08 Abril 2025
O que aconteceu ontem no Vaticano lembra vagamente o que aconteceu na primavera de 1789 em Versalhes durante a reunião dos Estados Gerais, quando os burgueses leigos do Terceiro Estado se rebelaram contra o rei, o clero e os nobres.
A reportagem é de Luca Kocci publicada por Il Manifesto, 04-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os participantes da segunda Assembleia Sinodal da Igreja Italiana (1.008 pessoas, das quais 530 leigos, na maioria mulheres) rejeitaram o texto do documento final preparado pela Presidência - que deveria ser a síntese do debate e das propostas amadurecidas nos quatro anos de trabalho do “Caminho Sinodal” - e aprovaram por uma ampla maioria uma moção que compromete a própria Presidência a reescrever o documento do zero, “acolhendo emendas, prioridades e contribuições que surgiram” e, ao mesmo tempo, marca uma nova assembleia para o próximo 25 de outubro. Trata-se de um epílogo sem precedentes, que destaca um forte descolamento entre bases e cúpula da Igreja italiana.
Em outras palavras, entre o que, com todas as suas limitações, foi discutido e proposto pelas bases nas várias fases do longuíssimo caminho sinodal - iniciado em outubro de 2021, sobretudo devido às insistências do Papa Francisco em relação a uma Conferência Episcopal Italiana bastante relutante, se não recalcitrante - e o documento final de síntese articulado em cinquenta “Proposições” redigido pela cúpula (formalmente secreto, mas que circulou por canais não oficiais). Um texto que a assembleia - reunida de 31 de março até ontem - julgou vago e genérico e que, acima de tudo, eliminou ou anestesiou as propostas mais avançadas: um maior reconhecimento do papel das mulheres, considerando também o acesso a novos ministérios; uma abertura real para as pessoas homossexuais e lgbtq (acrônimo não utilizado no documento, mas amplamente usado no debate e nas propostas) uma ação mais decisiva contra o crime dos abusos sexuais e, acima de tudo, transparência (a CEI, ao contrário de outras Conferências Episcopais Europeias, sempre rejeitou uma investigação independente sobre o assunto); maior clareza e participação em relação aos aspectos econômico-financeiros, incluindo o repasse de oito por mil dos impostos; a desmilitarização dos capelães militares; um maior empenho pelas questões sociais.
Omissões causadas por uma síntese “excessiva”, tentou explicar D. Erio Castellucci, arcebispo de Modena e presidente do Comitê Nacional do Caminho Sinodal. A Presidência havia preparado um texto de 74.000 caracteres, mas há poucas semanas o Conselho Episcopal Permanente (uma espécie de executivo da CEI) pediu sua “redução drástica”, e assim o documento foi enxugado para 46.000 caracteres, disse Castellucci ontem, tentando redimensionar o que aconteceu: “Foi definida por alguns como uma Assembleia ‘rebelde’, mas foi de fato uma Assembleia viva, crítica, leal, apaixonada pela Igreja e por sua missão”. O fato é que, quando a Presidência percebeu que o dissenso era forte, em vez de ir adiante com uma votação que provavelmente teria reprovado muitas proposições, preferiu retirar o texto para reescrevê-lo do zero, inviabilizando o cronograma já preparado. Em maio, de fato, a Assembleia Geral dos bispos italianos deveria aprovar em via definitiva o documento e adotá-lo como bússola para o caminho da Igreja italiana nas próximas décadas. Agora tudo foi adiado por seis meses, salvo novos contratempos no caminho.
“Vamos valorizar as dificuldades”, comentou o cardeal presidente da CEI, Matteo Zuppi, em uma coletiva de imprensa. Os próximos meses serão decisivos, mas certamente em outubro não poderá ser reapresentada uma fotocópia do documento atual, para não correr o risco de uma nova rejeição. Não será a revolução, como em 1789, mas muitos esperam pelo menos uma profunda e radical reforma de uma igreja italiana imóvel há décadas.