11 Janeiro 2025
"No fim do ano, a cidade se mobiliza para celebrar algumas das suas principais festas, o Natal e o Ano Novo, mas a concessionária não faz a sua parte. Pelo contrário, empresa ostenta ineficiência, irresponsabilidade e nenhuma solidariedade", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Mais um ano se passa e os manauaras novamente experimentam na pele o engodo da concessão privada de água e esgoto na capital amazonense. Em alguns meses, fará 25 anos que o ex-governador Amazonino Mendes e o ex-prefeito Alfredo Nascimento venderam no mercado financeiro a empresa pública Manaus Saneamento (subsidiária da Cosama), entregando aos empresários e investidores estrangeiros o controle destes serviços essenciais. Com aquela negociação, a população foi totalmente afastada da gestão dos serviços, sendo substituída por um órgão regulador burocrático, desprovido de autonomia e ineficiente.
Ao controlar o abastecimento de água e o serviço de esgotamento sanitário, a empresa obtém o poder de escolher quem vive e quem morre na cidade de Manaus. O controle da água sempre foi uma estratégia de guerra eficaz para eliminar o inimigo ou obrigá-lo a submissão. Da mesma forma, as empresas de saneamento, ignorando os direitos humanos, têm disponibilizado os serviços de água e esgoto somente aos que pagam as elevadas tarifas impostas pelo mercado sedento de lucro. Em Manaus, as comunidades da periferia têm um abastecimento de má qualidade e os serviços de esgotamento sanitário não chegam a 30% do tecido urbana. A privatização do saneamento contribui assim com a ampliação da desigualdade social, dificultando a sua superação.
O baixo desempenho da gestão privada e a precariedade dos serviços têm marcado a história dessa concessão ao longo das últimas duas décadas e meia, mostrando que em Manaus a vida está por um fio. Milhares de denúncias feitas aos órgãos de defesa do consumidor, Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI 2005, CPI 2012 e CPI 2023) instauradas na Câmara Municipal do Manaus, inúmeros processos julgados ou em julgamento pelo poder judiciário, reclamações cada vez mais recorrentes dos moradores... Muitos são os indícios de que a privatização não tem cumprido as metas estabelecidas e ignora as promessas realizadas na ocasião em que as ações da Manaus Saneamento foram a leilão na antiga Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
O clima é de frustração e revolta, não somente pela má qualidade dos serviços prestados a população, mas também pela deterioração do meio ambiente causada pelo lançamento de esgotos nos igarapés e rios da cidade. Diante das alterações climáticas que já afetam a região, o cenário tende a piorar. Com as secas cada vez mais severas e recorrentes, o acesso à água potável se torna ainda mais difícil, uma vez que a empresa não tem nenhum plano de emergência preparado para situações tão graves. Em meio às crises climáticas, a escassez hídrica também afetará a Amazônia, onde os tomadores de decisão não priorizam as políticas públicas de interesse popular nem as iniciativas de proteção da natureza.
No fim do ano, a cidade se mobiliza para celebrar algumas das suas principais festas, o Natal e o Ano Novo, mas a concessionária não faz a sua parte. Pelo contrário, empresa ostenta ineficiência, irresponsabilidade e nenhuma solidariedade. No fim de 2024, um vazamento de grandes proporções em uma tubulação danificou a estrutura da Avenida Coronel Teixeira, formando uma grande cratera no bairro da Ponta Negra, uma das localidades mais nobres da cidade. Um caminhão de coleta de lixo acabou caindo no buraco e teve que ser retirado do local com a ajuda de máquinas fortificadas. O acontecimento causou a interrupção do abastecimento de água em dezenas de bairros das zonas Leste, Oeste e Centro-Oeste de Manaus.
Se isto acontece até nas áreas mais ricas da cidade, as periferias convivem constantemente com tais problemas: faltam água e serviços de esgoto, as tarifas são abusivas, há intervenções arbitrárias e cortes ilegais. Moradores da Avenida Nepal, localizada no bairro Nova Cidade, zona Norte da capital, estão enfrentando vários transtornos devido aos serviços inacabados da concessionária Águas de Manaus. Além de lama, diversos buracos ficaram expostos na via após uma intervenção para reparar um vazamento de água na tubulação. Os trabalhadores da empresa fizeram a troca de um cano, mas não finalizaram adequadamente o serviço, deixando buracos abertos e sem sinalização. Um dos moradores reclamou: “passamos o Natal e o Ano Novo assim, com a rua cheia de lama”.
A realização de serviços deficitários também tem sido comumente observada em obras de instalação da rede de esgotamento sanitário. Em diversas áreas da cidade, as redes de esgoto, recém assentadas, apresentam não conformidade relacionadas ao aterro e recomposição asfáltica das valas, resultando em recalque de trechos, pavimentos trincados e em alguns casos, ausentes. Tais práticas tem chamado a atenção até da Agência Reguladora, que acorre aos locais para notificar a empresa de saneamento Águas de Manaus.
Manaus inicia o ano com grandes desafios, especialmente no que se refere aos serviços mais básicos. A dramática trajetória de 25 anos mostra que o mercado do saneamento não está interessado em contribuir com a superação destes desafios. Em definitivo, o interesse das empresas de saneamento visa ampliar a cada ano os seus rendimentos, expandindo o seu patrimônio financeiro e respondendo a ganancia dos seus investidores. A esperança que emerge a cada início de ano não pode depender da ação do mercado que tudo profaniza, transformando em produto de compra e venda. A esperança de um ano melhor só pode ser alimentada pelo engajamento em organizações que realmente lutam pelo bem comum e pelo cuidado da natureza.
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Natal e Ano Novo sem água e esgoto em Manaus. Artigo de Sandoval Alves Rocha, SJ. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU