas. E aí você tem um número enorme de meninas com anorexia, bulimia e automutilação", disse a juíza Vanessa Cavalieri, em entrevista ao podcast Fio da Meada, da Rádio Novelo.
Ou seja, na era do Instagram e do TikTok, no que depender das entregas dos algoritmos, os adolescentes meninos ficam expostos a conteúdos misóginos, enquanto as meninas acabam vendo vídeos que as deixam insatisfeitas com seus corpos.
Repito: esses riscos sempre existiram. Mulheres estão há décadas submetidas a uma grande lavagem cerebral. É como se parte da mídia e da sociedade gritassem: "emagreça, diminua o tamanho do seu nariz!" e por aí vai. O que acontece hoje é uma "influência em massa". Em poucos minutos, meninas podem ver dezenas de vídeos prejudiciais à sua imagem corporal. Bem mais do que nós, que temos mais de 40, éramos expostas quando comprávamos uma revista.
Não podemos esquecer, claro, que existem segmentos de indústrias que lucram com a insatisfação das meninas. E eles andam lucrando muito. Para fins comerciais, quanto mais cedo elas ficarem insatisfeitas, melhor. Um exemplo de como esse comércio funciona é a recente febre de rotina de beleza praticada por crianças (gravadas e exibidas em redes sociais).
Existem dezenas de tendências que podem aumentar a insatisfação das meninas com seus corpos. De acordo com estudo divulgado ano passado pela universidade australiana Flinders University, os conteúdos de fitness no TikTok, por exemplo, conhecidos como "Inspiração Fitness", possuem características que podem impactar negativamente a imagem corporal. Detalhe: 78% dos vídeos estudados exibiam só mulheres (magras e malhadas), ou seja, os vídeos afetam muito mais as meninas.
Tudo isso é bastante assustador, mas também não podemos negar que mulheres (graças a elas mesmas) fizeram muitos progressos na área de imagem corporal. Movimentos como o body positivity (positividade corporal), por exemplo, levaram mulheres e meninas a mostrarem seus corpos naturais sem medo e sem vergonha nas redes sociais e nas praias, o que é maravilhoso.
Quando eu era adolescente, revistas como a Capricho (quem tem mais de 40 anos lembra) inundavam nossa frágil autoestima com conteúdos de "Antes e Depois", onde meninas exibiam seus novos corpos antes e depois de se submeterem a dietas absurdas. Hoje, graças a esses movimentos, esse tipo de conteúdo não seria aceito sem crítica. Ou seja, as coisas, por um lado, melhoraram. E muito.
Mas os desafios continuam. Não é fácil lutar contra a força das redes sociais e de seus donos, que cada vez mais deixam claro que não estão nem aí para os danos causados pelas redes.
Uma prova disso: desde ontem, a Meta (empresa que abrange o Facebook, o Instagram, WhatsApp e Threads) encerrou o seu programa de verificação nos Estados Unidos. A verificação será gradualmente substituída por "notas" escritas pela "comunidade".
Os posts com conteúdos falsos não serão retirados imediatamente quando descobertos. Isso aumenta a possibilidade de desinformação. E, claro, as dietas escalafobéticas, as receitas de milagres para "mudar o próprio corpo em uma semana" e a "moda" de influencers com padrão de corpo irreal (literalmente, já que são feitas com inteligência artificial) também devem se beneficiar disso.