14 Março 2025
"A esquerda virou sistema, diz Chavoso. Esse é o sentimento vigente na periferia, reforçado por pastores, padres, militantes do fascismo", escreve Armando Coelho Neto, jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo, em artigo publicado por Jornal GGN, 12-03-2025.
“Fui torturado pela polícia de São Paulo, e obrigado a comer um cigarro de maconha”, disse Thiago Torres, durante denúncia para a imprensa, em 28-05-2023. Negro, gay, nascido e criado na periferia de São Paulo, livrou-se desses estigmas, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Hoje, é conhecido como Chavoso da USP, palestrante, youtuber… Há vídeos dele, nas redes.
Para Chavoso, os mais pobres já não acreditam nas instituições, e enxergam nelas a causa de todos os seus males, ainda que isso seja uma percepção torpe, equivocada. E, o mais grave, grande parte do povão identifica a esquerda como sistema. Leia-se, como instrumento e detentora do ideário que dá sustentação às instituições falidas, ainda que criadas pela burguesia capitalista.
A esquerda virou sistema, diz Chavoso. Esse é o sentimento vigente na periferia, reforçado por pastores, padres, militantes do fascismo. De outro giro, as redes sociais dão substancial contribuição por intermédio de youtubers, coaches, artistas e personalidades vendidas, entre outros picaretas a serviço da extrema direita. Essa é a visão captada por Chavoso, que se declara comunista.
Fato. Esquerdistas envelheceram, alguns se deram por “vencedores” (sabe-se lá de quê), e outros movidos pelo sentimento de que cumpriu sua parte no processo histórico, abandonaram a luta. De outro giro, sobreviventes passaram a se orgulhar de sua rejeição aos computadores, mundo digital, redes sociais… Voltaram para os livros e veem com desdém o popular: fé, música sertaneja, rap, brega, pisadinha…
“Consolidou-se a distância”, diz o tal Chavoso. Com leitura raiz de quem nasceu e viveu na favela, hoje “uspiano”, é taxativo em dizer que não se leva consciência política à favela, às vésperas de eleições. Menos ainda, cabe acrescentar, alimentando bolhas sob o espectro do “eu me amo e sou correspondido”, alimentando o adágio popular de que política, religião e futebol não se discute. Será?
A direita em sintonia com o povo, em que pese mais de cem anos de direita no Brasil, diz que os males que afligem a sociedade atual são culpa da esquerda, da tal “doutrina woke” (que derruba até avião no EUA), tão alardeada pelo trumpismo. No Brasil, ela é mais conhecida como “Doutrina Todix”, a ponto de, no Hino Nacional, surgir a infeliz alteração “Dos filis desse solo és mãe”. Até Lula virou “Lules”.
Sob essa perspectiva de ameaça genérica, a saída é atacar o sistema, destruir as instituições (como o STF) que dão sustentação “a acabar com tudo isso que está aí”, frase repetida à exaustão, pelo ex-presidente, se é que em algum momento mereceu esse ser tratado como tal. Para não perder o foco, tudo que não presta é obra do sistema, ponto de encontro entre “direita” e “esquerda”. Ambos são contra.
Chavoso. Eis quem a esquerda precisa ouvir, se quiser deixar de ser identificada como sistema. O sistema real de hoje e de sempre, são os que dizem (pasmem!) combater o sistema. Fazem política negando a política. Surgem como baluartes morais, defendendo o que sempre negaram aos outros: democracia, direitos, garantias e liberdade de expressão. Bandido bom é bandido morto já era!
A esquerda que teoricamente entrou no sistema para mudar o sistema, virou sistema na visão popular. Perdeu não apenas as ruas, mas também a capacidade de se reinventar. Em clima de desânimo, promove brigas internas, fazem diagnósticos fantásticos, mas é incapaz ver que o presidente Lula, ainda que distante do ideal, é apenas o possível. Lula como refém do verdadeiro sistema é ficha que não cai.
Já nas redes, não param de circular vídeos combatendo o sistema, pois foi ele que não deixou o golpista colecionador de joias governar. Nas redes, o povo estaria se libertando por que desligou a TV e o rádio e… Claro, desligou tudo, trocando Marinhos, Ratinhos, Saad, AbravaneL, Sirotsky et caterva e caíram nas mãos dos Macedos, Musk, Zuckerberg, seduzidos pelas mágicas de Steve Bannon.
Diante desse tenebroso quadro, surgem os militantes da “Revolução Sem-Sem”. Leia-se, revolução sem povo, sem dinheiro, sem consciência social, sem armas, sem canais expressivos de comunicação. Até parece coisa daquele partido que não consegue eleger sequer vereadores, por gente na rua, nem mesmo encher uma boa e velha Kombi, com seus militantes. “Lutam” pelo ideal e ignoram o possível!
Para os adeptos da Revolução Sem-Sem, a perua é pequena, mas sempre cabe mais um, e já tem gente correndo para lá. Para variar, com muitos diagnósticos e nenhuma proposição, querendo declarar guerra ao sistema. Chavoso que o diga.