22 Novembro 2024
O Kremlin tem agitado o fantasma das armas nucleares, mas especialistas acreditam que o uso da guerra híbrida pode ser mais provável.
A reportagem é de Julian Borger, publicada por El Salto, 21-11-2024.
Moscou ameaçou responder à decisão tomada pelos Estados Unidos e Reino Unido de permitir que seus mísseis sejam usados em ataques dentro do território russo. Além disso, advertiu que está considerando todas as opções. No início desta semana, o Kremlin anunciou uma mudança formal em sua doutrina nuclear, incluindo especificamente uma possível resposta nuclear a ataques da Ucrânia em solo russo facilitados por membros da OTAN. Qual pode ser a resposta de Vladimir Putin?
Por enquanto, Putin confirmou que seu primeiro passo na resposta foi testar um míssil balístico hipersônico com capacidade de transportar carga nuclear. "Em resposta ao uso de armas de longo alcance dos Estados Unidos e do Reino Unido, em 21 de novembro deste ano, as Forças Armadas russas realizaram um ataque combinado contra uma das instalações do complexo militar-industrial da Ucrânia" com "um dos mais novos sistemas de mísseis russos de médio alcance", chamado Oreshnik.
"Tanto se era um míssil balístico intercontinental ou um míssil balístico de alcance intermediário, o alcance não é o fator importante", explicava à agência Associated Press Fabian Hoffmann, pesquisador de doutorado da Universidade de Oslo especializado em tecnologia de mísseis e estratégia nuclear.
"O fato de carregar uma carga útil MIRV [míssil que transporta várias ogivas capazes de atingir diferentes alvos] é muito mais relevante para efeitos de sinalização e é a razão pela qual a Rússia o escolheu. Essa carga útil está associada exclusivamente a mísseis com capacidade nuclear", acrescentou em declarações publicadas pelo The Guardian.
O Kremlin já brandiu seu arsenal estratégico durante o conflito na Ucrânia em uma tentativa de dissuadir a intervenção ocidental ao lado de Kiev. No entanto, apesar de todas as ameaças, os Estados Unidos afirmaram que não observaram sinais de movimentos incomuns nos depósitos de armas nucleares russas, sugerindo que não houve alterações na posição física das ogivas nucleares táticas.
A maioria dos especialistas acredita que o uso de armas nucleares pela Rússia é improvável por enquanto, mas alertam contra a autocomplacência. Pavel Podvig, pesquisador sênior do Instituto das Nações Unidas de Pesquisa sobre Desarmamento, afirma não acreditar que lançar uma bomba na Ucrânia esteja na lista de opções de Moscou, “principalmente porque isso não ajudaria a alcançar nenhum objetivo militar, e a Rússia está avançando neste momento”.
Além disso, o uso de uma arma nuclear em um conflito pela primeira vez desde 1945 uniria grande parte do mundo contra a Rússia de uma forma que Moscou não poderia prever facilmente, argumenta Podvig. “Portanto, seria uma aposta arriscada. No entanto, não posso descartar que o Kremlin esteja disposto a arriscar. Especialmente se Moscou acreditar que pode contar com uma resposta fraca. Não sabemos”, afirmou na rede Bluesky.
Moscou demonstrou grande criatividade no uso de táticas híbridas, que operam na “zona cinzenta” entre a paz e a guerra, contra seus inimigos. A Rússia já transformou em arma o fluxo de pessoas migrando para o Ocidente, direcionando-as para as fronteiras da Polônia, Lituânia e Finlândia, com o objetivo de causar dificuldades políticas nesses países.
Supostamente, a inteligência militar russa também conduziu assassinatos no Reino Unido, Alemanha, Espanha, Áustria, Turquia e outros locais. Além disso, planejou atos de sabotagem, como o uso de artefatos incendiários em centros de carga da DHL na Alemanha e no Reino Unido, em julho. Serviços de inteligência ocidentais acreditam que esses atentados eram ensaios para possíveis ataques similares em voos com destino à América do Norte.
Nos Estados Unidos e na Europa, serviços de inteligência denunciam que bots russos em redes sociais amplificam temas que geram divisões nas sociedades ocidentais, enfraquecendo a coesão social e fortalecendo a extrema-direita. A Rússia também foi acusada de interferir em sinais de GPS, especialmente sobre o Báltico, perturbando a navegação de milhares de aviões de passageiros.
Nesta quarta-feira, autoridades dinamarquesas identificaram um cargueiro chinês como o mais próximo da área no Mar Báltico onde dois cabos submarinos de comunicação foram cortados no início da semana. No entanto, Elisabeth Braw, especialista em conflitos na zona cinzenta do think tank Atlantic Council, não descarta o envolvimento russo.
“Navios mercantes normalmente não cortam cabos submarinos por diversão”, disse Braw. “O que temos visto é que a Rússia é muito boa em usar intermediários.”
Moscou tem um histórico de formar alianças temporárias de conveniência com aliados e intermediários para causar perturbações no Ocidente. Segundo um relatório publicado no mês passado pelo The Wall Street Journal, a Rússia forneceu dados de alvos aos rebeldes iemenitas houthis para seus ataques contra navios ocidentais no Mar Vermelho.
No Reino Unido, o chefe do MI5, o serviço de segurança nacional, declarou em outubro que a inteligência russa intensificou sua colaboração com gangues criminosas como parte de “uma missão contínua para gerar caos nas ruas britânicas e europeias: temos visto incêndios criminosos, sabotagens e muito mais”.
O fato de esses ataques ocorrerem em uma zona cinzenta, utilizando intermediários, permite uma negação plausível, tornando-os especialmente difíceis de conter ou de reagir. Eles não atingem o nível de guerra aberta, as investigações criminais pouco fazem para responsabilizar Moscou, e as agências de inteligência ocidentais estão, na maioria dos casos, limitadas em suas respostas.
“Não vamos interferir nos sinais de navegação russos na água ou no ar, porque isso pode causar acidentes”, diz Braw. “Os russos são muito bons nisso. Eles continuam inovando e, se tiver sucesso, ótimo. Se o efeito for insignificante, não importa, porque não serão punidos. É muito difícil descobrir como responsabilizá-los e puni-los.”
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Ucrânia está usando mísseis de seus aliados contra a Rússia, como Putin pode responder? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU