17 Novembro 2023
A palavra é o melhor remédio para situações de extremo sofrimento psíquico em adolescentes, que podem levar ao suicídio. Uma palavra que se torna discurso, competente, mas sobretudo humano e compassivo, para entrar em relação com o sofrimento mental dos jovens. Por isso é necessário superar a tentação de esconder todo discurso sobre a morte, mesmo autoinfligida, de jovens e muito jovens.
A reportagem é de Enrico Negrotti, publicada por Avvenire, 14-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma das principais mensagens que emergiram da conferência de dois dias “Além da escuridão", organizada na semana passada pelo Núcleo de Neuropsiquiatria da Infância e da Adolescência (NPIA) da Fundação “Mondino” Irccs de Pavia, dirigida por Renato Borgatti, para “compreender e prevenir os comportamentos suicidas em adolescentes”. “Queríamos identificar as especificidades dos casos que dizem respeito aos adolescentes, muito diferentes daqueles dos adultos – explica Renato Borgatti, diretor do Npia da Fundação Mondino e professor de Neuropsiquiatria da Universidade de Pavia –. E oferecemos uma sessão destinada ao público, porque é importante falar sobre o fenômeno, para superar o tabu".
Mesmo que nem sempre seja fácil recolher dados epidemiológicos, "viciados" por fenômenos que tendem a criar distorções, destacaram Cristina Montomoli (professora de Estatística Médica da Universidade de Pavia) e Antonella Costantino (diretora de Neuropsiquiatria Infantil da Fundação Irccs Policlinico di Milano) os setores de neuropsiquiatria da infância e da adolescência concordam que há registro de um aumento de pedidos de ajuda nos últimos anos, muitas vezes com comportamentos de autolesão ou tentativas de suicídio entre os mais jovens.
“Um fenômeno que vem se manifestando há pelo menos uma década– relatou Elisa Fazzi, presidente da Sociedade Italiana de Neuropsiquiatria da infância e adolescência (Sinpia) – mas que explodiu nos últimos anos”. Colocando em crise um sistema de assistência que conta com apenas 403 leitos em toda a Itália para internações em Neuropsiquiatria infantil, e cinco regiões estão completamente desatendidas. Segundo uma estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS) citada diversas vezes na conferência, os suicídios são a segunda causa de morte para jovens entre os 15 e os 29 anos, depois dos acidentes de trânsito (embora recentemente, dividindo ainda mais as idades, caiu para o terceiro-quarto lugar para algumas faixas). Certamente, como lembrou o sociólogo Marzio Barbagli, isso depende do fato de os jovens serem essencialmente saudáveis e, portanto, morrem pouco de doença: “Também não se pode esquecer que a taxa de suicídio também é muito maior entre os idosos: seis vezes maior entre aqueles com mais de 85 anos”.
As recomendações da OMS para a prevenção do suicídio centram-se em quatro ações principais: limitar o acesso aos métodos letais; interagir com as mídias para uma modalidade responsável de reportar notícias de suicídio; apoiar habilidades socioemocionais na adolescência; identificar precocemente, cuidar e tratar qualquer um que apresente comportamento suicida. “A prevenção do suicídio dos jovens – explicou o psiquiatra Maurizio Pompili (Universidade La Sapienza de Roma) – é difícil. É necessário perceber os sinais de alerta, porque não falam disso de maneira clara: entre estes o declínio no desempenho escolar, isolamento social, promiscuidade, uso de substâncias ou a tendência à automedicação, problemas de saúde levados à atenção de médicos e outros reconhecidos como enquadráveis num contexto mais amplo, como o do risco de suicídio”.
Pompili, que também é diretor do Serviço de Prevenção ao Suicídio do hospital Santo André em Roma reitera que “o suicídio é a ponta do iceberg do sofrimento juvenil, que já estava presente na época anterior à pandemia. O Covid tornou tudo mais complexo, especialmente para os jovens”. Os dados dos EUA, acrescentou, indicam que entre janeiro de 2019 e maio de 2021, aumentaram as internações no pronto-socorro por tentativas de suicídio da população entre os 12 e os 17 anos, especialmente entre as garotas. “Na Itália – acrescentou Pompili – segundo os dados do Relatório Osservasalute 2022, entre 2019 e 2021 o índice de saúde mental da população diminuiu na população entre os 14 e os 24 anos, especialmente entre as garotas".
A piorar os índices de socialização, Pompili destacou que não foi só a pandemia: “Os números têm diminuído desde 2000: estamos atravessando uma epidemia de solidão”. E muitas vezes recorrer ao ciberespaço expõe a novos riscos: “O cyberbullying parece ter aumentado durante a pandemia – acrescenta Pompili – e está ligado ao risco de suicídio. Estimativas nada fáceis indicam que um em cada seis jovens é atingido (especialmente garotas), mas apenas um em cada dez consegue pedir ajuda. E destacou que “o suicídio tem a ver com o neurodesenvolvimento, não com uma nota ruim ou uma desilusão sentimental”.
Nos meandros do sofrimento mental dos mais jovens se aprofundou Mario Speranza, professor de Psiquiatria da infância e adolescência na Universidade de Paris-Versalhes. De fato, as crises que vivemos (desastres ambientais, terrorismo, guerras) também afetam os adolescentes, especialmente se viveram traumas relacionais: “São as situações em que a criança/adolescente não pôde ver atendidas as necessidades fundamentais que tinha na infância.
O ambiente abusivo/negligente, principalmente o familiar, não foi capaz de prestar atenção aos estados mentais e às necessidades emocionais da criança, deixada sozinha emocionalmente com estados de insegurança. E como se essas crianças tivessem desenvolvido um atraso no desenvolvimento das autorregulações, no plano das emoções, do comportamento, da autoestima e principalmente das relações com os outros". Portanto, principalmente “o trauma relacional criou uma profunda desconfiança no ambiente externo e as informações vindas do exterior podem ser percebidas como perigosas ou irrelevante”. O jovem “perdeu a capacidade de aprender com os outros: é o conceito da suspeição, da desconfiança epistêmica. Tudo o que propomos a esses adolescentes não é utilizável, porque a porta relacional está fechada”. “É fundamental – conclui Speranza – que o terapeuta possa encarnar a humanização, o calor e a compaixão que não puderam experimentar, a fim de tentar recriar essa confiança epistêmica”.
Como exemplificou o psicoterapeuta Antonio Piotti (Instituto Minotauro): “Não se pode falar banalidades, mas mostrar que se percebe que o adolescente está mal e que é entendido: juntos vamos tentar uma saída do beco, que a ele parece cego”. Por outro lado, alertou a psicoterapeuta Stefania Andreoli, não é verdade que falar sobre os casos de suicídio os alimente. No entanto, deve-se falar de forma clara deles, sem enfatizá-los, destacou Chiara Davico (Neuropsiquiatria da Universidade de Turim) e sem apresentá-los como heróis românticos, que favorecem o chamado Efeito Werther (do romance de Goethe) enquanto é necessário desenvolver o efeito Papageno (personagem da Flauta Mágica de Mozart), que mostra a possibilidade de ajuda olhando de forma diferente para problemas que parecem insolúveis (e Papageno.news é o site desenvolvido em colaboração com o pós em jornalismo de Turim para incrementar a informação correta sobre o suicídio). Maurizio Pompili conclui: “é preciso entrar em sintonia com o sofrimento e despertar o desejo de viver”.
Muitas pessoas que pensam em morrer gostariam de viver: a dor mental faz com que acreditem que estão numa situação que não tem saída melhor para o sofrimento do que o suicídio. Mas se o sofrimento também for gerido com a ajuda de outro, progenitor, educador, colega, profissional de saúde, sente-se aliviado do sofrimento e escolhe viver”. Uma possibilidade de ajuda que, portanto, envolve a todos.
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Adolescentes, suicídios, emergência social. “É preciso ajudá-los a gerir o seu sofrimento” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU